A manifestação em Copacabana, convocada por Bolsonaro, teve uma participação abaixo do esperado e destacou a falta de apoio à sua agenda de anistia
Boletim Focus – “Sem Anistia.” A frase estampada de maneira incisiva e clara na faixa de um dos prédios em Copacabana, Rio de Janeiro, foi um sinal evidente de que, para muitos, o ato convocado por Jair Bolsonaro (PL) neste domingo (16) não passava de mais um esforço falho para reviver uma pauta desconectada das preocupações do povo brasileiro.
O evento, promovido com o objetivo de angariar apoio para a anistia dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, não apenas deixou claro o distanciamento entre o ex-presidente e as demandas da população, mas também evidenciou a fragilidade de sua atual base política.
O ato convocado por Bolsonaro em Copacabana tinha como centro a defesa da anistia para os envolvidos no golpe de 8 de janeiro, um episódio que ainda reverbera com grande repercussão no país. Porém, ao contrário do que tentaram passar seus organizadores, a anistia não é uma pauta das ruas, não é uma causa que pulsa no dia a dia dos brasileiros. Pelo contrário, é uma demanda que soa como um eco distante, centrada principalmente em uma agenda pessoal e de um pequeno grupo político.
A busca por anistia para os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes é uma bandeira que interessa quase exclusivamente a Bolsonaro e aos seus aliados mais próximos. A questão, em si, não mobiliza a maioria da população, que tem outras preocupações, como a inflação, o desemprego, a segurança pública e a recuperação econômica. Portanto, o foco na anistia, ainda que uma causa importante para o ex-presidente, não parecia ser uma preocupação legítima para a maioria dos manifestantes presentes no evento.
Número de participantes x realidade
Quando o ex-presidente convocou a manifestação, as expectativas eram grandiosas. Bolsonaro, com a mesma retórica inflacionada de sempre, chegou a prever que um milhão de pessoas compareceriam ao evento em Copacabana. Um número altíssimo, mas que não se concretizou de forma alguma. De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), o número de pessoas presentes no ato foi de apenas 18,3 mil, um número que representa pouco mais da metade do público que compareceu a outro evento convocado por Bolsonaro no mesmo local, em abril de 2024, quando o total de participantes foi estimado em 33 mil.
Esse número, embora bem abaixo das expectativas, não foi o único a gerar controvérsias. A Polícia Militar do Rio de Janeiro, em uma nota oficial, divulgou uma estimativa de 400 mil pessoas presentes no evento. No entanto, a corporação não esclareceu se esse número se referia ao total de pessoas presentes ao longo de todo o dia ou ao número simultâneo, o que gerou um debate sobre a veracidade da contagem. Mesmo a PM, com sua estimativa otimista, ficou longe da previsão de Bolsonaro de um milhão de pessoas. Para se ter uma ideia do distanciamento entre as previsões e a realidade, o número estimado pela Polícia Militar representava apenas 40% do que os aliados de Bolsonaro haviam projetado.
A discrepância entre os números também foi observada nas estimativas feitas por outros órgãos. O Instituto Datafolha, por exemplo, estimou que cerca de 30 mil pessoas estiveram presentes no evento. Esse número é bem mais próximo da realidade observada pelos pesquisadores da USP, que utilizaram tecnologia de ponta para calcular a quantidade de pessoas com uma margem de erro de apenas 12%.
A contagem de público foi realizada por um método preciso de monitoramento aéreo. Pesquisadores da USP utilizaram drones equipados com câmeras de alta definição para capturar imagens da manifestação em diferentes horários do dia. Essas imagens foram então analisadas por um software de inteligência artificial, que localizou e contou as cabeças das pessoas na multidão. O sistema Point to Point Network (P2PNet), desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Chequião, na China, foi responsável por realizar a análise e estimar o número de participantes.
Este método, com uma precisão de 72,9% e uma acurácia de 69,5%, garantiu uma contagem precisa, mesmo em áreas densamente povoadas. As imagens aéreas foram tiradas durante quatro momentos do evento — às 10h, 10h40, 11h30 e 12h — e totalizaram 66 fotos analisadas, com seis delas selecionadas para representar o pico do evento. A contagem, portanto, não se baseou em suposições, mas em dados objetivos e verificáveis, algo que contrastou com as especulações feitas por outros envolvidos na organização do ato.
