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Sair disso… JÁ!

Flávio Reis

Texto original publicado no site da Editora Passagens

Bolsonaro chegou à Presidência da República num contexto muito particular. Militar reformado por indisciplina, tornou-se vereador e logo deputado por longos anos no Congresso Nacional. Uma figura politicamente irrelevante, que aparecia aqui e ali pelo comportamento agressivo, as falas disparatadas, um prato feito para programas considerados politicamente incorretos, que carnavalizavam o grotesco. E foi construindo sua carreira política assim, entre “rachadinhas”, condecorações a milicianos, alinhamento com o Centrão, defesa dos interesses corporativos de militares e policiais, elogio da ditadura e da tortura. Uma excrescência política, que, no entanto, expressava ruidosamente preconceitos e posições reacionárias existentes de forma mais ou menos dispersa em setores da sociedade brasileira.

A conjuntura estava marcada pela Lava Jato, pela prisão de Lula e uma indignação avolumada na grande mídia, além do cortejo infindável de deturpações e mentiras espalhadas pelas redes sociais. A receita perfeita para os lobos aparecerem travestidos de salvadores da pátria. Assim como aconteceu na eleição de Collor, a lorota deu certo e o velho militar arruaceiro, deputado improdutivo, foi alçado à posição mais alta do país. Muitos apostaram na boçalidade como via de resolução. Uma saída que não é incomum em tempos de crise política e social. Em outras partes do mundo ocorria o mesmo.

Como era de se esperar, o resultado foi um desastre ainda maior que o de Collor. Sem nenhuma visão, seja das questões estratégicas ou dos problemas emergenciais, Bolsonaro montou um time voltado para a destruição dos alicerces da Constituição de 88. Muito barulho, promessas ocas e grosserias a granel, enquanto áreas importantes do governo iam se desmantelando, notadamente os setores da educação, saúde e seguridade social, meio ambiente e cultura. Um misto de intenção e incompetência. Assim, entramos numa fase de desarranjo institucional, com atritos constantes entre os poderes, mensagens e ameaças golpistas recorrentes a partir do Executivo, desmantelamento de organismos de fiscalização, destruição ambiental, isolamento internacional do Brasil, sucateamento das universidades públicas e de seus programas de pós-graduação, ataques à cultura brasileira, posturas recorrentes de desprezo e violência em relação a mulheres e várias minorias e uma utilização da religião a partir do conluio com pastores devotados à manipulação de seus rebanhos.

Tudo sedimentado numa forma abertamente patrimonialista de exercício do poder, em grau desconhecido até nos padrões brasileiros. O poder é exercido pela “família Bolsonaro”, em inevitável proximidade com os códigos mafiosos ou milicianos. Os filhos igualmente abraçaram a carreira política, sendo Carlos, o vereador do Rio, o responsável pela estratégia de comunicação em redes sociais, que funcionou como alavanca poderosa da candidatura e marcou a forma de comunicação de Bolsonaro com sua base ideológica. Configurou uma “corrente de opinião” manipulada no próprio fluxo das redes, através de dados e máquinas. Seu núcleo ganhou a denominação de “gabinete do ódio”. O vereador desfilou no próprio carro presidencial no dia da posse, possui sala no Palácio do Alvorada, já frequentou reuniões ministeriais e integrou comitivas presidenciais em viagens. Na maior cara dura.

O governo de Bolsonaro não tem outro legado a não ser o da destruição. E seu maior signo foi o negacionismo, estampado no auge da pandemia da Covid-19, quando se colocou na contramão do resto do mundo e, irmanado ao seu ídolo Trump, trabalhou contra as restrições defendidas pelos organismos internacionais, falou e atuou contra vacinas e minimizou os sofrimentos do povo, dizendo que não passavam de “mi-mi-mi”. Fez uma intervenção branca no Ministério da Saúde, mantendo no comando um general trapalhão que não tinha nada a ver com medicina e saúde pública, durante a maior emergência sanitária vivenciada pelo mundo em um século. Será lembrado como um presidente genocida, alguém que provocou e estimulou a morte. A imagem já se cristalizou no mundo.

