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Por que ‘picotavam’ as pedras de cantaria nas calçadas de São Luís?

Ed Wilson Araújo (jornalista e professor da UFMA)

Materiais da arquitetura portuguesa aplicados nas ruas, praças e em parte das edificações do Centro Histórico de São Luís têm referência na vigência da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e do Maranhão, na gestão do Marquês de Pombal, nos fins século XVIII e início do XIX.

Baseada em farta mão de obra escrava, a elite portuguesa concentrava dinheiro e poder. A pujança dos negócios favorecia a adaptação de São Luís a alguns parâmetros da arquitetura de Lisboa. Na época, a capital lusitana estava sendo reconstruída após ser devastada por um terremoto, em 1775.

A elite lusitana, formada por latifundiários e comerciantes instalados em São Luís, adaptava alguns padrões de construção de Lisboa para a capital maranhense. Entre os materiais utilizados na arquitetura estavam as pedras de cantaria, que vinham de Portugal transportadas nos lastros dos navios.

Detalhes das calçadas de São Luís em 2021. Foto: José Reinaldo Martins

No artigo “São Luís: uma urbstranscolonial”(publicado no livro “São Luís 400 anos: (con)tradições de uma cidade histórica”, o pesquisador Josenildo de Jesus Pereira contextualiza o uso das pedras de cantaria nas adequações do espaço urbano de uma cidade marcada pela cultura escravocrata.

Entre as mudanças ocorridas na Província no início e meados do século XIX, Josenildo Pereira aponta: a acentuada presença inglesa; a independência política; o lento processo de interiorização da Metrópole; a abdicação do Imperador; as reformas políticas na Corte do Rio de Janeiro; as lutas sociais no campo, como a Balaiada; as fugas de escravos e os quilombos.

Nas páginas 136 e 137, escreve Josenildo Pereira:

“Dada a maior presença do poder público no cotidiano da cidade, o seu perfil urbano foi sendo modificado por meio de pressões de uma série de posturas. Os passeios públicos em geral passaram a ser calçados com pedras de cantaria vindas de Portugal como lastro dos navios. Essas pedras eram lavradas em blocos retangulares de aproximadamente 80cm de comprimento por 50cm de largura. Com o tempo e o passar contínuo dos transeuntes, ficavam lisas, polidas, escorregadias. Por essa razão foi aprovada a Lei de nº 08, que em seu artigo 220, determinava que:

Os proprietários que tiverem os passeios de suas casas calçadas com pedras de cantaria são obrigados a picá-las de três em três anos, nos meses de dezembro e janeiro sob pena de multa de 20$ reis e de ser feito esse trabalho pela Intendência por conta do Infrator.

Advertimos, entretanto, que todo esse esmero para com a cidade realizava-se, em grande parte, graças ao trabalho de escravos e, também, aos recursos econômicos advindos da agroexportação pautada, sobretudo, na cultura algodão, ao comércio importador e exortador de suas casas comerciais, dinamizadas com a presença inglesa.

Foi nesse meio urbano da cidade de São Luís, particularmente, na área demarcada pelas Praias Grande e do Desterro e Fonte do Ribeirão, lugares onde eram praticadas as atividades financeiras, comerciais, portuárias e onde vivia parte da elite econômica em seus sobrados e casarões, que a escravidão urbana se desenvolve. E, desse modo, os trabalhadores escravos ficaram envolvidos em uma rede de várias atividades: ofícios, comércio e serviços domésticos.”

Fonte de pesquisa

São Luís 400 anos: (con)tradições de uma cidade histórica. Organizadores: Alan Kardec Gomes Pacheco Filho, Helidacy Maria Muniz Corrêa, Josenildo de Jesus Pereira. São Luís: Café & Lápis; Ed. UEMA, 2014. 341p.

Imagem destacada / calçadas na rua Portugal, Centro Histórico de São Luís / capturada aqui

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