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Bem-vindos à Ilha da Fantasia!

Por Fernando Oliveira (jornalista)

Foto: Ayrton Valle

Não sou exatamente uma pessoa saudosista, mas, ultimamente, tenho me pegado comentando coisas do passado que me trazem boas recordações e, vez por outra, uma certa nostalgia. Sinal da idade avançando? Pode ser. É certo que muitas das minhas melhores lembranças são evocadas por músicas, filmes, objetos e situações guardadas em algum canto da memória, de quando a vida era mais simples, descomplicada, e o tempo parecia correr mais lentamente. A vida era como tinha que ser, sem a velocidade do mundo digital e a obrigação de exibir os momentos bonitos nas redes sociais na busca frenética por curtidas, como nos dias atuais.

As opções de lazer eram restritas às brincadeiras com irmãos e amigos, mas eu gostava mesmo era de assistir aos filmes e programas na televisão, da marca Telefunken, se não me engano. Nela, vi os primeiros programas que marcariam a minha infância. Lembro-me bem de Vila Sésamo, A Família Walton, Perdidos no Espaço e O Homem Invisível. Minha mãe, além de novelas, adorava os filmes de faroeste americano estrelados por Charles Bronson.

Já na adolescência, passei a ver também os clássicos de terror do Conde Drácula, gênero que mais tarde se tornaria o meu predileto, embora na época eu tivesse muito medo. Até ser apresentado ao cinema, quando conheci o memorável Cine Eden, a televisão era o único meio de assistir aos filmes e viajar em um universo mágico.

Na era da Inteligência Artificial, em que computadores e máquinas raciocinam e atuam pelos humanos e podem criar todo tipo de realidade virtual, os recursos ao nosso alcance também proporcionam, ironicamente, um retorno ao passado. Basta recorrer à inovação tecnológica oferecida pela abundância de aplicativos e variedade de opções nos streamings para que possamos rever um programa que deixou saudade em qualquer aparelho em mãos, seja um tablet, celular ou TV.

Em um domingo desses, atraído pela possibilidade de vasculhar produções de antigamente em um aplicativo que acabara de descobrir, encontrei uma série de TV que era uma das minhas preferidas: A Ilha da Fantasia. Pronto, bastava um simples toque no botão do controle remoto para começar a viagem no túnel do tempo. Acomodei-me confortavelmente no sofá e apertei o cinto.

Produzida pela rede americana ABC, a série foi apresentada na década de 80 em horário nobre e depois na Sessão Aventura. A história se passava em uma ilha paradisíaca, onde qualquer desejo podia ser realizado. O anfitrião dessa ilha, o senhor Roarke (Ricardo Montalbán), um sujeito enigmático que tinha como fiel escudeiro o pequeno Tattoo (Hervé Villechaize), recebia os visitantes com a saudação que dá título a esta crónica, prometendo realizar o sonho deles, o que nem sempre acontecia como esperado.

Marcel Proust nos confronta com a natureza subjetiva da memória na antológica “Em busca do tempo perdido”, ao afirmar que a lembrança das coisas passadas não é necessariamente a lembrança das coisas como eram. A reflexão ensina que, muitas vezes, o que guardamos não é um registro fiel dos eventos, mas uma mescla de emoções, percepções e, talvez, um toque de saudade. O que fica é a interpretação pessoal do que vimos ou vivemos. Ao revisitar o passado, corremos o risco de encontrar uma versão em que as cores podem ser mais vibrantes ou mais desbotadas do que realmente eram na realidade.

O quadro com que me deparei ao assistir a um programa da adolescência, cogitando encontrar o encantamento de outrora, diz muito sobre a dualidade da memória contida no pensamento do escritor francês. Para Proust, quando acessada conscientemente, a memória tende a ser mais superficial e factual. Já a memória involuntária surge espontaneamente, provocada por estímulo sensorial, e é capaz de produzir recordações ricas em detalhes emocionais.

Tudo na série agora me pareceu tão tosco: a trama, as personagens, os diálogos, os atores, o cenário. Evidente que não podia esperar de uma produção com mais de cinquenta anos a pirotecnia dos efeitos especiais de hoje, mas aquela sessão de domingo não serviu apenas para escancarar os contrastes da passagem implacável do tempo.

Mostrou que nenhuma tecnologia, por mais avançada, tem a capacidade de fazer com que os bons momentos vividos possam, de repente, saltar diante de nós como em um passe de mágica e provocar os mesmos velhos sentimentos. Entendi que não deveria ter ousado reviver a história sem estar preparado para vê-la com outros olhos, sem aqueles olhos de um menino sonhador, sem a fantasia de décadas atrás. Que sirva de lição.

Proust nos lembra que, ao recordar, estamos não só revivendo o passado, mas também reinterpretando-o com os olhos do presente. Talvez, no fim, essa reinterpretação nos diga mais sobre quem somos agora do que sobre o que realmente aconteceu.

Vou deixar o tal aplicativo de lado. E o passado guardado lá no canto com as marcas do seu tempo. O próximo domingo é logo ali.

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