O trecho em itálico é parte da obra “A sangue frio”, de Truman Capote, um clássico do jornalismo literário ou new journalism.
No romance de não ficção, o foco é o assassinato da família Clutter por dois rapazes. O crime, de grande repercussão, pelo nível de crueldade, foi objeto de uma primorosa reportagem de Capote.
A narrativa enquadra a chegada dos assassinos ao tribunal da provinciana Holcomb, cidade do Kansas, onde foram julgados e condenados à pena de morte por enforcamento.
Essa passagem faz menção aos gatos da praça, já comentados em outra postagem:
“Enquanto houvera sol, o dia fora seco e quente – o tempo de outubro em janeiro. Mas quando o sol caiu, e as sombras das gigantescas árvores da praça se encontraram e se combinaram, o frio e a escuridão entorpeceram a multidão. Entorpeceram e reduziram: por volta das seis horas, sobravam menos de trezentas pessoas. Jornalistas, amaldiçoando o atraso inesperado, batiam os pés e davam com as mãos nas orelhas geladas. De repente, um murmúrio cresceu do lado sul da praça. Os carros chegavam.
Embora nenhum dos jornalistas antecipasse violência, alguns previram gritos de provocação. Mas quando a multidão deu de cara com os assassinos, escoltados por patrulheiros rodoviários em seus uniformes azuis, ficou silenciosa, como espanada de que tivessem forma humana. Os homens algemados, rostos lívidos e piscando às cegas, sobressaíam ao clarão dos flashes e dos refletores. Os cinegrafistas, perseguindo os prisioneiros e a polícia até dentro do tribunal e por três andares, por fim gravaram a imagem da porta da cadeia ao fechar-se.
Ninguém ficou – nem da imprensa nem da população local. Quartos aconchegados e jantares fumegantes aguardavam-nos e quando todos se afastaram apressados, deixando a praça gélida entregue aos dois gatos, o outono miraculoso também se foi: começava a cair a primeira neve do ano.”