Por Jadeilson Cruz, graduado em Filosofia e estudante de Jornalismo da UFMA
Hoje, 11 de julho de 2020, comemora-se o sesquicentenário da elevação da Vila de Turiaçu à categoria de cidade. Apesar de ser uma data emblemática, pois significa uma mudança significativa de patamar, não a considero a mais importante da história turiaçuense. Já que em conformidade com a Provisão Régia de 09 de abril de 1655, como consta na monografia do professor Robson Campos Martins, foi criada a Missão Jesuíta São Francisco Xavier, dando origem ao primeiro núcleo demográfico de Turiaçu. Desse modo, em 09 de abril do corrente ano era para se ter comemorado 365 anos de história e não 150 como muitos comemoram no dia de hoje.
Turiaçu é gigante. E entre os grandes da história do Brasil e do Maranhão deve figurar. Comemorar o 11 de julho como a data mais importante é uma forma de ignorar os primórdios da história turiaçuense. Temos que dar o devido valor aos acontecimentos históricos e colocar Turiaçu em seu devido lugar.
Não podemos nos esquecer de outras datas importantes da nossa história: como 25 de junho de 1833, criação da Vila de Turiaçu; 13 de fevereiro de 1834, instalação da Vila de Turiaçu; e 12 de junho de 1852, reincorporação de Turiaçu ao Maranhão. Além dessas já citadas, é fundamental que conheçamos não apenas outras datas importantes, mas também a História de Turiaçu mais profundamente. É necessário que nos empenhemos em compreender os fatores que determinaram as transformações ao longo do tempo e a atual configuração do nosso município. Temos que, como disse Heródoto, “Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Só o conhecimento do passado nos dará a real dimensão da nossa História.
As fontes sobre a História de Turiaçu são escassas, tornando-se assim praticamente incompreensíveis alguns fatos importantes da nossa história, como a configuração política em 1870, a partir de 11 de julho; a composição, organização e localização do Quilombo de Turiaçu, que teria sido o segundo maior do Brasil, ficando atrás apenas do de Palmares; dentre outros fatores que contribuiriam para melhor compreensão do que somos a partir do que fomos. O grande culpado por grande parte dessa escassez é o capitão Manuel Aurélio Nogueira, que em 1930, quando administrava o nosso município, mandou incinerar quase todo o arquivo municipal. Nesse sentido, é necessário um estudo historiográfico minucioso. Tanto os governantes como a população devem se empenhar e angariar fundos para financiar esse mergulho na história turiaçuense.
Em relação a Turiaçu, eu tenho muitos sonhos. O principal deles é ver a sede do município transformada em uma cidade cultural. Quero andar pelas ruas e ver um teatro, um cinema, um museu e uma biblioteca imponentes. Também, casas de danças, de música e manifestações culturais sendo encenadas e cultivadas nas praças e nas ruas. Quero ter o prazer de assistir, ao lado dos meus conterrâneos, a grandes e maravilhosos espetáculos. Como poetizou Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Turiaçu precisa respirar história, cultura, conhecimento, esporte e lazer. Não é aceitável que no nosso município não exista pelo menos um museu, como também monumentos em homenagem aos nossos heróis. Outro fato lamentável é a falta de locais apropriados para a prática de esportes e para a apreciação de eventos culturais, assim como a inexistência de áreas de lazer adequadas. E o mais inadmissível ainda é o menosprezo ao conhecimento, pois a maior prova disso é a degradação da Biblioteca Municipal. Conhecimento é prioridade, sempre deve estar em primeiro lugar. Um povo sem conhecimento, é um povo sem esperança, logo, sem futuro. O conhecimento é condição necessária para libertar a alma da tirania da ignorância.
O 09 de abril deveria ser um dia de festa e de celebração da turiaçuensialidade. Nesse dia deveria haver eventos esportivos, culturais e educacionais. Em alguns momentos o 11 de julho já foi palco de eventos assim, porém precisamos de algo ainda mais grandioso. Esse dia seria ideal não apenas para festejarmos o nosso povo, mas também para conhecermos mais profundamente a nossa história. Como disse o professor Robson Campos Martins: “Um povo que perde as suas tradições, é um povo indigno de figurar na história”.
Foto destacada / uma das ruas mais antigas da cidade / divulgação: acervo pessoal do professor Edmar Costa Filho
Documento oficial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reafirma na inspeção feita em Bacuri as denúncias publicadas pelo Blog do Ed Wilson sobre as violações de sítio arqueológico na comunidade quilombola São Félix. Os delitos foram praticados pela paraense Magnólia Gonçalves de Oliveira e seu comparsa francês François-Xavier Pelletier.
