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O tempo do maconim

Ed Wilson Araújo

Corremos para a beira do porto, embarcamos rápido, o barqueiro manobrou ligeiro usando toda a sua astúcia, mas a lancha encalhou.

Das onze horas da manhã as cinco da tarde a embarcação ficou sobre a lama, parada no tempo, lambida por um fio de água que escorria de um igarapé farfalhante.

A maré sumiu, o tempo mudou, a lancha encalhou e só restava esperar.

Quem se avexa no trânsito da cidade grande com 30 segundos no sinal vermelho e chega em um lugar onde a vida é tocada pelo regime das marés, se assusta.

É estranho sair da cidade e viajar para onde não existem carros, motos e nem bicicletas.

Vizinha de Bate Vento, na ilha dos Lençóis só há uma carroça e um casal de jumentos. Quando os bichos vão namorar distante, o povoado fica sem “taxi”.

Há muitos segredos e lendas nas ilhas da Floresta dos Guarás, onde a vida é guiada pelas marés, o vento, o sol e a lua.

Os entendidos diriam que a lancha encalhada foi obra de Dom Sebastião, o rei encantado que governa a ilha dos Lençóis e os arredores.

O dono do lugar teria ficado insatisfeito com a pressa dos visitantes e resolveu aquietá-los um tempo sobre a lama, até a maré encher de novo.

Assim, a lancha parada acabou se transformando em um delicioso aconchego onde fizemos um assado de guaravira (cinturão) acompanhado da deliciosa farinha de Cururupu, com um visual fantástico, de frente para as morrarias de Lençóis, onde a lenda conta que Dom Sebastião cavalga nas noites de lua cheia.

A nossa pressa era para atravessar de Bate Vento para Lençóis, duas ilhas espiritualmente siamesas, ligadas pelas encantarias do sebastianismo.

Queríamos voltar no dia seguinte para conhecer o Morro dos Três Irmãos e o Farol de São João, em Bate Vento.

Tentando acertar os horários de acordo com as nossas preferências de visitação, eis que um ilhéu foi logo passando o sal: “o tempo aqui não é o de vocês, é da maré.”

Dito e feito! A lancha travou na lama.

Mas, tudo conspirou para as coisas boas. A embarcação parada na calha da maré permitiu ver de perto várias cenas do manguezal: filhotes de guará sem as penas vermelhas, o oportunista gavião pilherga (que só aparece na hora do almoço) e o famoso chama maré, popularmente conhecido entre os pescadores pela alcunha de maracoanim, maraquanim ou simplesmente maconim.

O astuto caranguejo chama-maré, representante legítimo de Dom Sebastião nos apicuns da Floresta dos Guarás, é o senhor do tempo, o Kairós dos manguezais e morrarias do Maranhão.

É como se o tempo da cidade fosse regido por Cronos, a métrica do relógio, o passar das horas, a computação dos dias…. Kairós, por sua vez, é o tempo vivido e degustado por alguns prazeres que a correria da urbe não permite.

Vendo o chama-maré de perto, é curioso perceber os movimentos desses parentes do caranguejo quando o vento muda e eles formam, em centenas, o balé sincronizado movimentando a pata grande, avisando que a maré começa a encher.

Junto com os movimentos do maconim bate a brisa de maré crescente, penetrando nossas narinas com o cheiro afrodisíaco de sal e sol no fim da tarde.

O maconim é o regente na orquestra das marés de enchente, guardião das praias, guia do ritual das embarcações e fiscal da natureza.

A viagem é sempre um ensinamento. O tempo de correr na cidade não deixa perceber o outro tempo mais profundo.

Viva Dom Sebastião!

Imagem do topo retirada deste site

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