Aliados: apoio ou estratégia?
Embora o ato tenha sido anunciado como um protesto pela anistia, ele se transformou, em boa parte, em um evento de apoio político a Bolsonaro e aos seus aliados. Além do próprio ex-presidente, marcaram presença no evento figuras chave de sua base política, como os governadores Cláudio Castro (Rio de Janeiro), Tarcísio de Freitas (São Paulo), Jorginho Mello (Santa Catarina) e Mauro Mendes (Mato Grosso), além dos senadores Flávio Bolsonaro e Magno Malta, e o pastor Silas Malafaia, que foi um dos coordenadores do evento.
A presença dessas figuras de peso no ato gerou uma série de interpretações. Para muitos analistas políticos, o evento teve um caráter mais eleitoral do que propriamente uma manifestação em favor da anistia. A estratégia de mobilizar lideranças regionais visava, entre outras coisas, garantir que a base de Bolsonaro permanecesse unida, de olho nas eleições de 2026.
Em seu discurso, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, demonstrou confiança no futuro de Bolsonaro, afirmando que tinha “fé” de que o ex-presidente seria candidato à presidência nas próximas eleições. Para Costa Neto, a insatisfação popular com a atual situação econômica do país, especialmente com a alta nos preços dos combustíveis e alimentos, poderia pavimentar o caminho para o retorno de Bolsonaro ao poder.
O futuro político de Bolsonaro
Durante o evento, Bolsonaro fez questão de demonstrar que ainda se via como um símbolo da resistência política. Usando um colete à prova de balas, o ex-presidente fez uma série de declarações com forte apelo emocional e vitimista. Ele criticou a perseguição política que, segundo ele, estava sendo travada contra seus apoiadores e a si mesmo. Para Bolsonaro, os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro eram “inocentes” e não mereciam as penas que haviam recebido.
Em suas palavras, Bolsonaro ainda sugeriu que as autoridades estavam usando os casos de seus apoiadores para justificar uma possível condenação a ele mesmo. “Se é 17 anos para as pessoas humildes, é para justificar 28 anos para mim”, declarou, mais uma vez tentando criar a narrativa de que ele era vítima de um sistema judicial injusto.
O evento também não deixou de ser uma tentativa de reaquecer o capital político de Bolsonaro. Apesar de já ter sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral até 2030, o ex-presidente ainda busca manter uma base fiel que possa ser crucial para os próximos anos. O colunista Fabiano Lana, do Estadão, descreveu a manifestação como o “sepultamento” do ex-presidente, apontando que o evento foi uma tentativa de prolongar sua relevância política. Para Lana, o evento não era apenas sobre anistia, mas sobre um último esforço para manter Bolsonaro relevante nas eleições de 2026.
Embora o público do evento tenha sido pequeno e a pauta central — a anistia — tenha se mostrado alheia aos interesses da maioria da população, a estratégia de Bolsonaro e seus aliados não parecia ter se esgotado. A manifestação, mais uma vez, serviu como um lembrete de que, mesmo em um cenário político de desgaste e com a imagem do ex-presidente em declínio, ele ainda é capaz de movimentar uma parte significativa do cenário político brasileiro.
Ao final, o evento de Copacabana, com suas falas inflamadas e apelos políticos, demonstrou o quanto o ex-presidente ainda luta para recuperar sua influência. Entretanto, o fracasso em mobilizar o número esperado de participantes, a falta de conexão com as demandas reais da população e o foco em uma pauta restrita como a anistia para os envolvidos no 8 de janeiro indicam que o futuro político de Bolsonaro não está tão claro quanto seus aliados gostariam.
O julgamento dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro está próximo, e o ex-presidente, apesar de tentar manter a imagem de vítima e líder da resistência, parece estar cada vez mais distante do apoio popular. O público de Copacabana, portanto, não apenas refletiu o esvaziamento de um evento, mas também o esvaziamento de um líder político que, embora não tenha se rendido, talvez já tenha perdido o brilho nas ruas do Brasil.
Imagem destacada / Jair Bolsonaro reuniu 18,3 mil pessoas em Copacabana em ato pela anistia, segundo USP. Era esperado cerca de 500 mil pessoas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil