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Inundações. E quando for a vez do Maranhão?

Artigo chama atenção para as cheias do rio Mearim e a importância do uso sustentável dos campos naturais, na Área de Proteção Ambiental (APA) da Baixada Maranhense, como forma de prevenir alagamentos em grandes proporções. Veja o que pode ocorrer se os campos naturais forem depredados.

Texto e imagens de Adriano Almeida, cidadão.

A catástrofe que aflige o Rio Grande do Sul neste ano de 2024 é aterradora. O flagelo sofrido pelo povo gaúcho diante das chuvas torrenciais que atingem implacavelmente aquela região comove a todos. Diariamente, os boletins de informações emitidos pelos órgãos públicos e pela imprensa trazem notícias que nos afetam, nos causam perplexidade e instigam nossa empatia para nos engajarmos, dentro das possibilidades de cada um, nas campanhas de doação, além de manter viva a esperança de rápida reconstrução do Rio Grande do Sul quando esta tormenta cessar.

Por ora, a prioridade é acolher as famílias vitimadas e ajudá-las a seguir em frente, resgatando sua dignidade para uma vida ressignificada. O Rio Grande do Sul será reconstruído, talvez com a oportunidade de repensar e incrementar o uso sábio dos seus recursos naturais. Será essencial refletir sobre aqueles que se foram e aqueles que perderam tudo, reconhecendo a correlação entre suas vidas e o ambiente natural circundante. Essa é a nossa esperança.

Neste contexto, é natural refletir sobre a possibilidade de que o cenário ocorrido no Rio Grande do Sul possa se repetir em outro lugar, especialmente onde vivemos. E quando for no Maranhão? Como será? Essa provocação nos impõe a pensar sobre os contextos e cenários possíveis, mesmo que de forma ainda especulativa, mas de forma genuína e sincera. É necessário pensar e agir para prevenir, entendendo nosso meio ambiente frente às mudanças climáticas e à intensidade dos ciclos hidrológicos que o planeta enfrenta, que doravante serão deflagradores de situações extremas com maior frequência.

O cenário que ocorre no Rio Grande do Sul pode se repetir em qualquer lugar. Cabe às cidadãs e cidadãos atentos contribuírem com a sociedade para que ela possa imaginar os cenários e preveni-los.

Algo que chama bastante a atenção no repertório de informações trazido pela catástrofe gaúcha é a relação direta entre a cota altimétrica dos rios e o volume das chuvas em milímetros. A partir dessas variáveis lançamos olhares para nosso contexto.

Em nossa realidade geográfica, junto ao estuário do Rio Mearim, onde estão inseridas as comunidades dos municípios de São Luís, Bacabeira, Santa Rita, Anajatuba e demais municípios da Baixada Maranhense, observamos os campos naturais secularmente ocupados desde os períodos pré-históricos e que acolheu a civilização lacustre do Maranhão.

Nos municípios referidos, as cotas altimétricas são muito baixas; as margens do núcleo urbano de Anajatuba medem apenas 5 metros de altitude, enquanto o interior dos seus Campos Naturais oscila entre 3 e 4 metros. Em Santa Rita e Bacabeira, o cenário se repete.

Perfis altimétricos obtidos junto ao Google Earth Pro:

Anajatuba

Santa Rita

Bacabeira

Ao longo do único acesso à Capital do Estado, as principais infraestruturas de manutenção de serviços essenciais da Ilha de Upaon-Açu estão em cotas altimétricas inferiores a 3 metros de altitude, incluindo a BR-135, Estrada de Ferro Carajás, linhas de transmissão de energia elétrica e o sistema Italuís de abastecimento de água.

Nos perguntamos: e se chover mais na bacia hidrográfica do Mearim? E se as marcas históricas de cheias forem superadas em 20%, tal como no RS? Quais seriam os cenários possíveis para a Capital, Baixada Maranhense e demais regiões? Quais as marcas históricas das cheias nas regiões citadas? Quais os planos e medidas necessárias em caso de longa interrupção do acesso à Ilha?

Consideremos que nossos campos são inundáveis e alagáveis sazonalmente, refletindo suas características de relevo baixo, com média entre 0 e 5 metros de altitude. A vastidão das planícies permite o espraiamento do volume excedente do leito do Mearim sem afetar a rotina dos núcleos urbanos, adaptando a vida anfíbia do povo baixadeiro e seus costumes.

Devido às imposições da natureza, os campos nunca permitiram uma ocupação humana massiva que não fosse integrada aos seus sistemas ecológicos, que são extremamente relevantes para o controle hídrico do Mearim, e “normalmente” atingem a cota altimétrica de 5 a 6 metros no período das cheias, similar à medida de altitude registrada na tragédia de Porto Alegre.

Observando Porto Alegre, verifica-se que persistiu um cenário caótico provocado pela cheia do Lago Guaíba, com uma altitude de 5,31 metros, praticamente 20% a mais do que sua cota histórica de 1941, a qual era a referência padrão adotada no planejamento urbano.

Diante disso, percebemos que é urgente entender nossos ecossistemas, protegê-los e compreender a dinâmica hidrológica a que estamos expostos no Maranhão, para garantir margens de segurança em um futuro promissor.