A dupla franco-brasileira fez perfurações e escavações não autorizadas, furto e transporte irregular dos artefatos pertencentes às áreas quilombolas de São Félix e Mutaca. Em relação ao furto de objetos na comunidade Mutaca, o Ministério Público acionou a Justiça, que expediu mandado de busca e apreensão cumprido pelas polícias Civil e Militar na casa onde moravam Magnólia Oliveira e François-Xavier, localizada no povoado Portugal, na periferia de Bacuri, município do litoral ocidental do Maranhão.
Concluída a ação policial com ordem judicial, ficou provado
que na casa alugada para a dupla franco-brasileira estavam escondidos centenas
de achados arqueológicos retirados de São Félix e Mutaca. Em seguida, o Iphan realizou
inspeção técnica e emitiu parecer com base em imagens, relatos e trabalho de
campo feito por arqueólogo.
De acordo com o relatório do Iphan, as escavações são ilegais, feitas sem autorização, configurando mutilação de sítio arqueológico e transporte de material sem permissão.
No item “Conclusão e Encaminhamento”, o relatório aponta várias irregularidades cometidas por Magnólia Oliveira e François-Xavier e, ao final, recomenda a tomada de providências contra a dupla de infratores.
O documento do Iphan lista vários trechos da legislação brasileira infringidos por Magnólia e François-Xavier, que agiram de forma ilegal. Para aliciar os moradores dos quilombos, a dupla “prometia” que os objetos retirados das escavações serviriam para implantar um museu em Bacuri e atrair turistas para o povoado Portugal.
Segundo o relatório do Iphan, “foi elucidado que os objetos
constituem artefatos configurados como patrimônio cultural brasileiro de
interesse arqueológico, que, por sua vez, são portadores de referência à
identidade, dos diferentes grupos que habitam ou habitaram a área em questão.”
Veja abaixo o trecho final do relatório:
“Em síntese, a partir do relatado, pode-se inferir que as escavações arqueológicas, promovidas pelos Senhores François Polletier e Magnólia Gonçalves de Oliveira, na comunidade São Felix, foram realizadas de forma ilegal. Citam-se os seguintes aspectos:
– Escavação sem portaria autorizativa, contrariando a Portaria 07 de 1988.
– Mutilação de sítio arqueológico, conforme Art. 3º da Lei 3.924 de 1961 e Art. 63 da Lei 9.605 de 1988;
– Transporte de material arqueológico sem permissão, segundo Portarias IPHAN 195, 196 e 197 de 2016.
O relatório recomenda, ainda, “tomar as devidas providências
quanto à atuação irregular dos Senhores François Polletier e Magnólia Gonçalves
de Oliveira.”
Colar misterioso
A brasileira e seu comparsa francês não tiveram qualquer
autorização de nenhuma instituição do governo brasileiro para realizar
perfurações, escavações e transporte de artefatos históricos e arqueológicos.
Na página 11 do relatório há o registro sobre um colar que teria
sido retirado nas escavações, mas não foi encontrado na casa onde Magnólia Oliveira
e François-Xavier escondiam os achados arqueológicos.
“Durante a conversa com os moradores da localidade foi
relatado que um colar (“colar de crioula”) havia sido encontrado nas escavações
da casa grande, local próximo da escavação executadas pelos “franceses” e o
mesmo não se encontra entre os materiais que estão na casa, como também, uma
âncora de embarcação.”, aponta o relatório do Iphan.
A divulgação do relatório, datado de 10 de dezembro de 2019, reitera técnica e institucionalmente as informações levantadas pelas reportagens do Blog do Ed Wilson desde fevereiro de 2019 sobre a violação das áreas quilombolas. A sequência de matérias sobre a violação dos quilombos foi inclusive contemplada no Prêmio de Jornalismo do Ministério Público do Maranhão, na categoria webjornalismo, em dezembro de 2019.
Após as reportagens e a repercussão em diversos meios de comunicação do Maranhão e na Teia de Comunicação Popular do Brasil as perfurações foram suspensas e a dupla de infratores não circula mais pelas áreas quilombolas de Bacuri. Segundo testemunhas, François-Xavier deixou a casa do povoado Portugal alguns dias antes da operação policial. Ele colocou no carro várias caixas e malas e nunca mais voltou.
Ela atende pelo nome de “Magnólia”; ele, “François”. Há cerca
de um ano, pilotando um automóvel surrado da marca “subaru”, branco, o casal
percorre comunidades quilombolas do município de Bacuri, no Litoral Ocidental
do Maranhão.
