“Mas é claro que o Sol/ Vai voltar amanhã/ Mais uma vez”
Eloy Melonio é poeta, escritor e compositor
Essa certeza do Renato Russo (Mais Uma Vez/1987) contagia qualquer um de nós, não é verdade? Porque a presença do astro-rei é um dos fenômenos mais belos da natureza. Sempre foi assim, e sempre assim será. Pergunte ao seu pai se o Sol deixou de assinar seu “ponto” alguma vez. Acho que ninguém algum dia pensou em abrir a janela só pra ver se ele realmente estava lá em cima. Ele pode até ficar ali, escondidinho, por trás das nuvens, mas a gente sabe que está lá. Por isso, seu brilho é ampliado numa canção dos Fevers, de 1975: “O Sol nasce para todos/ E se entrega com amor/ Não distingue as fronteiras/ Nem quem nasce de outra cor”.
Diante disso, não há como contestar o popular verso bíblico: “há tempo para todo propósito debaixo do céu”. Pois é com essa outra certeza que o livro de Eclesiastes ― quarto livro poético da Bíblia ― abre o capítulo 3. E diz mais: “tempo de estar calado, e tempo de falar”.
Essas citações servem para contextualizar o assunto desta conversa. Porque a “campanha eleitoral” já está à nossa porta. E, com ela, o “palavreado”. Ou seja, muita gente falando disso e daquilo. Acusações, ofensas pessoais, promessas. Palavras —cegas e afiadas — lançadas aos ouvidos desconfiados de uma boa parte do eleitorado.
E não tem pra onde correr. Porque os donos da palavra estão em toda parte. Simpáticos, acessíveis; abraçando os velhinhos, tirando selfies com os jovens, comendo mocotó nas feiras populares. O tipo perfeito resumido na tão-sonhada “gente boa”.
E neste tempo de promessas mirabolantes, “vale tudo”. Inclusive lembrar o grande Tim Maia. “Só não vale” contar piada pra morto. Mas, acredite, tem cada promessa que nem defunto leva à sério.
Tudo isso é tão incontestável quanto a volta do Sol manhã. Mas, quando esse tempo terminar, acho que muita gente vai fazer coro com o Benito de Paula: “Graças a Deus, graças a Deus”. Outros, certamente, ficarão com a velha e cansada “Já vão tarde!”
E o palavreado de que falei é o que não vai faltar. Porque já está nas ruas desde o dia 16 de agosto, quando os candidatos entoaram, com toda a força de seus pulmões, este versinho popular dos Demônios da Garoa: “Óinóis aqui traveis” (1994).
E, assim, “queridos amigos” (Ôpa! Eu também?!), o tempo de que nos fala o livro bíblico também chegou à seara político-partidária.
Agora é falar, falar e falar. Porque “falar” é como a “onda” perfeita do Medina. Perfeita porque que é a característica que nos torna mais humanos. Que nos aproxima, que nos divide. Que defende a paz, que promove a guerra. E que, especialmente, revela sentimentos: “E por falar em saudade, …” (Toquinho e Vinícius de Moraes).
Esse verbo ― seja qual for o tempo ou o modo ― e até mesmo com “os erros do meu português ruim” (“Detalhes”, Roberto Carlos) é a arma mais potente dos políticos nesta fase de sua vida política. Se bem que, em muitos casos, dinheiro também fala alto.
Salvo raras exceções, o conteúdo das falas e discursos é, em essência, “falatório” geral. E, aqui, se você associar a frase aspeada a um verso do genial Chico Buarque, é sinal de que está lúcido e antenado.
Assim que aparecem na TV, nossa sala de serve de palco de uma senhora chamada “retórica”, cujo sentido linguístico é o “uso persuasivo da linguagem”. Grandes líderes seduzem multidões porque “valem quanto falam”.
E nós, os eleitores? Verdade seja dita: não somos tão diferentes. Muitas vezes entramos nessa dança. Muitos, inclusive, indiferentes. E também temos os nossos pecados. Gente que ainda vota por sugestão de um parente, submissão, dinheiro. Nessa selva de lobos famintos, ainda há muita presa fácil.
Em sua sabedoria, o povo diz que “tudo o que é bom dura pouco”. Talvez por isso mesmo os trinta e cinco dias do “horário eleitoral gratuito” parecem uma eternidade. As apresentações individuais se misturam com comerciais de supermercado, água sanitária, bombom de alho e, principalmente, as “bets” da vez (bet.promessa, bet.mentira, bet.dedo-duro, bet.não-sei-mais-o-quê). Não quero ser categórico, mas muita gente está “pê-da-vida” com essa novela reprisada a cada dois anos.
De tudo, o pior é que não inovam, não se renovam. O “nós aqui traveis” é o mesmo de dois anos atrás. Sem tirar ou botar. Os programas são iguais (ou piores) aos da campanha anterior. Excetuando-se alguns tubarões, o resto é tudo piabinha. Em vez de defender novas ideias e projetos, o que fazem é, via de regra, “chover no molhado”.
Por fim, acompanhe uma apresentação simulada do palavreado de que falei. Sugiro que ouça direitinho o que os “seis” candidatos de diferentes PARTIDOS têm a dizer:
TERREIRO DEMOCRÁTICO: Boa noite! Sou Babá Corpo Fechado. Sempre ao lado do meu povo, graças a São Sebastião. Mais do que nunca, preciso muito do seu voto;
ACREDITEMOS: E aí, pessoal? Beleza? Aqui é o Jairton Kal Minho. Não votem nesses candidatos do time da vingança. Votem em mim pra gente acabar com eles;
FÉ E ESPERANÇA: A paz do Senhor, irmãos! Sou Tomé Inabalável, nascido e criado na Vila Fé em Deus. Esta é a minha quarta candidatura. Perdi todas, mas nunca perdi a fé;
PALAVRA E AÇÃO: Sou Aurélio José Palavra Fácil. Chega de escolher o menos pior.
Agora é a hora de escolher o mais melhor;
JUSTIÇA SOCIAL: Sou Judas Saindo de Fininho. Dinheiro não faz parte do meu projeto de governo, só do meu projeto de vida.
Falando sério, “queridos amigos”, esta eu ouvi (de uma candidata): “Você pode trocar seu voto por CEM REAIS, mas vai ficar sem saúde, sem emprego, sem água…”.
E, enfim, nosso último candidato, do DIVAGAR DEVAGARINHO. Nervoso, ele fala com voz suave e pausada: “Amados, amadas e amades, muito boa noite! Sou o irmão José João Dimas Fala Mansa da Silva. Que Deus abençoe a todos vocês!”
O pobrezinho falou bem, não lembrou seu número e não teve tempo de dizer “Amém!”. Espero que, na próxima, eleição ele fique mais atento ao relógio.
Afinal, nem sempre há tempo pra tudo na disputa eleitoral.