Jean Nunes
Professor de Direito Constitucional da UEMA
Esta semana estive num shopping da capital e me impressionei com a quantidade de lojas que vestiram seus manequins de verde e amarelo. Aguçou-me a também a curiosidade a tristeza que todos eles exibiam. Já tinha visto algo semelhante quando a seleção brasileira apresentou, no distante século passado, um futebol arte – bons tempos aqueles! – e se aproximou da sua terceira final consecutiva de copa do mundo. Ao que tudo indica, porém, o esforço de hoje tem relação com o 7 de Setembro e a onda de “patriotismo” que ganhou força desde a campanha eleitoral que colocou a extrema direita numa das esquinas da Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Claro, mal algum há em se exibir o amor pelo próprio país, por sua história, pelo seu povo. Tenho sustentado inclusive que falta, à formação da sociedade brasileira, um sentimento de vivência comunitária, de corresponsabilidade. O que tem provocado e conduzido a recente onda verde-e-amarelo, porém, é um esforço articulado e doloso de combate à democracia, tendo como estratégia o ataque às instituições – especialmente, as independentes como o STF – e como justificativa útil o discurso, já desgastado e anacrônico, de combate à corrupção, de submissão a Deus e de proteção aos sagrados valores da família brasileira.
Bem articulada, a tática encontra terreno fácil para a sua propagação, ainda mais num contexto no qual as mentiras são compartilhadas à velocidade da luz. Quem não possui alguma insatisfação com as decisões do STF? Quem ousaria colocar-se contra o combate à corrupção e a proteção de Deus? Quem se levantaria contra a família, núcleo básico da vida social?
Na matriz desse esforço, porém, está uma escalada autoritária e extremista que desrespeita os limites e as balizas que compõem o arranjo democrático construído, ressalto, a duras penas, no processo histórico, longo e doloroso, que resultou no fim da ditadura militar. Embora não vislumbre qualquer possibilidade de êxito no levante que se ensaia, a tragédia por ele provocada está consolidada.
Por um lado, as questões centrais do país são silenciadas. Enquanto a inflação galopa, o desemprego viraliza, a pandemia subtrai 600 mil vidas, a desigualdade (re)insere nos livros de geografia o conceito de extrema pobreza, desperdiçamos um tempo precioso com querelas absolutamente estapafúrdias, como a do voto impresso e a deposição, à força, de ministros do STF.
Por outro lado, o golpismo gera fraturas institucionais irreversíveis. Ameaçar a democracia tornou-se possível, comum até. Desde a Constituição de 1988, respeitá-la não era uma opção. Hoje, basta colocar uns tanques enferrujados no asfalto e esbravejar uma “metáfora” futebolística para colocá-la fora do jogo. Isso, evidentemente, traz riscos inimagináveis, inclusive contra os que encorpam o caldo grosso do discurso golpista.
Melhor seria se as pessoas fossem às ruas, quando e se a pandemia permitir, para expressar o que P. L. Verdu chama de sentimento constitucional. E, neste aspecto, temos muito do que nos orgulhar. A nossa é uma constituição que conhece o Brasil. Ela sabe do nosso histórico de autoritarismo, de violência e segregação. Por isso, vedou a censura e o anonimato. Não tergiversou no combate à corrupção. Deu independência ao Ministério Público, colocou nas mãos de cada cidadão a ação popular para fiscalizar a aplicação do dinheiro público. Assegurou todas as expressões religiosas e o direito de cada um a não ter religião alguma. Protegeu também as famílias. Todas elas. Não apenas a cristã heterogâmica.
Talvez aí resida a tristeza do coitado do manequim.