A pretexto de realizar pesquisas arqueológicas e criar um
museu na região, eles se aproximaram das lideranças e moradores, especialmente
crianças, até conquistar a confiança e adentrar em áreas onde estão localizados
objetos e artefatos de interesse histórico vinculados ao período colonial e da
escravidão.
Segundo os moradores, a dupla utiliza equipamentos sofisticados, entre eles drone e um detector de metais para fazer a varredura e identificar objetos metálicos. A mais recente intervenção ocorreu no sítio histórico localizado na área pertencente a Antônio Pereira da Silva, contígua à comunidade quilombola São Félix.
Nesta localidade, de acordo com relatos de vários moradores, registros em fotografias e vídeos, o casal devastou a cobertura vegetal nativa, fez escavações e perfurações no solo e retirou grandes estruturas metálicas assemelhadas a encanações, esferas de ferro fundido parecidas com munição de canhão, vigas com características de lanças e arcos, pedras espessas quadradas e retangulares similares a piso ou assoalho para residência, lascas de madeira, restos de material cerâmico e pedregoso, além de amostras de solo.
No entorno da área saqueada existem vestígios do baldrame do que seria a antiga “casa grande” de uma fazenda pertencente ao português Antônio Bittencourt, cuja memória passada pelas gerações lembra um escravocrata cruel que aplicava castigos violentos nos negros.
A casa da Rua Murici
A presença de Magnólia e François nas áreas quilombolas é
fartamente comentada entre os moradores e várias fontes consultadas pela reportagem
convergem para a mesma narrativa: os materiais retirados de São Felix foram
transportados para uma casa na periferia do povoado Portugal, na rua Murici.
A moradia de alvenaria, na via sem asfalto nem saneamento básico, onde predominam casas de taipa, passou por várias benfeitorias, principalmente a colocação de grades de ferro em todas as janelas.
Nesta rua, sábado (3 de fevereiro), a vizinhança observou uma grande movimentação de Magnólia e François retirando vários objetos da casa, prontamente armazenados no velho subaru branco, logo batendo em retirada. Ele estaria de viagem marcada para a França e ela ficaria no Maranhão para novas escavações.
A reportagem passou dois dias na zona rural e na sede do município de Bacuri tentando obter o telefone do casal Magnólia e François, mas nenhuma pessoa disse ter conhecimento do número.
Conheça o perfil da dupla no final da reportagem.
Certificação e pirataria
Em 19 de dezembro de 2018, São Félix recebeu a certificação
de área remanescente de quilombo, expedido pela Fundação Cultural Palmares,
após o minucioso trabalho de levantamento de dados, memória oral e registro
fotográfico da historiadora Klíssia Jéssica Fonseca Ferreira, titular da
Coordenação de Igualdade Racial, vinculada à Secretaria de Assistência Social
da Prefeitura de Bacuri.
O levantamento de 2018 elaborado por Klíssia Ferreira para
ser encaminhado à Fundação Palmares permite comparar as imagens atuais (3 de
fevereiro de 2019) e perceber o grau de devastação feito pelo casal franco-brasileiro
em São Félix: o que parecia ser um sítio arqueológico foi transformado em uma
espécie de garimpo. Os escavadores chegaram a colocar lonas plásticas, cobertas
com terra, para proteger algo de relevante que ainda seria explorado.
No povoado Mutaca, ainda não reconhecida como área remanescente de quilombo, o casal retirou, sem autorização, duas estruturas de ferro que estavam guardadas na residência da família de João dos Santos Oliveira. “Quando meu pai se entendeu por gente tinha esses ferros lá. Ele plantou um pé de laranja no meio da roda de ferro. A laranjeira deu muito fruto, depois morreu e a roda continuou lá. Aí chegou esse casal e levou tudo de lá da nossa tapera. Estou muito injuriado com isso”, desabafou João Oliveira, nascido e criado em Mutaca e proprietário de uma roça na localidade.
João Oliveira fez a denúncia da retirada dos dois objetos de ferro junto ao promotor da Comarca de Bacuri, Denys Lima Rego. O moradores de São Felix – João Evangelista da Silva e Maricélia Santos Borges – também registraram ocorrência no Ministério Público (MP) local.
Ação Cautelar do MP
Segundo o promotor, o MP colheu as informações preliminares e vai formalizar uma Ação Cautelar no Judiciário, com pedido de urgência, visando obter do juiz o procedimento de busca e apreensão na residência da rua Murici, onde, segundo as informações, estariam depositados os objetos e materiais retirados das comunidades quilombolas. O objetivo da busca, dentro da competência do promotor, é apurar a denúncia de furto dos objetos de ferro que estavam na residência da família do lavrador João dos Santos Oliveira, em Mutaca.