É importante ressaltar que a Constituição Estadual do Maranhão e a legislação ambiental estadual determinam uma série de medidas que resguardam o uso cuidadoso daquela área, preservando o uso comunal dos campos naturais para produção econômica e livrando-os das cercas e interferências que descuidem de sua função socioambiental preciosa, inclusive alçando-os ao status de unidade de conservação na categoria de Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense.

No entanto, desde 1991, o Governo Estadual sequer elaborou um necessário Plano de Manejo tecnicamente robusto e politicamente participativo para discutir o gerenciamento racional de seus recursos naturais e o desenvolvimento econômico de forma verdadeiramente sustentável e adequada às micro-realidades locais.

Ademais, a União reconhece desde o início do século a referida área como uma “Área Úmida de Interesse Internacional” ou “Sítio Ramsar” (internacionalmente conhecidos como wetlands ou humedales), conforme preceitos da Convenção de Ramsar, haja vista também o interesse na proteção de seus terrenos de marinha que abrangem a totalidade da área alagada.

Esta condição singular de nível internacional permite aos gestores ambientais locais alçar instâncias de alto nível para promover iniciativas inovadoras alinhadas aos novos valores das políticas ambientais ao redor do planeta. No entanto, o que vemos no âmbito estadual, junto aos decisores políticos, é o usual desleixo, miopia administrativa e solene ignorância frente aos avisos científicos e técnicos.

Estamos cientes de que órgãos como a CODEVASF, UEMA, IMESC, SEMA e CPRM possuem qualificados estudos técnicos sobre o Rio Mearim. Contudo, a dúvida permanece: nesses estudos foram considerados os cenários de mudanças extremas em suas análises? Se existem, quais são? Quais os cenários possíveis?

No sentido contrário às boas práticas de gestão do desenvolvimento sustentável, vemos ações governamentais estaduais preocupantes, sobretudo, pasme-se, aquelas voltadas para interferir no sistema de drenagem dos Campos Naturais Inundáveis, sem discussões públicas e técnicas abertas e consistentes, além do afrouxamento das regras de proteção ambiental e má fiscalização de atividades poluidoras.

Por exemplo, o Governo do Estado do Maranhão atualmente incentiva (Programa PODESCAR -I) grandes empreendimentos no interior dos Campos Naturais para o desenvolvimento da carcinicultura com espécies exóticas, sem a prévia promoção sustentável da cadeia produtiva das culturas nativas secularmente adaptadas aos Campos e sem comunicação prévia para as comunidades do entorno sobre os impactos da dita política pública.

Importante ressaltar que os Campos Naturais, para além de seus potenciais ainda inexplorados, já são altamente produtivos de várias formas, como, por exemplo, através:

– do trabalho de milhares de pescadores artesanais e comerciais, em suas centenas de açudes, valas, igarapés, mangues, que garantem segurança e soberania alimentar para suas famílias e comunidades, à revelia das sempre ausentes políticas públicas de assistência técnica e científica, em um contexto riquíssimo de interação da ictiofauna fluvial e da zona costeira;

– da produção de toneladas de mel por parte dos apicultores e meliponicultores, que bravamente conseguem interagir com os manguezais dos Campos Naturais e suas floradas sem destruí-los e gerando renda, também sem a devida assistência;

– dos pecuaristas e pequenos criadores com sua imensa diversidade de rebanhos e modo de produzir;

– dos agricultores com suas variadíssimas culturas ambientadas ao ritmo da sazonalidade de cheias e secas e que são desenvolvidas em ambiente de pouquíssima incidência de assistência técnica e científica, entre outros.

Então, é justo e oportuno indagar publicamente: promover interferências na drenagem dos Campos Naturais no atual contexto de mudanças climáticas é seguro? Subverter a função socioambiental daquela área de segurança contra enchentes é responsável?

Ao nosso ver, ante os imperativos de garantia do equilíbrio ecológico da Baixada Maranhense com segurança hidrológica e a necessária promoção do desenvolvimento econômico, é certo que promover o desenvolvimento sustentável das comunidades baixadeiras, considerando seus potenciais econômicos nativos e as funções ecológicas dos Campos Naturais Inundáveis, é a grande oportunidade neste contexto de mudanças climáticas com impacto direto sobre o IDH e PIB estadual.

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Entidades denunciam ameaça de degradação ambiental nos campos naturais de Santa Rita

O Comitê de Defesa dos Campos Naturais de Santa Rita e da Baixada Maranhense, formado por sindicatos de pescadores, trabalhadores rurais, associação de criadores e entidades comunitárias, divulgou uma carta se posicionando contra a instalação de uma empresa cearense – Bomar Maricultura – que pretende instalar fazendas de camarão nos campos naturais de Santa Rita.

Leia o documento aqui

Com 11 páginas, a carta apresenta vários argumentos técnicos e até legislação internacional que protege as áreas úmidas dos campos naturais, a exemplo da Convenção de Ramsar.

Segundo um dos interlocutores do comitê, a tecnologia proposta pela empresa é obsoleta e altamente poluente e poderá provocar o cercamento dos campos e destruição do berçário dos peixes e mariscos.

As entidades que compõem o comitê já se mobilizam para impedir a instalação das fazendas de camarão, que consideram nocivas ao meio ambiente, à sobrevivência dos berçários e à subsistência das comunidades que usufruem dos campos naturais.

Imagem ilustrativa de um campo natural da Baixada maranhense, capturada neste site