Eloy Melonio
Professor, escritor, poeta e compositor
O que Zé Raimundo e Neil Armstrong têm em comum?
Quase todo mundo conhece a história de Neil Armstrong, famoso astronauta americano da Apollo 11 e o primeiro homem a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969.
Mas a história de Zé Raimundo, um comerciante de bairro, com sua quitandinha de uma janela, protegida por grade, talvez apenas duas ou três pessoas a conheçam.
Para início de conversa, não foi fácil entender direito o que ele fazia. Cheguei a pensar em várias possibilidades. Como geralmente cruzamos um com o outro durante nossas caminhadas matinais, via-o ― geralmente acompanhado de sua esposa ― carregando sacos plásticos com alguma coisa pesada dentro. Até aí, nada de errado. Mas o fato inusitado é que, algumas vezes, parecia vê-lo agachado, como se estivesse pegando coisas do chão. Cheguei a imaginar que talvez fosse aquela débil mania de algumas pessoas idosas.
Quando me lembro disso, sinto um pouco de vergonha. A verdade é que nós geralmente não lemos direito o texto, ou lemos sem atentar ao contexto. E aí, o resultado da leitura é um desastre.
Certo dia, saí mais tarde para caminhar. E tive a sorte de não cruzar, mas andar paralelamente na mesma direção que ele; eu, de um lado da rua, e ele, na calçada da avenida. E por alguns minutos pude observá-lo mais atentamente. Aí sim, texto e contexto agora davam sentido à minha leitura.
Neil Armstrong tem uma biografia de dar inveja. Zé Raimundo, apenas um anônimo cidadão de bem. O primeiro já não está mais aqui; o segundo é apenas um entre nós.
Seja Neil ou Zé, o que importa é o que cada um pôde ou pode legar à humanidade, à sua cidade.
Palavras e atitudes nos inspiram a mudar o enredo de nossas vidas. Vindas de gente importante, ou de gente comum. Lições que temos a dar, lições que temos a aprender. Recentemente alguém me disse: “Tenho me esforçado para fazer as coisas da forma mais correta possível”. Ou seja: estacionar na vaga certa, não jogar lixo na rua, dar bom dia ao vizinho… Pensei comigo: Que lição! Preciso aprendê-la depressa!
Nosso velho mundo carece de boas lições. De gente que faz a diferença, que deixa exemplos. Gente como Chico Mendes, Zélia Arns, Marielle Franco. E tantos outros anônimos que andam por aí, como o cidadão que devolveu ao dono a carteira com dois mil reais que este deixara no banco da praça.
E quanto ao nosso personagem, o que faz de tão especial?
Nas manhãs ensolaradas de nossa estação seca, ele simplesmente enche garrafas pet (2l) com água e sai molhando plantinhas à margem da avenida. Algumas das quais ele mesmo plantou. Plantinhas que não são vistas pelos gestores públicos, pelos comerciantes da região, nem pelos transeuntes. E que um dia darão sombra e abrigo a quem passar por ali.
Não sei quantos passos Neil Armstrong deu na superfície da Lua. Só sei que, quase diariamente, Zé Raimundo dá mais de duzentos para cumprir a missão a que se propôs. E tudo isso sem “posts” nas redes sociais para impressionar os amigos. Um trabalho de formiguinha: constante, silencioso, resoluto.
Seu Zé Raimundo talvez nem saiba quem foi Neil Armstrong, mas imita direitinho seus passos aqui na Terra. E, orgulhoso, poderia dizer ao final de cada caminhada: “Uma pequena ação para mim, uma grande lição para meus concidadãos”.
Imagem: Eloy Melonio / Cajueiro plantado por Zé Raimundo, e do qual já comeu o fruto.
2 respostas em “Uma (pequena) grande ação”
Muito bom!
Quisera termos varios Ze Raimundos,espelhados pelo mundo, por nossas cidades. Com certeza, a vida seria muito melhor. Mais arvores frutiferas, nenos calor, o ar puro e muito mais beleza.
Gostei muito tio. O acho grandioso é quando as pesssoas fazem boas ações sem querer algo em troca . Armstrong fez algo pela humanidade fora do nosso planeta e recebeu glórias e homenagens .O Zé Raimundo faz algo pela humanidade dentro do nosso planeta e sem esperar nada em troca .Simplismente pelo prazer de servir .
Um abraço Tio.