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Nem toda friday é assim tão black

Eloy Melonio

(24 de novembro de 2023.)

Sextou! É o grito geral nas redes sociais. E a sexta-feira já conquistou o coração dos brasileiros, seja qual for a sua cor.

Pra início de conversa, já havia percebido uma movimentação diferente quando chegamos ao estacionamento do Shopping do Automóvel, no Calhau. Tive de estacionar o carro longe do espaço que usei o ano inteiro. No pavimento superior, onde fica o supermercado Mateus, uma muvuca de gente confirmou minha suspeita. Alguma coisa especial estava realmente acontecendo.

Suados da nossa atividade física matinal e já dentro do Mateus, eu e minha esposa caminhamos entre pessoas e mercadorias e, por fim, entramos no restaurante onde, ocasionalmente, tomamos o café da manhã.

Nos quatro cantos do supermercado, a música alta animava os vendedores e os caixas para atender à multidão que só aumentava. O mais incrível é que só me dei conta do enredo desse filme quando minha esposa me cutucou e disse: “Tá vendo aí! É a BLACK FRIDAY!”

Depois do café, embriagados pela euforia dos clientes, decidimos comprar os ingredientes do bolo que minha esposa prometera fazer para o niver da mãe de uma amiga. Triste decisão! No meio do engarrafamento, empurrando o último carrinho que sobrou pra mim, vi que a Jerônimo de Albuquerque era “fichinha” perto da movimentação que estávamos enfrentando. Sem guarda e sem sinalização, e no meio de muita gente agitada, pensei: “Seja o que Deus quiser!” Sim, foi o que me veio à mente naquele momento por causa da música gospel nas alturas. E mais: gente e mais gente, carrinhos largados ou atravessados no meio do caminho. E essa era a realidade de uma manhã black, numa sexta-feira clara, com um sol de rachar lá fora.

Como eram poucos os itens que íamos comprar e estavam quase num mesmo setor, logo demos por finalizada a nossa eventual participação nesse “épico das compras”. Pobres iludidos! Começava aí a nossa via crucis. A fila do caixa preferencial não era convidativa. Muito menos as outras. Dois clientes com carrinhos abarrotados pareciam não ter pressa nenhuma. Resultado: se aqui estamos, aqui ficamos. A confusão era, de certo modo, suportada e compartilhada. Percebi que era mais tranquila do que a arquibancada dos argentinos no jogo da terça-feira passada, no Maracanã.

Em Roma, decidimos curtir os romanos que empurravam seus carrinhos, discutiam para saber de quem era a preferência em alguns cruzamentos e não davam folga aos olhos e às mãos. Incansaveis, pegavam um produto atrás do outro.

Quanto a nós, ainda com o espírito sonolento da quinta-feira, sentíamo-nos “deslocados” com uns oito ou dez produtos no fundo do carrinho. Era como estar de jeans e camisa polo num casamento de alto padrão social.

Algumas cenas são dignas de um “vale a pena ver de novo”. Um grupo de três senhoras conduzia dois carrinhos já quase totalmente entupidos e — acredite se quiser — confabulava diante das gôndolas como se estivessem num bar. Um senhor juntou dois carrinhos com uma amarração feita com sacos plásticos e os puxava sem cerimônia. Lembrei-me das carretas transportando soja de Balsas-MA para o Porto do Itaqui.

De todas, esta é antológica e faço questão de explicar. Um amigo me contou como John Lennon, jovem e ainda desconhecido, — para chamar a atenção do público e de um caçador de talentos que estava no Cavern Club, um pub da moda em Liverpool — foi ao banheiro. Quando voltou, exibindo no pescoço a tampa do vaso sanitário, pegou sua guitarra e revelou todo o seu talento, deixando o público extasiado. No supermercado, uma senhora alta e forte fez algo parecido com dois pacotes de papel higiênico que não cabiam no seu carrinho, cada um com doze rolos. Imagine o que fiz para conter o riso e exaltar a maior estrela dos Beatles?! Cantei o versinho “it’s easy if you try”.

Deixo aqui uma constatação e faço uma promessa. Essa foi a minha primeira experiência com a tal BLACK FRIDAY. No próximo ano, espero estar mais preparado para viver tamanha emoção — a exemplo do que vi com os meus próprios olhos — em toda a sua intensidade. Já pensou se a BLACK FRIDAY cai numa sexta-feira 13?

Ainda bem que amanhã é SAMBA SATURDAY na Tendinha de Iaiá, na Litorânea.

# Eloy Melonio é escritor, poeta, letrista e produtor cultural.

3 respostas em “Nem toda friday é assim tão black”

Um texto reflexivo que nos leva a refletir sobre a manipulação dos meios de comunicação para a comercialização de produtos …gostei! Ainda bem…kkkkk…que nessas “Black Fraudes” eu nem gosto de participar! Abraços!

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