A entrada de Magnólia e François nos sítios históricos não teve autorização dos quilombolas nem da Prefeitura de Bacuri. A coordenadora de Igualdade Racial, Klícia Ferreira, só tomou conhecimento da retirada dos objetos quando o estrago já estava feito. “Fiquei muito indignada com a devastação em São Felix porque esses materiais retirados de lá e todos os equipamentos que têm algum vínculo com o período da escravidão servem de prova nos meus relatórios para, juntamente com outros documentos e procedimentos técnicos, obter a certificação de área remanescente de quilombo na Fundação Cultural Palmares”, registrou.
Se houver a remoção de objetos e equipamentos em outras comunidades todo o trabalho inicial do levantamento histórico que pode levar a Fundação Cultural Palmares a fazer certificação fica inviabilizado.
O secretário de Igualdade Racial do Governo do Maranhão, Gerson Pinheiro, afirmou que todas as medidas serão tomadas para preservar os direitos das comunidades remanescentes de quilombos.
Em São Felix, Magnólia informou que iria fazer pesquisa arqueológica e fez circular em todas as comunidades que o objetivo do casal era criar um museu para “fazer o bem” aos quilombolas. Mas, o tom cordial era raro no trato com os moradores e chegava à rispidez em algumas ocasiões. Uma das pessoas que chegou a colaborar nas escavações e viu de perto todos os procedimentos para a retirada dos objetos passou a ser hostilizado quando tentou registrar o trabalho com imagens. “Magnólia ‘embrabou’ comigo quando eu comecei a tirar fotos e fazer a filmagem utilizando meu aparelho celular”, relatou Edson Marques Ferreira.
O proprietário da fazenda São Felix, Antonio Pereira da Silva, disse que no seu contato com Magnólia ela mencionou o interesse em pesquisa, mas em nenhum momento ele concedeu autorização para fazer escavações, enfatizando o valor histórico e o patrimônio imaterial contido nas comunidades quilombolas. “O que está acontecendo é uma nova modalidade de pirataria”, comparou.
Segundo relatos dos moradores, Magnólia e François também
tentaram retirar material do sítio histórico denominado Bitíua, mas foram
impedidos pelas lideranças locais. Este povoado foi certificado desde 2008 pela
Fundação Cultural Palmares como área remanescente de quilombo. Em Bitíua ainda
é possível visualizar as ruínas de paredões que indicam a existência de
construções antigas, além de rodas com cravos de engrenagem similares aos
equipamentos utilizados nos engenhos de cana de açúcar.
Bacuri tem 14 comunidades com características quilombolas. Desse total, seis já foram certificadas pela Fundação Palmares: no período de 2008 a 2016 garantiram reconhecimento as localidades Bitíua, Santa Rosa e Barreira. Entre 2017 e 2018 foram encaminhados e aceitos os pedidos de certificação para Vila Nova, Batepé e São Felix.
Klícia Ferreira já iniciou os contatos para levantar as
informações e organizar a documentação visando certificar as localidades: Águas
Belas, Estrada Nova, Matinha, Mutaca, Jurupiranga, Ponta Seca, Estiva de Gado e
Campinho.
O secretário adjunto de Infraestrutura de Bacuri, Aldeir
Cardoso, frisou que as áreas quilombolas não podem ser expropriadas porque as
escavações criam condições desfavoráveis aos moradores, correndo o risco até de
reverter certificações já concedidas pela Fundação Palmares.
O pioneiro e a guardiã
O casal franco-brasileiro revelou aos quilombolas apenas seu vínculo com uma organização denominada Homme Nature, identificada como “Centro de pesquisa, desenvolvimento e realização de multimídia”, com registro neste site. Na identificação dos fundadores estão François-Xavier Pelletier, classificado como “pioneiro de vários mundos, naturalista, etnólogo, escritor, fotógrafo e diretor.” Segundo a descrição da plataforma, ele “dedica sua vida a estudar, fotografar e filmar pessoas que vivem em simbiose com a Natureza e especialmente com as pessoas da água e da floresta”.
No seu perfil do site, Magnólia de Oliveira é a “guardiã
da verdadeira natureza amazônica, dos pais
“Castanheiros”, especialista em ecologia amazônica.” Sua atuação
é voltada para lutar sempre visando divulgar e preservar essa floresta que
a viu nascer e ser educada.