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De tudo, muito.

Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

Dizem que o verbo “dizer” joga nas duas pontas: ora é falar; ora, escrever.

É isso e muito mais: dar uma opinião, passar uma informação, exprimir um sentimento. E, nesse jogo lexical, cada um diz o que vem à mente ou ao coração. Sem se esquecer de que é a “palavra” que joga em todas as posições, inclusive no banco de reservas.

Se falei “dizer”, não é demais ouvir a voz da sabedoria. Aristóteles dizia que “o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz”. Na filosofia popular, a gente se vira mesmo é com “tudo que é bom dura pouco” ou “tudo o que é demais sobra”.

Esses conceitos parecem coisa do passado. Não dizem mais a mesma coisa nestes novos tempos. E desconfio que o “bom senso” já não está com essa bola toda. Acho até que a teoria do “equilíbrio” não se sustenta mais. Ou você ataca (e se defende) pela direita ou pela esquerda. No meio do discurso, pode haver pedras.

E, por falar nisso, será que ainda existe esse negócio de “bom senso”?

Ao que tudo indica, é essa falta de equilíbrio o grande problema da sociedade. Por causa dele, muita gente cai do cavalo. Parece que está tudo fora do prumo. O velho “normal” já era, e grande lance agora é o novo. Não se diz e não se faz mais um monte de coisas como antigamente.

Viver esse novo tempo não é tarefa fácil. O excesso de alegria é chato. A revelação de inteligência pedantismo. Opiniões, sugestões, lições… quem as pediu?

Apesar de tudo, ainda há gente interessada no velho bom senso. Não dá pra levar a sério o que se vê, se ouve ou se fala nas redes sociais nem nas mídias tradicionais. Alguém acredita que o papa chamou os brasileiros de “cachaceiros”? Teria alguém coragem de dizer que os sintomas da Covid-19 não passam de “uma gripezinha”?

Muita gente reclama desse novo palco, com seus figurinos e falas. Toquinho, o parceiraço de Vinicius de Moraes, revela num vídeo sentir-se um estranho no ninho. Saudosista, relembra a infância e a adolescência marcadas pela pureza e ingenuidade. Em sua “Aquarela”, já parecia antever as cores desse novo mundo: “Nessa aquarela, não nos cabe/ Conhecer ou ver o que virá/ O fim dela, ninguém sabe/ Bem ao certo onde vai dar”; “Vamos todos/ Numa linda passarela/ De uma aquarela que, um dia, enfim/ Descolorirá”.

Como diz o outro, a nudez feminina é uma dessas poucas coisas positivas. Antigamente, corríamos às bancas para “comprar” a PLAYBOY do mês, que trazia uma famosa na capa: Luma de Oliveira, Xuxa, Adriane Galisteu. Hoje, anônimas desfilam nuas a um click no smartphone, sem nenhum custo. O que tem de gente rebolando, mostrando o bumbum, “não está escrito (nem dito)”. Gente que a gente conhece do barzinho, do shopping, das redes sociais. Amigos trocam vídeos e fotos com incrível naturalidade. Nesse novo tempo (com o perdão de Nelson Rodrigues), “toda nudez será prestigiada”.

Entre o velho e o novo, o mundo gira, e a vida segue. No campo das Letras, a choradeira é geral. “Tá tudo muito diferente”, diria Machado de Assis, caso se deparasse com Fernanda Montenegro e Gilberto Gil ao descer, numa quinta-feira qualquer, para o chá das cinco na sede da ABL. Letras, em seu sentido estrito, apenas na sigla ABL. Num contra-ataque, acho que os escritores podem facilmente entrar para a Academia dos Astrólogos ou dos Alquimistas.

Esse novo cenário é um turbilhão de “fake news”, retórica vazia, “haters”, insultos, agressões. Uma realidade na qual o eufemismo é uma figura de linguagem arcaica nos embates políticos, seja entre eles ou entre nós. Em nome da assertividade, jogam-se no lixo a ética, o respeito, os bons costumes e ─ acredite ─ o velho e cansado bom senso.

Bruninho, torcedor-mirim do Santos F.C., sentiu na pele essa pressão ao ser hostilizado por torcedores marmanjos do seu próprio time, no fim do jogo Santos x Palmeiras (7-11- 2021). Seu erro: pediu a camisa do goleiro do time adversário, de quem é fã. Situação assim faz-me lembrar da pergunta (que já calou) de Galvão Bueno: Pode isso, Arnaldo?

Hoje, todo mundo pode tudo. Tudo é de todos, e todos só é realmente todos se ─ em alguns casos ─ trocarmos a vogal da última sílaba da palavra por outra letra ou sinal.

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