Ed Wilson Araújo
Reportagem especial publicada neste domingo Jornal Pequeno
Com população de aproximadamente 5 mil habitantes, a pequena São Pedro dos Crentes, no sul do Maranhão, localizada a 758 Km da capital (São Luís), é cotada para entrar na rota do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em sua primeira visita ao Nordeste após a eleição.
Embora ainda não confirmada oficialmente, a informação já circula nos meios de comunicação e nas redes sociais. O roteiro deve incluir também o município de Balsas, vizinho a São Pedro, onde ocorre anualmente uma exposição de ruralistas – a AgroBalsas (em 2019 será de 20 a 24 de maio). Balsas é um polo do agronegócio, ambiente onde o presidente obteve amplo apoio eleitoral, transita com fluência e é palco predileto do discurso armamentista.
Bolsonaro fez menção a São Pedro dos Crentes durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, quando falava sobre economia e as influências da temperatura e do clima como variáveis da produção no campo. Ele citou o santo católico fazendo referência ao regime de chuvas: “Estou para visitar São Pedro dos Crentes, no Maranhão. É um negócio meio esquisito, né, Igreja Católica […] mas tem tudo a ver. Um pequeno município que eu vi uma matéria outro dia na imprensa e vi lá que tinham dois grandes problemas. Primeiro, a avenida principal que não está asfaltada. Depois, não tem uma agência do Banco do Brasil e muito menos da Caixa Econômica Federal. Liguei para o nosso presidente do Banco do Brasil e perguntei a ele se existe no plano social a instalação de microagências nesses locais. Ele falou ‘existe’ e eu solicitei. Existe a possibilidade de botar uma agência lá, ele já botou. E conseguimos fazer isso lá”, frisou.
A agência ainda não está instalada, mas a menção à cidade já mexe no cotidiano dos moradores. Eles organizaram grupos em aplicativos de mensagem e falam até em abaixo-assinado com reivindicações ao presidente. Se por um lado gera euforia, a abertura de nova unidade do banco não é a regra. Pelo contrário. Segundo o Sindicato dos Bancários, em 2017 o Maranhão perdeu 13 agências do Banco do Brasil. “O fechamento fez parte de um desmonte nacional do banco que visa reduzir custos e funcionários. Nos últimos anos o BB vem deixando claro que vai investir na digitalização do atendimento ao cliente e fechamento de unidades. Em São Luís, as agências do Anjo da Guarda, Deodoro e Hospital Materno Infantil foram fechadas”, explicou Eloy Natan, presidente da entidade.
Segundo os dados informados pelo sindicato, as agências nos municípios de Açailândia e Imperatriz foram encerradas. Outras foram transformadas em postos de atendimento que não atendem todos os serviços bancários, como as agências dos municípios de Amarante, Itinga do Maranhão, Lima Campos, Matões, Olho d’Água das Cunhãs e Parnarama. “Estes postos de atendimento ou microagências, além de ter poucos funcionários, não possuem serviço de caixa para saques e pagamento de contas e boletos”, detalhou Natan.
Território ruralista influencia visita
O agronegócio no sul do Maranhão, inclusive em São Pedro dos Crentes, é outro critério para atrair Bolsonaro à região, marcada pela forte presença do latifúndio, receptivo ao discurso armamentista. No final de abril, ao participar da Agrishow, feira de ruralistas em Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro afirmou que vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei que livra de punição o produtor que fizer disparos em ocupações de terras. O discurso armamentista do presidente tem ampla recepção entre os ruralistas.
O principal alvo da onda de criminalização da extrema direita é o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), já citado em diversos pronunciamentos de Bolsonaro como inimigo. Críticos do armamentismo interpretam que as iniciativas do governo federal em prol dos ruralistas caracterizam uma espécie de licença para atirar sem preocupação com eventuais punições. “O projeto nosso vai dar o que falar, mas é uma maneira que nós temos de ajudar a combater a violência no campo. É fazer com que, ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude, ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder para que o outro lado, que teima em desrespeitar a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”, detalhou o presidente. Ele disse ainda que vai discutir junto à Câmara dos Deputados outro projeto que autoriza a posse de armas de fogo em todo o perímetro das propriedades rurais e não apenas restrito às residências.
Em nome de Deus
São Pedro dos Crentes entrou no mapa da mídia na eleição de 2018 por ter sido a única cidade do Maranhão onde o então candidato Jair Bolsonaro ganhou no primeiro turno (veja dados abaixo). Em fevereiro e março de 2019, o Blog do Ed Wilson publicou uma série de três reportagens sobre a cidade, abordando a religiosidade, eleições e os valores morais da Assembleia de Deus, com base na obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, de Max Weber. No final de março, a Folha de São Paulo também publicou matéria especial sobre a economia, infraestrutura, costumes e política no município.
A cidade é uma mistura das fictícias Macondo e Sucupira, clássicos dos escritores Gabriel Garcia Márquez e Dias Gomes. Fundada e dominada pela Assembleia de Deus, nos anos 1940, São Pedro dos Crentes tem fiéis ardorosos e crentes “desviados”, também chamados “irmão raimundo – aquele que tem um pé na igreja e outro “no mundo”, ou seja, o fiel que em determinadas épocas se afasta dos rigores da vida assembleiana. Nas suas poucas ruas há um enorme templo central com estrutura para grandes eventos, várias igrejas e também bares, além da famosa “rua da Vaquejada”, onde tem a maior concentração de botecos e um clube de festas.
