Categorias
notícia

Idiocracia: um filme do futuro para pensar o presente

A convite do Programa de Educação Tutorial (PET) de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), coordenado pela professora Maria da Glória Serra Pinto de Alencar, participei do projeto “Cinedebate PET Biblio” junto com os alunos e o jornalista e filósofo Paulo Iannone, assessor de comunicação do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

Após assistirmos ao filme “Idiocracia”, dialogamos sobre o tema “Mídia, poder e crise social: o discurso da imbecilidade na sociedade contemporânea”.

Veja ao fim da postagem como baixar para assistir.

O filme, de 2005, é ambientado no ano de 2505, protagonizado por um militar e uma prostituta selecionados para fazer parte de um experimento militar secreto que os coloca em hibernação.

A dupla é congelada para acordar no futuro, mas o projeto caiu no esquecimento e os dois caixotes congelados ressurgem 500 anos depois, num mundo embrutecido, controlado por um ex-ator pornô e halterofilista eleito presidente.

Idolatrado pela massa entorpecida por consumismo e alienante programação dos meios de comunicação, o presidente comanda todos os tipos de aberração junto ao seu secretariado corrupto, comparsa dos poderes judiciário e legislativo transformados em aberrações, além do gigantesco aparato policial repressivo.

O presidente bélico de Idolatria

As deploráveis aparições públicas do presidente e as sessões de bizarrice no parlamento só não são piores que as cenas ocorridas em uma arena de “reabilitação”, onde as pessoas sentenciadas à morte, sem provas, são executadas em rituais de sadismo coletivo nas arquibancadas.

O filme serve de inspiração para refletir sobre os fatos reais que vivenciamos hoje no Brasil, nos Estados Unidos e mundo afora, onde cresce a onda obscurantista.

Várias cenas de “Idiocracia” já são percebidas atualmente. A negação da Ciência e do Jornalismo, dois campos de produção do conhecimento fundamentais do processo civilizatório, é sinal de uma caminhada de retrocesso à barbárie.

Quando acordam na América do futuro, o militar e a prostituta veem o caos: montanhas de lixo compõem o relevo das cidades, a língua foi trocada por gírias, as agressões físicas e verbais tomam o lugar do argumento, o ódio às mulheres e aos homossexuais é uma regra e a idolatria pelo presidente pornô está elevada à máxima potência.

O nível de obscurantismo chegou ao cúmulo de abolir o uso da água e introduzir em seu lugar um líquido verde produzido pela empresa “Brawndo”, controladora de quase tudo no planeta.

Assim, a água passou a ser considerada imprópria para beber, tomar banho e regar as plantações, sendo usada apenas nos aparelhos sanitários.

Todo o filme está pautado na reprodução das pessoas idiotas em larga escala como única forma de sobrevivência no mundo caótico.

Em meio à massa idiota, o militar acaba sendo o sujeito mais inteligente do planeta, sendo convocado pelo presidente pornô a resolver os problemas da humanidade, com um cargo no alto escalão do governo.

Seu principal desafio é convencer o país de que a água deve ser usada nas plantações…

Num mundo apocalíptico, pautado na negação da razão, onde o telejornal é um espetáculo burlesco apresentado por um casal de bombados, em que tudo se converte em mercadoria controlada por uma só empresa, as pessoas são transformadas em animais bovinos tangidos por consumo de propaganda grotesca, batata frita e pornografia. Há, no filme, um impressionante culto à masturbação….

A idiocracia tem como principais substâncias a negação do pensamento, a destruição dos preceitos civilizatórios, o desprezo pelos mínimos valores morais e a mutação da política em um bizarro espetáculo de violência e sensacionalismo.

O grande ativo da idiocracia é o indivíduo que não reflete sobre o que faz ou diz, apenas acredita nas suas convicções independentemente dos fatos e dos critérios de verdade. Ele também expressa desprezo pela dor da outra pessoa e usa sempre a violência física ou verbal no lugar da argumentação.

Expressões como “não sou coveiro”, “e daí?!” ou  “é apenas uma gripezinha” têm alguma semelhança com a ficção?

A idiocracia é o império da intolerância, traduzida na impossibilidade da convivência com o diferente; ou seja, a morte da política.

O filme é uma lente de aumento sobre o negativismo e o obscurantismo, que no Brasil já domina uma parte da população.

