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Gente: atos e falas

Eloy Melonio

Eles estão nas ruas, nas favelas, nos condomínios. Nos palácios, nos tribunais. Nas salas de cirurgia, nas cadeias.

Nas “cracolândias” da vida e até onde não se pode imaginar.

Assim como o romancista dispõe das palavras para “caracterizar” suas personagens, recorro a “uma” que é adjetivo e substantivo. Com o adjetivo, tento desnudar o caráter dessas pessoas. Com o substantivo, vestir-lhes com o figurino desenhado pelo adjetivo. Acho que deu pra entender ― ou não?

Seja qual for a sua resposta, prepare-se para um cenário de realidades cruas. Um teatro em que não se admitem ensaios nem improvisações. Os atos são visivelmente naturais. No palco, um elenco que faz um estrago danado onde vive e por onde passa.

E, assim, minhas personagens não são doentes mentais, embora ― vale lembrar ― a psiquiatria caracterize seu comportamento como “atraso mental acentuado”. Na minha abordagem, vou apenas considerá-las “desprovidas” de inteligência e de bom senso.

Não por acaso, preciso ir além do óbvio. Porque esses “vacilões” dizem e fazem coisas sem levar em conta o resultado que elas trazem. Se olhar ao seu redor, você é capaz de identificá-los. Quem sabe alguém na sua empresa ou repartição? Ou a moça do caixa da padaria? Ou, talvez, um correligionário, um vizinho.

Lembro-me agora do tempo em que eu me meti a dono de barzinho. Quando queriam “zoar” um colega, os garçons diziam algo que eu não entendia: Esse cara é “senourrau”. Depois de algum tempo, saquei o que estavam dizendo. Essa expressão era uma deturpação de “know-how” (habilidade para executar tarefas), antecedido da preposição “sem”. Ou seja, seu coleguinha era um “imbecil”, notável por fazer um monte de coisas erradas.

Das muitas situações do dia a dia que motivaram esta crônica, destaco a principal: depois da missa, uma senhora que se espremia na fila da comida típica de um arraial do São João (num espaço religioso), reclamava da “lerdeza” da atendente. E bradou: “Isso aqui tá um inferno!”. Felizmente, uma voz sensata interveio: “Senhora, essas pessoas são voluntárias e estão doando seu tempo para a obra do Senhor”. Não sei se ela achou um lugar para meter a cara, mas provavelmente garantiu sua morada no inferno.

Duas outras cenas típicas da imbecilidade urbana: um carroceiro espancando o traseiro do burro só porque o pobrezinho, já cansado, empacou no meio da rua. E o anestesista (escândalo nacional) que abusava das parturientes para satisfazer seu estro descontrolado. (Se eu fosse um desbocado, trocaria, nesse caso, “imbecil” por fdp).

No caso do ignorante carroceiro, não se pode precisar se a burrice anda na frente ou “na trás” (como dizia, aos seis anos, a minha neta). Quanto à ética do sexo, talvez a imortal Nélida Piñon tenha uma explicação mais plausível para esse “calor” destemperado.

Como a lista dos “imbecis” é tão grande quanto a torcida do Flamengo, vou poupá-lo, caro leitor, de tanta imbecilidade. Não sem antes lembrar seu “point” favorito: as videocassetadas e as pegadinhas, tão populares na TV, e cujos protagonistas são “imbecis assumidos” de todas as raças, idades e profissões.

Além de falar de suas ações, que tal também considerar suas falas? Sim, porque ― no ambiente das redes sociais ― os imbecis são mais conhecidos pelo que dizem. Suas palavras voam no espaço digital numa velocidade assustadora. Felizmente, não constituem evangelho que mereça fé e confiança, ou mesmo atenção.

Os primeiros anos da pandemia da covid-19 foramum terreno fértil para esse show de idiotices. Da parte de quem falava e da parte de quem lhes dava ouvidos. E o teatro da estupidez não fechava suas portas. No palco e na plateia, gente que resistia à vacina com medo de “virar jacaré”.

Fiz uma enquete no WhatsApp para saber qual seria ― entre seis adjetivos ― o mais repudiado numa discussão acirrada. Das três mulheres, duas optaram por “imbecil”; dos quatro homens, dois seguiram a mesma opção. Os outros três se dividiram entre “idiota”, “ignorante” e “estúpido”. E, assim, “imbecil” (57.14%) foi sumariamente condenado. Talvez por sua pesada carga negativa. Ou porque alguns de seus sinônimos são blindados com requinte lexical: estulto, inepto, néscio, parvo.

É razoável que ninguém se julgue um imbecil. Em atitude humilde, sempre é sensato considerar a ironia de Millôr Fernandes (1923-2012): “Às vezes você está discutindo com um imbecil… e ele também”.

Em pleno século XXI, uma constatação mítica: nosso mundo político (legislativo e executivo) ― que sempre foi um “saco de gatos” ― hoje é uma “caverna” que abriga milhares de “espertinhos”. Acho até que nem mesmo Platão conseguiria jogar luz sobre tanta escuridão.

Nessa estrada de loucuras, dois imbecis juntos não valem um sozinho. Esse aforismo é tão verdadeiro que, numa discussão entre dois radicais seguidores dos principais candidatos à presidente, um deles se arrepende de ter insultado o outro: “Desculpa. Pensei que você fosse um imbecil”. O outro, sereno, aceita a desculpa. E, logo em seguida, solta ― segundo ele mesmo ― uma antiga expressão chinesa: “Sem no problem”.

Nesse fogo cruzado, não sei se fico com “um pouco de esperança” do Fundo de Quintal ou se “pego a viola e vou viajar” com o Renato Teixeira.

Acho que o melhor mesmo é pedir carona nas asas do “Pavão Mysteriozo”, do cearense Ednardo: “Eles são muitos, mas não podem voar”.

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Eloy Melonio é contista, cronista, ensaísta, letrista e poeta.

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