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Carta aberta ao presidente Lula: contribuições para a escolha de Ministro do STF

Companheiro Lula, peço desculpas por dirigir-me a Vossa Excelência deste jeito, informal.

Embora falando de nossos diferentes lugares, eu, de uma universidade periférica (do Nordeste do Brasil), e V. Ex.ª, da presidência da República, entendo que estamos numa mesma conexão de lutas.

Vou repetir o óbvio, mas creio que é preciso dizê-lo, pois há uma enorme crença, alimentada pelos próprios juristas, de que as decisões jurídicas são jurídicas. Já que as decisões jurídicas – inclusive, destaco, aquelas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – são e sempre foram decisões políticas, como V. Ex.ª sentiu na pele na época do julgamento do habeas corpus que o manteve preso ilegalmente em Curitiba, endereço-lhe algumas contribuições para a escolha que se avizinha.

Em primeiro lugar, ouso propor que outros saberes, outros conhecimentos, tidos como “menores” pelos juristas, sejam levados em consideração na indicação do candidato. Além do “notável saber jurídico”, como expresso no artigo 101 da Constituição Federal (CF), que o escolhido tenha igualmente notável conhecimento sobre o Brasil (e que esse não seja enciclopédico, de notas de rodapé ou de “orelha de livro”, como se tem visto na “TV Justiça”). Isso implica ser capaz de lançar um olhar crítico sobre colonialismo, imperialismo, racismo, patriarcalismo, coronelismo, machismo, sexismo, etarismo, fascismo, capitalismo, periferia etc., ou seja, sobre os “ismos” geradores de arbitrariedades, abusos e violências no país.

Mais que isso, esperamos que esse conhecimento tenha sido vivenciado pelo candidato escolhido a partir de experiências concretas nas periferias deste Brasil plural, diverso e complexo. Tal critério, meu caro companheiro, é importante, pois representa uma tentativa de “impedir” que o escolhido, com o seu “notável saber jurídico”, cometa deslizes e/ou utilize o saber para justificar o injustificável, na maioria das vezes, de legalidade duvidosa.

O “notável saber jurídico” para alguns, meu companheiro, pelo que temos visto, tem servido como uma espécie de escudo, que encobre as preferências ideológicas e/ou os interesses ocultos, sempre escusos. Por conseguinte, é fundamental que a posição política do candidato seja conhecida de antemão e considerada na escolha. E que se constate que esse posicionamento político seja franco, honesto e comprometido com o país, sem necessidade de performances.

Proponho também que os saberes produzidos nas lutas dos movimentos sociais do campo e das cidades pelos chamados subalternos sejam conhecidos (na sua conversa com o candidato, meu caro, além de “olhar olho no olho”, de perscrutá-lo, V. Ex.ª precisa questioná-lo sobre os pensamentos de Davi Kopenawa, Ailton Krenak, Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez, Chico Mendes, Manoel da Conceição, Dona Dijé, Dona Maria Nice, dona Querubina, Alessandra Munduruku, Dada Boari e de outros tantos líderes espalhados pelo Brasil).

Que esse notável saber jurídico e essa ilibada reputação estejam vinculados ao compromisso com o Brasil e sua soberania (sistematicamente violada na última década), e que a sensibilidade jurídica sempre esteja ancorada na escuta das diferentes vozes para aplicação da Constituição Federal. Meu caro presidente, peço-lhe que fique atento também aos midiáticos e apadrinhados: enquanto os primeiros jogam para a plateia e os holofotes, os últimos, os apadrinhados, só fazem renovar os ciclos de controle e de dominação.

Já terminando, meu companheiro Lula, na escolha, inspire-se no “sentipensar” dos pescadores afrodescendentes de comunidades ribeirinhas da Colômbia, termo que significa agir com o coração usando a cabeça.Forte abraço, São Luís, tempo das chuvas, março de 2023.

Joaquim Shiraishi Neto

Advogado, professor e pesquisador do PPGCSoc da UFMA

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