Eloy Melonio
“Cadê a máscara?” Cansei de ouvir esse grito sempre que me preparava para ir à farmácia ou à padaria. Voltava correndo para reparar o descaso. Nem tanto pela obediência, mas para não contrariar minha mulher.
Quem diria! De repente “estamos todos de máscara”!
E ai de quem não usá-la. Primeiro porque, neste momento, seu uso é obrigatório (equipamento de proteção individual – EPI). Segundo, ― e aí entra o bom senso ― as pessoas podem pensar que você é um louco ou um tremendo irresponsável.
Foi isso o que me fez levar as máscaras mais a sério. Não apenas por causa da minha mulher, nem das pessoas, mas para me ajustar a essa nova realidade. E, por falar em todos, lembrei a famigerada frase de Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. Só que nessa questão, acho que o Nelson não tem lá muita razão.
Em seguida, recorri ao Google. E de tanto querer saber, vi e aprendi muita coisa interessante. Não apenas sobre o artefato usado para cobrir o rosto, mas sobre nós mesmos, presunçosos descendentes do Homo Sapiens. E descobri que elas já estão por aqui desde os primórdios da humanidade. Em rituais religiosos, festas, no teatro… e até prestando serviço a grupos clandestinos! Mas como proteção contra vírus, é coisa recente.
Quando se fala em máscara ― e é só do que se fala ultimamente ― o que vem à sua cabeça? Os bailes do carnaval do Rio de Janeiro? Os super-heróis dos quadrinhos e do cinema? As festas de Halloween? Ou as máscaras dos apicultores e dos lutadores de esgrima?
Da minha adolescência recordo-me do Zorro, do Cavaleiro Negro, e dos bandidos que assaltavam bancos no velho oeste americano.
Sem nenhum recato, o verbete “máscara” exibe-se nas tramas dos romances, nos versos dos poemas e ― pasme! ― até no noticiário de cada dia, especialmente o do mundo político. De tão descaradas, as máscaras não se escondem de ninguém. As pessoas é que se escondem (ou se protegem) por detrás delas.
As da moda não servem exatamente à moda, mas às medidas preventivas dos órgãos de saúde por causa do novo Coronavírus. Nessa agitação toda, nunca tinha visto tanta divulgação dessas máscaras de tecido. Os modelos são os mais atraentes e esquisitos ― alguns, dignos de uma boa risada. Tem de tudo nas redes sociais. Uns fazendo e vendendo máscaras, outros exibindo máscaras impagáveis, e ― acredite ― gente se negando a usá-las.
Quando uma “autoridade” ou pessoa comum aparece na tevê, inevitavelmente a gente presta mais atenção às máscaras, depois ao que ele ou ela está dizendo.
Em sua função metafórica, “disfarçam ou camuflam” quase tudo o que se pode imaginar: ações, ideias, atitudes, intenções. Na linguagem popular, dão uma lição de moral: “Em gente falsa, até o olhar é mascarado”. Dizem até que, se um dia as máscaras caírem, ― juntando aí metáfora e sabedoria popular ― sobraria pouca gente nas superlotadas arenas políticas de Brasília.
A máscara não esconde tudo. Um bom exemplo é a expressão “eu te conheço, carnaval!”, típica do nosso maranhês, quando alguém diz saber a identidade do “fofão” (fantasia de carnaval que esconde o corpo inteiro). Minha mãe gostava muito desse ditado. Infelizmente o fofão já não é tão popular, e a expressão acabou perdendo a sua graça.
Mesmo assim, vale lembrar a música do compositor Gerude para a “Esbandalhada” (2000), bloco pré-carnavalesco comandado por Alcione, que animou nossas ruas, praças e avenidas por cerca de cinco anos:
Eu te conheço carnaval, eu te conheço carnaval
Não adianta tirar a máscara
Se queres saber quem eu sou, me diga quem tu és
Confesso que a máscara é sufocante. Causa-me certa fadiga, cansaço, incômodo à livre respiração. Tanto que, assim que posso, arranco-a da cara, e sinto-me a “pessoa mais livre do mundo”. E aí também me lembro de Vinicius de Moraes, que não gostava de nada que lhe oprimisse, “inclusive a gravata”. Com toda a certeza, hoje ele preferiria a gravata à máscara.
Por fim, acredito piamente nos versos de Cazuza, quando diz que “o tempo não para”, esperando que “o futuro repita o passado”. E nessa vibe, não vejo a hora de voltarmos todos ― unanimemente ― às caras-limpas de antigamente.
Quanto à minha mulher, agradeço-lhe os gritos, sabedor de que a “máscara é a minha própria sobrevivência”.
** Eloy Melonio é professor, escritor, compositor e poeta
Imagem destacada / Máscaras de teatro grego. Imagem: A.B.G. / Shutterstock.com / Fonte: site InfoEscola
7 respostas em “Com que máscara?”
Maravilhoso gostei .
Maravilha!!! A máscara! As máscaras! Show de visão sobre o seu a experiência do uso da máscar nos tempos atuais. Imediatamente me vem à mente a máscara filosófica,em Tabacaria, do Fernando Pessoa, gentilmente denominada Dominó, num link com o seu uso nas fantasias de Carnaval.
“O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara.”
Muito interessante texto. Faz uma reflexão digna de aplausos. Parabéns poeta Eloy Melônio.
Meu querido amigo.
Hoje mais do que nunca, estou convicto de que a experiência vai se adquirindo com o tempo e por extensão a sabedoria vai se apurando e depurando como um vinho com o passar dos tempos.
A abordagem faz uma relação e co-relação com o tempo e com as atividades, cujo passeio é inerente aqueles que possuem um conhecimento vasto.
Parabéns nobre amigo.
Excelente 👏🏼
Opa, vou passar seu comentário para o querido Eloy Melonio.
Amigo Eloy, tirar a máscara e por a máscara as circunstâncias obrigam, mas tirar a máscara de quem é mascarado é difícil, quase impossível. Pela maestria com que você escreve, meus parabéns.
O professor Eloy é conhecido por portar a máscara da sabedoria e com esta última nos presenteia com um carnaval de lembranças, PARABÉNS MESTRE.