Fonte: Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)
O Prêmio Nobel da Paz de 2021 foi entregue a dois jornalistas – a filipina Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov – por seu trabalho em defesa da liberdade de expressão. “Eles representam todos os jornalistas que defendem esse ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, diz o comunicado oficial do comitê norueguês do Nobel.
É a primeira vez desde 1935 que jornalistas recebem a honraria. Naquele ano o alemão Carl von Ossietzky foi premiado por ter revelado o programa secreto de rearmamento de seu país no pós-guerra. “A concessão do Nobel da Paz a Maria Ressa e Dmitry Muratov, além de coroar o trabalho corajoso de ambos em prol dos direitos humanos, é um reconhecimento a todas e todos os jornalistas ao redor do mundo que diariamente enfrentam agressões, ameaças, perseguições judiciais e outros desafios para levar aos cidadãos de seus países informação de qualidade”, disse o presidente da Abraji, Marcelo Träsel.
Maria Ressa, de 58 anos, é CEO do Rappler, um site independente de jornalismo investigativo nas Filipinas. Ela se tornou alvo do presidente Rodrigo Duterte ao denunciar os abusos da guerra às drogas promovida pelo governo que provocou a morte de mais de 12 mil pessoas, muitas delas sem relação com o tráfico. Em 2019, foi presa acusada de violar uma lei contra “difamação cibernética” por ter publicado uma reportagem em que acusava um empresário filipino de atividades ilegais.
Em 2018, Ressa foi capa da revista Time, ao lado de outros três jornalistas: o saudita Jamal Kashoggi, assassinado em outubro daquele ano no consulado da Arábia Saudita em Istambul (Turquia); os birmaneses Wa Lone e Kyaw Soe, da agência de notícias Reuters, presos em Mianmar; e a redação do jornal norte-americano Capital Gazette, que teve cinco profissionais mortos em um atentado, em junho de 2018.
Reconhecida por sua luta global contra a desinformação, Ressa mal pôde acreditar quando recebeu o telefonema de Olav Njølstad, secretário do comitê do Nobel. “Meu Deus! Estou sem palavras! Muito obrigada”, afirmou. Em entrevista ao Rappler, ela disse que os jornalistas lutam pelos fatos, mas que, quando esses fatos se tornam objeto de debate e o maior distribuidor de notícias do mundo espalha mentiras ligadas ao ódio e ajuda a difundi-las mais rápido e de forma mais ampla do que os fatos, o jornalismo se torna ativismo. “Foi o que fizemos no Rappler”, afirmou.
“Creio que o comitê do Nobel se deu conta de que um mundo sem fatos é um mundo sem verdade, sem confiança. É um choque que uma jornalista das Filipinas e um da Rússia tenham recebido o Nobel da Paz. Isso diz muito sobre o estado do mundo hoje”, completou.
Já o russo Dmitry Muratov, de 59 anos, é cofundador e editor-chefe do Novaya Gazeta, um dos principais jornais de oposição ao governo de Vladimir Putin. É o veículo mais independente da Rússia atualmente, segundo o comitê norueguês.
“Desde seu início, em 1993, a Novaya Gazeta publicou artigos críticos sobre temas que vão de corrupção, violência policial, prisões ilegais, fraude eleitoral e “fábricas de trolls” até o uso de forças militares russas dentro e fora da Rússia”, escreveu o comitê em seu comunicado. “Seus opositores responderam com assédio, ameaças, violência e assassinato. Desde o início do jornal, seis de seus jornalistas foram mortos, incluindo Anna Politkovskaja, que escreveu artigos reveladores sobre a guerra na Chechênia”.
Não à toa, Muratov dedicou o prêmio aos colegas mortos. “Não posso levar o crédito. Esse prêmio é da Novaya Gazeta, é dos que morreram defendendo o direito das pessoas à liberdade de expressão”, disse à agência russa Tass.
Para a Abraji, as liberdades de expressão e de imprensa são direitos humanos fundamentais que vêm sendo desrespeitados com frequência alarmante nos últimos anos. “Ressa e Muratov simbolizam a luta cotidiana de repórteres da Nicarágua, da Polônia, do Uzbequistão, da China, da Colômbia e, infelizmente, também do Brasil, para defender as liberdades de imprensa e de expressão”, afirmou o presidente Marcelo Träsel. “Esperamos que este Nobel da Paz ajude a conscientizar governos e cidadãos sobre a necessidade de uma imprensa livre para o progresso da humanidade”.
O ex-presidente da Abraji e atual conselheiro Daniel Bramatti relembra quando conheceu Maria Ressa em um evento nos Estados Unidos, pouco depois da vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. “Ela disse: ‘Preparem-se’, pois percebia as óbvias semelhanças entre o brasileiro e o presidente de seu país”, recordou Bramatti, acrescentando que a avalanche de processos impediu que Ressa viesse ao Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji em 2019 para participar do painel “A imprensa na mira de governos autoritários”, juntamente com jornalistas da Venezuela e da Polônia.
Repercussão no Brasil e no mundo
A premiação de Ressa e Muratov foi celebrada por organizações que lutam pelas liberdades de expressão e de imprensa.
“Felicitamos os dois premiados que encarnam a luta em defesa da independência do jornalismo”, declarou Christophe Deloitte, secretário geral da Repórteres Sem Fronteiras. “Esse prêmio é uma homenagem extraordinária ao jornalismo e um chamado à mobilização em sua defesa numa década decisiva. É uma mensagem potente no momento em que as democracias estão fragilizadas pela proliferação de informações falsas e conteúdos de ódio.”
Já o diretor executivo do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Joel Simon, Muratov e Ressa personificam os valores da liberdade de imprensa e a razão de sua importância. “São jornalistas ameaçados que desafiam a censura e a repressão para dar notícias, e têm inspirado outros a fazer o mesmo. Esse prêmio é um poderoso reconhecimento de seu trabalho incansável e dos jornalistas de todo o mundo. A luta deles é a nossa luta”.
Para Maria José Braga, presidente da Fenaj, essa é uma conquista que deve ser celebrada por todos os jornalistas do mundo. “É o reconhecimento da importância do jornalismo para a constituição da cidadania e para a garantia da democracia, como forma de organização política que busca a resolução de conflitos por meio do diálogo e que, portanto, busca a paz. E é o reconhecimento do jornalista como profissional do jornalismo e do papel social de ambos, em um momento importante da história, quando informações falsas e/ou fraudulentas circulam massivamente provocando retrocessos civilizatórios”, afirmou.
O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Paulo Jeronimo, disse ser muito reconfortante para a ABI, que há 113 anos está na trincheira pela liberdade de imprensa, a notícia de o Nobel ter ido para dois jornalistas, pois valoriza a liberdade de imprensa, um dos pilares da democracia.
Foto destacada: ilustração de Niklas Elmehead mostra Maria Ressa e Dmitry Muratov. Reprodução/Prêmio Nobel