Eloy Melonio
Se você conhece algum Francisco, certamente sabe que ele — íntima e informalmente — pode ser Chico, Chiquinho ou Chicão. Ou Chicó, menos comum, mas igualmente carinhoso.
Pois assim é a personagem desta história. Não porque seja uma criança, um jovem franzino ou alguém muito chegado. Na verdade, são muitas as razões para que Francisco Martins seja o nosso Chiquinho de cada dia.
O mais inusitado é que ele, quanto mais velho, mais jovem parece. É certo que Chiquinho não é aquela pessoa de fisionomia atlética. Sua força está no seu jeito de ser e de viver. E, no quesito “gente fine”, no qual é unanimidade entre parentes, amigos e irmãos de sua igreja.
Já ouvi esta exclamação algumas vezes: Esse cara não existe!
Pois o nosso Chiquinho existe, sim, senhor! Sou testemunha viva de sua existência e de seu espírito jovial. Tão vivo que estive em seu recente aniversário de noventa anos. Nascido em dezembro de 1934, ele agora é um “noventão”. Ou “noventinha”, como diz a galera mais jovem. Prefiro o segundo nominativo porque é mais alegre, mais a sua cara. E porque rima com sua generosidade.
Foi justamente nessa festa que pude observá-lo em sua plenitude. E essa é a razão deste testemunho. Quando cheguei, um insight me fez imaginar um cenário cinematográfico. Isso me motivou a acompanhar sua movimentação no salão de eventos de seu condomínio. Cada abraço, cada aperto de mão. Chiquinho cabia em todas as cenas, e elas estavam ali, tão ao meu alcance.
A festa foi um sucesso. O protagonista não podia ser melhor, e os coadjuvantes formavam um elenco de primeiríssima linha. O pastor fazia o papel de pastor; o filho, de filho; a nora, de nora; os convidados, de convidados. Na minha idealização de cinegrafista, tentava destacar os passos da personagem principal. Ou seja, esforçava-me para “entender” o que via mais do que apenas ver.
A vida de Chiquinho tem mais enredo de romance shakespeareano do que qualquer outra coisa. Ainda bem jovem, namorou Nazilde, uma vizinha da casa defronte da sua, num bairro de São Luís (MA). Apaixonaram-se. Em março de 1960, decidiu ir trabalhar na construção da capital federal. E aí, uma esquina nos caminhos do amor. Com uma carta, ela oficializou o rompimento do namoro e foi morar com um tio no Rio de Janeiro. Em 1961, também por carta, ela propôs reconciliação. Ele foi visitá-la e logo firmaram as bases de seu “endlesslove”. Casaram-se em novembro de 1963, e — mesmo com a morte da amada em 2015 — Chiquinho eternizou o “juntos para sempre” em suas palavras carregadas de saudade, nas histórias de cada foto que ele faz questão de compartilhar. Jamais considerou a ideia de um segundo casamento.
No salão de eventos, Chiquinho representava o papel mais fácil de sua vida: ele era “ele mesmo”. Com seu carisma, recebia e dava atenção aos convidados. Falava com as crianças como se fossem adultos, e com os adultos como se fossem crianças. Demorava-se mais do que o necessário com quem lhe dava atenção. Ou seja, com todo mundo.
Antes da tradicional “parabéns pra você”, um momento de quietação, talvez o mais difícil para ele. Juro que, num relance, imaginei-o “menino” em seu primeiro aniversário. Teve de sentar-se e — nem sempre calado — reviveu momentos de sua história em slides projetados na parede, acompanhados da narração de Lélio, seu filho mais novo. Para fechar esse momento, uma surpresa de tocar a mais insensível das almas: o filho mais velho, que mora nos Estados Unidos e não pode vir por causa de problemas de saúde, cantou comoventemente um clássico de Fábio Júnior.
Mesmo com o espírito agoniado de saudade, Emanuel soltou a voz do coração: “Pai/ Eu não faço questão de ser tudo/ Só não quero e não vou ficar mudo/ Pra falar de amor pra você”.Um breve silêncio seguido de palmas antecedeu as lágrimas que traduziam os mais íntimos sentimentos.
Fugindo desse cenário nada ficcional, que tal um pouco do Chiquinho morador solitário para você também aplaudi-lo? Dorme e acorda cedo; paciente e pacificador; metódico, segue rotinas; tem medo da noite; gosta de cantar e sussurrar músicas; compartilha quase tudo o que recebe dos outros; fica horas dando vida aos desenhos de seus “livros de colorir”; faz as três refeições moderadamente; uma banana é a sua sobremesa preferida.
E, enfim, mais um ano marcado de novidades se passou na vida do nosso abençoado: casa reformada, passeios, viagem aos Estados Unidos, e muitas páginas pintadas com as cores do amor e da saudade. Na intensidade do viver, “cada dia é uma vida inteira”.
Não sei se minha irmã Nazilde acompanhou a festa do eterno companheiro de seu cantinho lá no céu. Nada que pudesse lhe causar espanto. Porque o Francisco de hoje é o mesmo de ontem. Talvez um pouco mais artista do que o senhor dos tempos de esposo e pai dedicado. Bem, mas isso são outros “chiquinhos”.
Ao final da festa, fiquei preocupado se seus amigos seriam chamados a falar sobre ele. Certamente seria um “happy end” adornado de palavras, palavras e palavras.
E, aí, talvez eu não tivesse fôlego para escrever esta crônica.
Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e letrista.