Fonte: Site da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH)
Entenda a necessidade da homologação do acordo que barra qualquer licenciamento ambiental sem passar por consulta entre povos e comunidades tradicionais no Maranhão
Encerra no dia 10 de maio de 2022 (terça-feira) o prazo para que o Governador Carlos Brandão (PSB) homologue o acordo realizado entre o Estado do Maranhão, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema) e a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA) sobre o direito humano à consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais diante dos licenciamentos ambientais concedidos a empreendimentos e empresariais que possam afetar seus bens ou direitos.
O acordo foi firmado em audiência realizada no dia 23 de março de 2022, nos autos do processo n° 0856157-69.2021.8.10.0001, que tramita perante a Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca de São Luís/MA, por representantes do Estado e das entidades demandantes. Para ser homologado, no entanto, o acordo depende de autorização escrita do Governador Carlos Brandão (PSB), que é o atual chefe do Executivo Estadual no Maranhão.
O que é o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais e onde ele está previsto?
O direito à consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais antes de serem tomadas quaisquer decisões que possam afetar seus bens ou direitos é um direito humano reconhecido internacionalmente pelo art. 6° da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi assinada pelo governo brasileiro e está em vigor no Brasil desde o dia 25 de julho de 2003.
A Convenção atualmente está consolidada no Decreto Federal nº 10.088, de 2019, e tem força constitucional atribuída pelo art. 5°, § 2°, da Constituição da República.
Na prática, qualquer decisão que seja tomada pelo governo sobre os territórios tradicionais, inclusive sobre a permissão para que empresas desmatem áreas que afetem esses territórios, só podem ser feitas depois de ouvir os povos e comunidades que ali vivem.
Ser consultado de forma livre e esclarecida, e antes da tomada de qualquer decisão governamental sobre seus territórios, é verdadeiramente um direito fundamental dos povos e comunidades tradicionais, mas que não vinha sendo respeitado no Maranhão, que continua concedendo licenças ambientais para empreendimentos empresariais que causam grandes danos ambientais e humanos a esses povos e comunidades, sem que ao menos sejam ouvidos.
Quem são os povos e comunidades tradicionais?
De acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, (PCT) são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, e que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
São exemplos desses povos e comunidades os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos, entre outros.
Para esses povos e comunidades, a preservação do meio ambiente é condição indispensável para o seu bem viver. Os empreendimentos poluidores e o desmatamento que estes causam em seus territórios interferem, portanto, diretamente na sua qualidade de vida e na cultura ancestral que cultivam, o que tem sido motivo de grande violência no campo, motivados pelo avanço do agronegócio e da grilagem nos territórios tradicionais.
Ainda, os empreendimentos poluidores que se instalam nos territórios tradicionais, sem que as comunidades que ali sempre viveram sejam consultadas, são a principal fonte de desmatamento dos biomas maranhenses. Só a Amazônia, por exemplo, já teve quase 80% (oitenta por cento) da sua área destruída no Maranhão, nos últimos 70 (setenta) anos, segundo pesquisadores do MapBiomas.
Do que se trata o processo iniciado pela SMDH, Fetaema e Defensoria Pública Estadual?
Apesar de várias normas estaduais disciplinarem a consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais antes da concessão de licenças ambientais para empreendimentos que possam impactar os territórios tradicionais maranhenses, como a Portaria n° 76, de 2019, da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão (Sema), o Código de Proteção ao Meio Ambiente do Estado do Maranhão, e o Decreto Estadual n° 36.889, de 2021, essas normas não estavam sendo colocadas em prática pelo Estado do Maranhão.
Por conta disso, a SMDH, a Fetaema e a Defensoria Pública Estadual ajuizaram a Ação n° 0856157-69.2021.8.10.0001, perante a Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca de São Luís, pedindo que esse direito dos povos e comunidades tradicionais fosse respeitado pelo governo do Maranhão e que as licenças ambientais que até então haviam sido expedidas pela Sema para desmatamento em áreas que afetam o bem-estar das comunidades tradicionais sem que lhe ouvissem fossem suspensas.
Inicialmente, no dia 10 de dezembro de 2021, o juiz titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos concedeu o pedido liminar, suspendendo todas as licenças ambientais que não tenham sido precedidas de consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais, como determina a Convenção n° 169 da OIT, e abrindo prazo de 30 (trinta) dias para que a Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) e a Sema identificassem quais as comunidades tradicionais localizadas no Estado do Maranhão e quais destas estavam em situação de conflito pelo desmatamento em seus territórios.
Por conta da liminar, inclusive, o Estado criou o Cadastro Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais (CECT), pela Portaria n° 02, de 5 de janeiro de 2022, da Sedihpop, para identificar as comunidades tradicionais afetadas pela concessão de licenças ambientais sem a sua consulta.
Com o avanço do processo judicial, houve então acordo entre as partes no dia 23 de março de 2022, que contou também com a presença do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e da Diocese de Brejo, que atual como amicus curiae, responsáveis por apresentar dados sobre o tema em julgamento.
Quais são os termos do acordo?
O Estado do Maranhão se comprometeu a cumprir com 9 (nove) obrigações. São elas:
(i) Os licenciamentos ambientais promovidos pela SEMA dependerão de prévia consulta à SEDIHPOP acerca da existência de povos e comunidades tradicionais na área de influência do empreendimento potencialmente poluidor;
(ii) O Estado do Maranhão, através da SEDIHPOP, centralizará e atualizará continuamente o Cadastro Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais para fins de articulação de políticas públicas e realização da consulta livre, prévia e informada, como manda a Convenção n° 169 da OIT;
(iii) O Cadastro será permanentemente atualizado tanto pela própria SEDIHPOP quanto por requerimento das comunidades ou de entidades públicas ou privadas interessadas;
(iv) O cadastro deverá contemplar a geolocalização tão precisa quanto possível das áreas ocupadas pelas comunidades que compõem o Cadastro;
(v) A consulta à SEDIHPOP não exclui a possibilidade de que, durante o processo de licenciamento ambiental, eventuais comunidades existentes na área de influência do empreendimento poluidor possam manifestar a sua existência e requerer sua inclusão no cadastro, bem como outros eventuais direitos decorrentes da consulta prévia;
(vi) O Cadastro será público e suas informações estarão disponíveis na internet;
(vii) O Estado do Maranhão reconhecerá as normas comunitárias existentes como normas jurídicas válidas à realização do direito à consulta prévia, livre e informada, nos termos da lei brasileira, inclusive no processo de licenciamento ambiental;
(viii) Os procedimentos de consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais e suas organizações representativas deverão ser comunicadas e informadas sobre os detalhes das medidas a serem implementadas com linguagem acessível de acordo com as suas especificidades;
(ix) E o Estado se compromete a institucionalizar o direito de consulta prévia, livre e informada em todas as suas ações administrativas e legais que afetem a vida dos povos e comunidades tradicionais.
O que falta para o acordo começar a valer?
O Estado pediu prazo de 30 (trinta) dias para que apresentasse um plano de cumprimento dessas obrigações.
Além disso, e o mais importante, para que o acordo seja de fato homologado, o Governador Carlos Brandão (PSB) precisa autorizar o acordo firmado por seus secretários e advogados, até o prazo do dia 10 de maio de 2022.
Por isso, uma coisa precisa ser feita: Governador, homologue o acordo!
Imagem destacada / divulgação / Avião pulveriza veneno em cultivo de agronegócio