Categorias
notícia

Causos de campanhas eleitorais: o discurso mal entendido

No segundo episódio da série “Causos de campanhas eleitorais”, o blog conta uma situação inusitada ocorrida em 2020, na eleição municipal.

Um coletivo de jornalistas, professores, lideranças populares e ativistas da democracia e dos direitos humanos decidiu fazer uma campanha diferenciada do pragmatismo recorrente nos pleitos.

A campanha consistia em denunciar a compra de votos, levando ao eleitorado a mensagem da ética na política e das boas práticas republicanas.

Parte da campanha era realizada nas feiras e locais de grande concentração popular.

Em uma dessas atividades, no bairro Anjo da Guarda, o coletivo se revezava nos discursos ao carro de som tentando convencer as pessoas a não venderem o voto.

Eu mesmo fui um dos oradores e deitei falação. “Não venda seu voto. Voto não tem preço, tem conseqüência. Se você vender seu voto não vai poder cobrar as responsabilidades do parlamentar ou prefeito eleito à base do mercado eleitoral… e por aí vai”

Depois de discursar, procurei uma quitanda no bairro para comprar água e refrescar o corpo do calor exagerado de setembro.

Encontrei uma banquinha de venda de café, água e bolo e fiquei por lá enquanto outra pessoa do coletivo discursava.

Enquanto eu me refrescava, batendo papo com a senhora da banquinha, eis que chega um homem de meia idade me abordando discretamente:

– Moço, eu vi o senhor falando ali no carro de som e queria lhe fazer uma pergunta.

– Pode falar, mestre.

– Mas eu queria perguntar no reservado. Podemos ir ali ao lado?

– Claro, você manda.

– É porque eu vi o seu discurso sobre compra de voto e queria saber onde vocês estão comprando porque eu quero vender o meu e até agora não apareceu nenhum candidato para comprar.

Eu levei um susto, tomei um gole atravessado de água, tive um engasgo e me despedi dele rapidamente, saindo pela tangente:

– Mestre, se eu comprar seu voto eu posso até ser preso. E para evitar problema é melhor a gente se separar porque nesse momento está passando uma viatura da polícia ali perto do carro de som. Até mais.

Leia aqui o causo “A família renegada”

Categorias
notícia

Bodó

*Por Luiz Henrique Lula da Silva
Jornalista, membro da Apoesp (Associação de Poetas e Escritores de Pedreiras), ex-presidente da Abraço Maranhão e deputado estadual suplente

Tem histórias que você não pode, nem deve guardar só pra si. Essa semana o planeta terra, nessa dimensão da vida humana, perdeu um grande ser, um dos melhores da espécie, que se foi muito, muito mesmo fora do combinado. E é inspirado em Samuel Barreto, um notório e exímio contador de histórias, estórias e causos, alguém que tinha sempre o que dizer e contar, não guardando para si o que sabia e tivesse vivido que resolvi contar Minha História com João do Vale.

Um belo dia, em pleno expediente da fábrica que eu gerenciava (Colchões Corcovado), em Pedreiras, me entra na sala da administração, esbaforido, Daniel Lisboa, gerente de produção da empresa, compositor e cantor, e me diz: João do Vale tá na cidade. Você não disse que desejava conhecê-lo? Ato continuo só perguntei onde estava, e se ele, Daniel, poderia me levar até onde João. Eram 11h da manhã e lá fomos nós pra casa de Teresa Parga e Serejo, ela prima-irmã de João e Serejo seu grande amigo (a língua do Serejo tá jeitinho que você deixou…).

Teresa nos recebeu e foi até a cozinha perguntar se João permitiria minha conversa com ele. Logo estava sentado na cozinha, observando João já “calibrado” com as primeiras doses de cachaça daquela manhã, saboreando um peixe, que vim saber em seguida ser Bodó. Peixe comum nos rios maranhenses, como rio Mearim que banha Pedreiras e região. Pela devoção, voracidade e elogios de João, era o peixe que mais apreciava.

Feita a primeira abordagem, pergunto quando poderíamos marcar uma entrevista. Queria poder ouvir João naquele ambiente seu, em seu lugar, em volta dos seus amigos de Pedreiras. Qual não foi minha surpresa quando ele disse: Agora! Pode perguntar.

Pego de surpresa, peço a Daniel ir à fábrica e trazer um gravador. Enquanto o gravador não chega, falamos sobre bodó, dominó (João gostava muito de jogar dominó) e Serejo. João me oferece uma dose, e eu recuso, mas comento: só tiver uma cerveja, eu quero. João dá o comando pra Teresa Parga – Teresa, o repórter é bruguês! Serve o homi!
Pronto, a partir dali estávamos íntimos, passei a ser o bruguês.

O gravador chega, início a conversa, e pergunto o que sem dúvida, ele já havia respondido outras inúmeras vezes: como foi a trajetória? Primeira música? Quem cantou? A experiência do show Opinião, Carcará? etc, etc, etc. Só uma pergunta lhe causa incômodo, quando indago como ele conheceu Chico Buarque. Rispidamente, a resposta vem na ponta da língua – A pergunta não é como conheci Chico Buarque? A pergunta é como ele me conheceu.


Finda a entrevista, que viria a ser publicada na íntegra no Jornal Pequeno, mais uma vez sou pego de surpresa com um convite inusitado. Já são 3 da tarde e ele pede carona para a casa de uma tia em Trizidela, hoje cidade, à época o bairro de Pedreiras, do outro lado da ponte.

Claro, respondo!

A parada lá é rápida, tempo suficiente para encher de cachaça uma garrafinha de guaraná Antárctica, mais duas cervejas no juízo do bruguês, para ele em seguida não mais pedir, mas determinar – vamos pro Lago da Onça. Vou te levar onde não deixei nem Vanucci ir.

João se referia a um especial que ele acabara de gravar para a TV Globo, dirigido pelo talentoso Augusto Cesar Vanucci, que seria exibido dias depois.


Lago da Onça é o povoado, a beira do rio Mearim, onde João do Vale nasceu e foi celebrado em uma de suas canções, de título Pé do Lajeiro. E lá fomos nós, literalmente pra terra de João. Ele descalço, meio molambento, porque era próprio dele viajar sem mala e como dizia minha mãe, com a roupa do corpo.


O povoado era paupérrimo, as casas, todas, sem exceção, eram de pau a pique (casas de barro, como se diz por aqui), algumas cobertas de palha, mas a maioria de telha.

Entramos em uma delas, e João chama pelo dono. Não sei dizer se era Mané, Pedro ou Romão de sua canção Minha História, ou nenhum deles, me falha a memória, o certo que se abraçaram, festejam o reencontro e o anfitrião diz um – Eita, João! Tu por aqui.

João me apresenta ao amigo: esse aqui é bruguês, é repórter e tá fazendo uma entrevista comigo. Trouche (assim, com essa pronuncia), trouche ele aqui pra mostrar meu santuário.

Do nada revira o tamborete com acento de couro de boi, cabra, ou sei lá de que bicho pra cima, e se põe a batucar. Faço o mesmo com o meu. Ficamos os dois em uma batida desconexa, tocando nada com coisa nenhuma, ambos já meio “tontinhos”. João com a cachaça da terra e bruguês das cervejas Antarcticas da casa de Teresa e da tia de João.

Já eram muitas horas da madrugada, quando depois de algumas incursões pelas ruas do Tamarindo (Trizidela) e da golada (Pedreiras), exausto, bebo bosta, pedi arrego e disse ao trôpego de cachaça João Batista do Vale. João, vamos pra casa! Deixei-o onde o havia encontrado, na casa de Teresa.


Ficamos amigos, ele continuou bebendo cachaça, e o bruguês até hoje bebe cerveja.

Vou beber João, vou beber Samuel Barreto.

Essa é minha história com João do Vale, inspirada em Samuel Barreto.