Na Grécia, idiota era a pessoa restrita ao ambiente da vida privada sem interesse nos assuntos da cidade e nas questões do Estado. Em outras palavras, não participava das decisões sobre a polis. Para os gregos, idiota era uma pessoa sem instrução e, nessa condição, considerado inferior.

Ainda não havia naquela época histórica a conotação pejorativa sobre a expressão idiota.

O problema, na contemporaneidade, é a ressignificação do conceito e a expressiva participação dessa forma de comportamento na vida pública.

A internet e os equipamentos de produção e distribuição de conteúdo proporcionaram as condições materiais e virtuais para a difusão da idiotia como fenômeno social.

O idiota não é mais o indivíduo grego ensimesmado na sua tarefa de prover a vida doméstica sem se importar com a coletividade. Nos tempos atuais o idiota participa ativamente da polis, vai às manifestações de rua, prega a destruição das instituições, despreza a Ciência, repudia o Jornalismo, idolatra o presidente bizarro, é agressivo, convicto da sua verdade e não admite o contraditório.

Enfim, os sinais do filme estão vivos em nosso cotidiano.

Tomara que a vida não imite a arte.

Como assistir ao filme Idiocracia

O único homem inteligente…

O filme não está disponível nas plataformas YouTube nem canais fechados de TV ou Netflix e assemelhados.

Para acessar o conteúdo é necessário, primeiro, baixar o programa Utorrent e em seguida fazer o download pelo link (https://ondebaixa.com/idiocracia-download-via-torrent/)

Categorias
notícia

Pão e água para Jesus Cristo

Ed Wilson Araújo

Sou católico, mas adepto do ecumenismo. Jesus é um só, mas tão abundante que as pessoas professam a sua fé de variadas maneiras. O ecumenismo ensina a tolerar o diferente. Tem o sentido pleno da comunhão, de estar junto com os irmãos e partilhar a vida.

Com esse entendimento frequentei o Encontro de Evangélicos e Evangélicas Fome e Sede de Justiça, nos dias 4 e 5 de outubro/2019, evento organizado pelo coletivo Papo de Crente, que toca o programa homônimo na rádio web Tambor, vinculada à Agência Tambor.

Os irmãos e irmãs de São Luís do Maranhão juntaram-se aos de outros estados que vieram de longe para dar seus testemunhos inspirados no evangelho, na vida e nas obras de Jesus Cristo.

Sobre qual justiça os evangélicos e evangélicas conversaram?

O encontro foi, sobretudo, uma demonstração de respeito e admiração por um homem que abraçou a causa dos pobres, combateu os opressores, tratou com dignidade uma prostituta, respeitou as mulheres, confortou os doentes, pregou igualdade e solidariedade. Jesus é um dos pioneiros e mais representativos inspiradores dos direitos humanos.

Jesus é amor. Nele não cabem o ódio e a intolerância. Os relatos dos pastores e pastoras nos dois dias do evento fazem valer a fé viva no abraço ao irmão necessitado de alimento, amor, esperança e de ações concretas em prol da justiça.

Pastores(as) imbuídos(as) desses princípios atuam com dedicação missionária por todo o país, nas cidades, zonas rurais e áreas de conflito mais perigosas, como nas favelas ou em meio aos sem teto do Rio de Janeiro, onde ocorre um verdadeiro genocídio contra a população pobre e negra.

De todo o aprendizado ao longo do evento foi possível sistematizar que o Reino dos Céus, feito por gente de carne e osso aqui na terra, passa necessariamente pela distribuição da riqueza, do poder e do conhecimento.

A maioria da população brasileira que tem sede e fome de justiça precisa de trabalho com direitos, alimento, moradia, educação, acesso aos serviços públicos e acolhida na velhice com aposentadoria digna.

E como foi bom saber que em meio a tantas denominações hegemonizadas pelos setores conservadores existem pastores e pastoras atuando junto aos excluídos com a perspectiva de uma fé transformadora.

Um dos ensinamentos do Encontro de Evangélicos e Evangélicas Fome e Sede de Justiça refletiu sobre o sentido do perdão, quando José, tornado governador do Egito, diante de tanto poder, com muitas razões para se vingar dos seus próprios irmãos que o venderam como escravo, foi capaz de desculpá-los.

Por isso não faz sentido tratar como inimigos os evangélicos que momentaneamente votaram em um falso messias, influenciados, na maioria das vezes, pelas denominações que abandonaram o trabalho pastoral e construíram templos de ouro para cultuar o espírito neoliberal.

Precisamos entender os evangélicos vulneráveis aos mercadores da fé no contexto histórico do Brasil. A onda conservadora que varreu o país tem um lastro em 400 anos na escravidão, no patrimonialismo, na brutal concentração de renda e nas interferências diretas do imperialismo econômico e cultural, usando equivocadamente Jesus Cristo para traduzir o cristianismo em capitalismo.

O econômico é central no religioso. No Brasil atual, uma tese é real: os evangélicos ultraconservadores estão inseridos na cúpula do governo, nos parlamentos, nas gestões estaduais e municipais e nas raízes profundas dos meios populares.

“Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” é um bordão complexo para expressar essa etapa diferenciada na vida política nacional, com um fato concreto: as denominações “neo” e pentecostais estão no coração do poder, confundindo democracia com uma espécie de “teocracia”.

Por dentro das igrejas conservadoras a “teocracia” se dissemina com uma forte dose de messianismo em torno de juízes e procuradores enviados por Deus para salvar o Brasil da corrupção.

Uma das principais revelações do Encontro de Evangélicos e Evangélicas Fome e Sede de Justiça trouxe à luz a informação sobre as ligações mais profundas entre a “República de Curitiba” e a Igreja Batista.

A igreja frequentada pelo procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, foi sede do instituto Mude, um dos tantos braços ongueiros do lavajatismo fundamentalista.

A Igreja Batista é um campo de elite do conservadorismo evangélico. As neopentecostais são complementares, mas não menos importantes. Somadas, as denominações controladas pela ultradireita convergem os interesses do capital e do cristianismo.

Mas, o pensamento econômico não é suficiente para dar conta da tarefa. A onda conservadora, nas suas diversas matizes, vem turbinando na base da sociedade os elementos característicos do fascismo, sendo um deles mais visível – a construção de um inimigo que deve ser eliminado. Para isso, é fundamental disseminar o ódio. Se em outros tempos os culpados foram os judeus, agora são os petistas, os supostos comunistas e a esquerda de um modo geral, com tudo que ela representa, inclusive a concepção dos direitos humanos.

Ocorre que, às avessas de José, que perdoou os seus irmãos, a onda conservadora constrói culpados, espalha ódio, prega a intolerância e cultua o pensamento único neoliberal sistematizado nas promessas de salvação e prosperidade.

Nesse modo de ver, quem são os culpados pelo mundo que não deu certo?

Os culpados, além da esquerda, são os pobres mesmo, os de baixo da pirâmide, os inferiores, os beneficiários do Bolsa Família, os homoafetivos e todos aqueles que não foram capazes de vencer/prosperar ou de se adaptar aos padrões. Por isso precisam ser eliminados.

O ódio e a intolerância, na contramão dos ensinamentos de Jesus de Nazaré, legitimam a desigualdade e a lógica cultural do capitalismo e da injustiça.

Não foi à toa que a República de Curitiba, no âmbito da Lava Jato, tratou de destruir a política, a democracia e as instituições republicanas, maquinando para exterminar um projeto de nação, o Estado Democrático de Direito e as prerrogativas fundamentais dos cidadãos, em alguns casos.

Munidos desse discurso, montados em uma gigantesca máquina de propaganda nos meios de comunicação, o lavajatismo desencadeou uma violenta campanha para culpar, estigmatizar, responsabilizar e pregar a eliminação da esquerda e dos “petistas”.

O ano de 2018 foi um divisor de águas, quando a política passou a ser tratada como cruzada religiosa, liderada por um messias com gesto de revólver nos dedos.

Vivemos a expansão de uma base cultural entranhada no topo da pirâmide e nos grotões do Brasil. Na cúpula opera a elite e na base chegam as denominações alcançando setores médios e populares.

A destruição da política provocou um cenário de terra arrasada. Quando não ficar mais pedra sobre pedra só haverá uma saída – Deus! A salvação chega aos fiéis nas palavras dos pastores coach, youtuber, digital influencer que transformaram parte das igrejas evangélicas em negócio.

Essa não é a fé transformadora. Jesus é solidariedade e compaixão. Por isso ele condenou os fariseus. Está em Mateus 23:

“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas, porque percorrem terra e mar para fazer um convertido e, quando conseguem, vocês o tornam duas vezes mais filho do inferno do que vocês.”

 “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo.”

Tem um cristo agonizando na cruz e as suas feridas sangram. Ele está com sede e fome de justiça.