Todos os anos é realizado um grande congresso evangélico em São Pedro dos Crentes, durante três dias, reunindo crentes do Maranhão, de outros estados e pastores renomados no Brasil para fazer pregações na cidade famosa pelo nome e expressiva população de fiéis. Estima-se que aproximadamente 60% dos moradores são adeptos da Assembleia de Deus.
Apesar das contradições entre a religiosidade forte e a vida mundana, o conservadorismo se manifestou de forma concreta nas eleições presidenciais desde 2014, quando Dilma Roussef (PT) teve vitória acachapante no Maranhão, menos em São Pedro dos Crentes, onde venceu Aécio Neves (PSDB). A tendência conservadora evoluiu para a extrema direita em 2018, quando Jair Bolsonaro bateu Fernando Haddad por 50,93% contra 37,53% no primeiro turno. No segundo turno os candidatos alcançaram, respectivamente: 57,49% x 42,51%.
O prefeito dos Sarney
Em vídeos postados nas redes sociais, o prefeito Lhaésio Bonfim (PSDB) faz oposição ferrenha ao governador Flávio Dino (PCdoB) e derrama-se em elogios ao grupo liderado por José Sarney (PMDB). Em 2018, o voto conservador predominou no pleito majoritário. Com 3.889 eleitores, a cidade evangélica deu a vitória a Roseana Sarney (PSDB) contra Flávio Dino (PCdoB) na disputa pelo Governo do Estado, por 75,76% dos votos (2.163 eleitores) contra 14,75% (421 votos), respectivamente.
Candidatos ao Senado, Sarney Filho e Edson Lobão também tiveram expressivo apoio do eleitorado de São Pedro dos Crentes, com votação de 39,30% (2.150 eleitores) e 34,86% (1.907 eleitores). Já no grupo de Flávio Dino para o Senado, a candidata evangélica oficial da Assembleia de Deus, Eliziane Gama (PPS), ficou em terceiro lugar, com apenas 13,12% (718 votos) na cidade. O quarto colocado foi Weverton Rocha (PDT) e obteve 8,44% dos votos válidos (462 eleitores).
O revés do voto evangélico no Senado chegou também à disputa da Assembleia Legislativa. Candidato preferido da Assembleia de Deus em São Pedro dos Crentes, o pastor Cavalcante (PROS) obteve apenas 73 votos dos irmãos e ficou em quinto lugar entre os mais votados na cidade. Quem ‘bombou’ nas urnas para deputado estadual foi Adriano Sarney (PV). Ele teve 61,59% dos votos válidos (1.825 eleitores). Reeleito, Adriano é neto de José Sarney e primogênito de Sarney Filho. Para deputado federal outro sarneísta liderou com folga a votação entre os evangélicos. Victor Mendes cravou 61,91% dos votos válidos, obtendo a preferência de 1.832 eleitores.
O comando para votar obedece uma dobradinha entre a máquina eleitoral do prefeito e uma espécie de “bibliocracia”, sob o comando dos pastores e das congregações vinculadas à Assembleia de Deus na hora de guiar o rebanho. “Aqui em São Pedro só tinha duas opções: Bolsonaro ou o comunismo”, resumiu o maestro e professor de música Jairo Maranhão, dono de um sistema de sonorização (rádio a cabo Nova Aliança), o único meio de comunicação local.
O pastor presidente da Comadesma (Convenção dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Maranhão) em São Pedro dos Crentes, Manoel Lima de Sousa, apresentou um argumento curto e grosso para justificar o voto dos evangélicos no presidenciável Jair Bolsonaro. “A palavra de Deus, a bíblia sagrada, o livro dos livros, tem resposta para todas coisas que nós imaginarmos. Ela já nos informa que todas as autoridades são constituídas por Deus, inclusive nosso presidente. E assim sendo, Deus direcionou ao povo votar no Bolsonaro. E assim Deus fez dele o nosso presidente”, atestou. Em São Pedro dos Crentes existem 21 congregações da Assembleia de Deus, ministério Comadesma, sendo três na sede e das demais na zona rural.
Oposição ao prefeito reage
“Vocês conhecem os meus vídeos e sabem que têm um destino: o Palácio dos Leões”. A frase de efeito está registrada em um dos muitos recados do prefeito Lhaésio Bonfim para Flávio Dino. Dizendo-se vítima de perseguição, o gestor que também canta nas igrejas é o único chefe de executivo municipal no Maranhão a confrontar publicamente o governador em discursos fartamente compartilhados nas redes sociais.
Na base do governo, a réplica é disparada pelo assessor da Secretaria de Comunicação e Assuntos Políticos (Secap) na região de Balsas (sul do Maranhão), Valdir Oliveira de Sousa, o Valdir Preto. Membro da Assembleia de Deus (Ministério Madureira), nascido em São Pedro dos Crentes e originário de uma comunidade remanescente de quilombo, Valdir Preto afirma que o prefeito vem apresentando sinais de enriquecimento ilícito, mantem relações clientelistas e alto nível de fisiologismo na gestão.
Antes de ser prefeito eleito em 2016, o médico Lahésio Bonfim chegou a apoiar Flávio Dino na corrida para o Palácio dos Leões, em 2014, mas mudou radicalmente quando percebeu a onda conservadora crescente no meio evangélico e associou-se à família Sarney e ao bolsonarismo. O prefeito controla a Câmara Municipal, composta por oito vereadores, todos evangélicos da Assembleia de Deus. Valdir Preto denuncia que a gestão é minada por favores e serviços contratados em troca de apoio dos edis, como empregos, cargos e aluguel de carros para a administração municipal.