Passei o dia juntando recortes para escrever esse artigo, concluído às 23h59min do domingo 16 de setembro de 2018, na virada do dia 17, quando a rádio Difusora AM (680 KHz) saiu do ar, materializando a migração para a Nova FM (93.1 MHz).
As últimas palavras na AM foram pronunciadas pelo radialista Jonas Mendes, que assumiu o microfone às 22h e conduziu a emissora até meia noite, quando os aparelhos foram desligados.
Ouça aqui os últimos minutos da transmissão da Difusora AM e aqui o momento da estreia da Nova FM.
E nesse áudio (completo) ouça a despedida da AM e o instante em que a FM entra em cena.
Esta emissora é a primeira de São Luís a fazer a migração. Foi inaugurada em 29 de outubro de 1955, de propriedade do fazendeiro Raimundo Bacelar. Passou 63 anos no ar, atravessando várias fases e mudanças na linha editorial.
Os pesquisadores no Maranhão têm um campo fértil para o trabalho de campo, e teórico, sobre o rádio. Daria para fazer um frondoso roçado. Falo especialmente do rádio AM, a nossa lavoura arcaica do mundo sonoro, pouco atrativa para os nativos digitais.
Como todas as AMs, a Difusora 680 Khz, codinome “a poderosa”, teve um papel importante na conexão entre os ouvintes de São Luís e dos municípios do continente, conectando os familiares dispersos na migração em busca de melhores condições de vida no fluxo de pessoas do interior para a capital. Programas como “Correio do Interior” e tantos outros sustentam este argumento.
A Difusora AM também notabilizou-se no cenário radiofônico maranhense em 1971, quando veiculou uma adaptação do programa “A guerra dos mundos”, de Orson Welles, originalmente veiculado nos Estados Unidos, em 1938, na CBS (Columbia Broadcasting System).
A transmissão local foi ao ar por dois motivos principais: o aniversário da Difusora AM e um teste informal para mensurar a força do rádio em São Luís, no início da década de 1970, quando a televisão começava a tomar a audiência do meio radiofônico em São Luís.
Entre 1997 e 2011, “a poderosa” foi arrendada e passou a transmitir a programação religiosa da Rede Aleluia, recolhendo neste período todos os formatos jornalísticos que sempre deram a tônica na grade, bem como a participação da audiência.
Passado tanto tempo, as AMs ainda cumprem papel fundamental na geopolítica do Maranhão, especialmente na programação jornalística, com a marca indelével dos ouvintes ativos. Esta recepção barulhenta, falante, crítica ou áulica, é parte importante na produção das emissoras.
O perfil da Nova FM 93.1 Mhz ainda é uma incógnita. O jornalismo, marca forte no rádio AM, vai “migrar” para o FM?? É uma pergunta de pesquisa. Por falar nisso, já está circulando o livro resultante do trabalho coletivo do Grupo de Pesquisa em Rádio e Mídia Sonora da Intercom. Com o título “Migração do rádio AM para o FM: avaliação de impacto e desafios frente à convergência tecnológica” (Editora Insular), a obra é coordenada pelas professoras Nair Prata (UFOP) e Nélia Del Bianco (UnB/UFG).
Toda mudança vem carregada de impacto. Muita gente lamenta a morte do AM, com saudosismo, tristeza e repúdio. O rádio, como tantos dispositivos tecnológicos, é sempre refeito e ultrapassado pelas novidades. Diversas vezes já decretaram a sua morte, mas ele resiste e se adapta aos ambientes de convergência cultural.
Na web, o rádio se reinventa com a mesma habilidade que saiu da condição de “vitrolão” nos momentos de crise, logo após a popularização da televisão.
Defensores da migração argumentam que essa mudança vai melhorar a qualidade do som (morre o chiado), abrirá mercado e competitividade no FM e tornará o rádio mais dinâmico, moderno e atraente.
Por outro lado, a migração vai deixar um vazio na audiência em lugares distantes, onde a FM não alcança (veja aqui).
A migração é tudo ao mesmo instante porque o radio é um meio mutante, o próprio sentido da fênix, renascendo das suas matrizes culturais metamorfoseadas nos formatos industriais, como diria Martín-Barbero.
Este artigo não pode acabar sem tocar no assunto central: comunicação é poder! A rádio Difusora AM fazia parte do Sistema Difusora de Comunicação (SDC), formado também pela TV Difusora, rádio Difusora FM, portal idifusora.com, além de outros meios eletrônicos em diversas cidades maranhenses sob o domínio do senador e candidato à reeleição (2018) Edison Lobão (MDB), ex-ministro das Minas e Energia no governo Dilma Roussef (2011-1014) e ex-governador do Maranhão (1991-1994).
O SDC sempre funcionou como linha auxiliar do maior império midiático do Maranhão, o Sistema Mirante de Comunicação, controlado pela família do ex-presidente José Sarney.
Lobão & Sarney usaram as suas máquinas de jornalismo e propaganda como peças estratégicas no processo de construção hegemônica no Maranhão.
Após a vitória do governador Flávio Dino (PCdoB), derrotando Roseana Sarney (MDB) em 2014, o jornalismo da TV Difusora e da rádio Difusora FM mudaram suas linhas editoriais, aproximando-se das teses do Palácio dos Leões. A adesão seria fruto de um arrendamento pilotado pelo deputado federal e candidato a senador Weverton Rocha (PDT), aliado de Flávio Dino.
A Difusora AM ficou de fora do arrendamento e manteve uma linha editorial crítica ao governo, causando um estranhamento à audiência desavisada sobre a mobilidade da política no Maranhão, qual seja: no mesmo grupo de comunicação havia uma guerra declarada ao Palácio dos Leões na AM (em todos os programas jornalísticos). O mesmo não acontece na TV e na FM, onde o governo é bem tratado.
Outro dia, dando aula para estudantes da UFMA, refletia sobre o controle político nos meios de comunicação. O coronelismo eletrônico é tão violento no Brasil, em especial no Maranhão, que às vezes o público lê, assiste e ouve muitas narrativas em diversas plataformas jornalísticas, mas poucas se aproximam da verdade.
A Difusora AM está muda. No seu lugar surge a Nova FM, que soma outra emissora ao mesmo grupo político já detentor da Difusora FM.
A migração tem essas nuances. Serve também para concentrar poder. E os ouvintes, tão falantes no AM, terão voz na FM?
É o que se espera. Afinal, rádio sem ouvintes falantes é monotonia.