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Bairro e condomínio: amizade e muros que separam as pessoas

Eu voltava do jogo do Moto Club com meu vizinho das antigas, Guimarães (“seu Guima”), putos de raiva porque o Papão perdeu um caminhão de gols contra o Fortaleza e ficou fora do G-4 na Copa do Nordeste.

Ao entrarmos na rua Astolfo Marques é impossível não olhar o Bar do Zé e curiar os frequentadores. Logo avistamos Bivar, um dos filhos adotivos do Apeadouro.

Rolava um som alto no “paredão” de Bivar e batemos um papo rápido. Ele começou a lembrar dos tempos passados, as personagens, os lugares, as pessoas, o futebol na rua, os “raspas”, as brigas … tantos bons momentos naquela São Luís dos anos 1980.

Bivar lembrou até da grande paixão da sua vida por uma amiga nossa que nunca foi concretizada.

“Seu Guima” quis logo descer do carro para tomar umas, só para não perder a pinta de onça velha.

Ele é filho do “Bala”, Norberto Guimarães, figura lendária no Apeadouro, levado para morar lá pelo meu pai, Raimundo Nonato Araújo, o “Cabeça Branca”.

Os dois, motenses “doentes”, se conheceram na feira do João Paulo lá pelos idos de mil novecentos e carne de porco.

E agora (em pleno sábado de jogo decisivo do Moto) eu me encontrei com “seu Guima” no Castelão, como se fosse uma continuidade da colegagem dos nossos pais.

O bairro tem essas coisas. Você conhece as pessoas e mata saudades nos reencontros. Bairro é um monte de vivências misturadas: moradia, quitanda, futebol, cachaça, conversa fora, fuxicada e muitos relacionamentos.

A matriz das redes sociais contemporâneas está no bairro e nos seus circuitos analógicos onde transitam as informações públicas e privadas. Bairro é território, lugar de identidade(s) geográfica(s) e afetivas.

Eu tenho o maior orgulho de ter “nascido e criado” no Apeadouro, onde aprendi o que um ser humano precisa para conhecer um pouco da vida.

Apeadouro é minha aldeia no gigantismo do mundo. Não foi por acaso que eu vim ao mundo na rua Sousândrade, nome de poeta porreta!

No entanto, a cidade mudou.

Parece que a sociedade da violência e a indústria imobiliária fizeram um pacto para vender a ideia dos condomínios privados como a melhor forma de vida em sociedade. Em parte a Engenharia tem razão. Afinal, com pouco espaço, onde vamos alojar as pessoas?!

Nos condomínios, moramos juntos e não nos conhecemos. O vizinho é indiferente e pode até virar inimigo. Estamos todos encaixotados, na lógica do espaço milimetrado para caber mais gente.

A ideia do bairro vai se dissolvendo nas mudanças estéticas somadas à ganância das empreiteiras para construir cada vez mais, sem limites, importando apenas os seus lucros.

E assim vamos erguendo barreiras. Os condomínios fechados são nosso ideal de vida porque vendem o conceito de segurança.

O outro não importa. Assim crescemos nos distanciando, isolados. E a cidade fica desumanizada. Cada um por si e Deus tentando segurar a onda.

Quem anda pelos bairros, percebe. As zonas residenciais estão sendo transformadas em áreas mistas ou de comércio e serviço. As casas, vizinhos, comunidades inteiras vão se desmantelando porque as pessoas são seduzidas pelos condomínios fechados, por necessidade ou convicção de que a vida segura é entre os paredões com suas cercas de arame farpado, câmeras e empresas de vigilância.

Quando vejo São Luís assim sempre lembro do Apeadouro, onde estão as minhas amizades remotas, de tantas estórias, pilhérias, figuras emblemáticas, alegóricas e causos fantásticos.

A vida pulsa melhor no bairro, onde tem paquera, festa de aniversário e solidariedade numa xícara de óleo ou um púcaro de manteiga emprestada pelo vizinho por cima do muro, na hora do sufoco.

Nos bairros de concreto, os condomínios, a vida deve rolar de outro jeito, que precisa ser contada.