Diante desse quadro, as eleições de 2 de outubro ganham um tom de emergência nacional. Não constitui novidade que a nossa chamada transição democrática foi a mais negociada e conservadora no contexto dos países da América do Sul. O exército manteve uma série de prerrogativas, sobretudo na redação truncada do artigo 142, onde as Forças Armadas “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Interpretações controversas à parte, numa democracia são os poderes constitucionais que garantem o funcionamento das Forças Armadas e não o inverso.

Na história da nossa democracia, no entanto, sabemos do papel do general Leônidas Pires Gonçalves “garantindo” a posse de Sarney, no nascedouro do novo regime, assim como o famoso tuite do general Villas Bôas em abril de 2018, na véspera do julgamento no STF de um habeas corpus pedido pela defesa de Lula contra a prisão com condenação em segunda instância, pressionando os integrantes do Tribunal e cujo resultado seria decisivo para barrar sua candidatura à Presidência. Em suma, o exército esteve longe de se manter fora dos embates políticos em momentos de crise mais aguda. Ainda assim, não era mais o centro de conspirações e preocupações política, que foi durante a chamada República Populista ou Segunda República, entre 1946 e 1964.

Não era, até Bolsonaro aparecer como ponto de junção para saudosos dos tempos de violência e arbítrio da ditadura, dentro e fora dos quartéis. Seu governo desastroso terminou não conseguindo unir os generais em torno das intenções golpistas, mas levou uma parte. Encheu a administração federal de militares, uma forma de reforçar os contracheques, e privilegiou o Ministério da Defesa, cercando de mimos os companheiros de farda.

Neste quadro de devastação institucional, social, cultural, educacional, ambiental e mais, não há dúvida de que as forças contrárias devem se unir com determinação. A sociedade brasileira, em sua pujante diversidade cultural e com os desafios históricos de amadurecimento institucional e combate às gritantes desigualdades sociais, tem forças para recusar esse destino nefasto de violência, intolerância e burrice, isso mesmo, burrice, que caracteriza esta triste quadra da nossa história.

Guardo diferenças com o PT e seus anos na Presidência, mas tenho olhos também para as modificações positivas que inscreveram em nossa trajetória, mudando a forma como o Estado se coloca para aqueles que o saudoso Florestan Fernandes chamava de “os de baixo”. O Brasil precisa se reencontrar com seus sonhos e anseios, encontrar os caminhos em meio às divergências e diferenças e recusar resolutamente esse caminho falso, e até caricato, que é o bolsonarismo, com seu estilo fascistóide. Neste ponto, não há vacilação possível. A derrota inequívoca de Bolsonaro e de seus asseclas, que viraram todos candidatos, com suas mensagens de ódio e comportamentos violentos, é o único caminho a quem acredita que o convívio na diferença é possível e que política é dissenção, mas não aniquilamento dos adversários. Contra a intolerância do pensamento uniforme, a força da diversidade.

Este é o pano de fundo das eleições do dia 2 de outubro. Não é uma eleição normal, que comporte a lógica do segundo turno de maneira corriqueira.  Desgastado interna e externamente, cada vez mais isolado, restou a Bolsonaro o caminho que sempre trilhou, que é o de apostar no tumulto e na confusão. Com grupos privados armados e insuflados e policiais agindo de maneira quase descontrolada, é o arco mais amplo de uma vitória de Lula no primeiro turno que pode deter a escalada da barbárie que o bolsonarismo expressa.

Uma resposta em “Sair disso… JÁ!”

quem dá a última ordem na colônia?

quem manda em lula e bolsonaro
são os inconvertíveis capêtalistas
e em seus divididos representados
farsa e tragédia como democracia
a “capitã” do mercado e do estado
prove-me que o digo é uma mentira
que dou outro nome ao de escravo!

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