O poema Das Dores concorreu ao prêmio Literário “Maria Firmina dos Reis”, do Tribunal de Justiça do Maranhão, em junho deste ano, mas não foi classificado. Agora pode ser contextualizado na programação de celebração dos 15 anos da Lei Maria da Penha.
Das Dores
(Eloy Melonio)
Não era apenas uma Maria.
Era essencialmente uma jovem mulher,
que sonhava
em namorar, em se casar, em se tornar
a feliz esposa de José de Ribamar.
Não era a mãe de todos como a outra,
mas tinha o Zezinho, a Mariazinha e a Nezinha.
E à noite se perfumava
para ser ainda mais Maria.
Dona de casa que do pouco muito tirava,
e cujos afazeres sem fim
varavam o fim do dia da fiel companheira
que até no domingo ia sozinha à feira.
Também não era como a Geni, mas dava sem reclamar,
sem poder escolher dia hora cama sofá.
Sem imaginar se no ato estaria deitada ou de quatro.
Enquanto a barca descia, a pobre Maria
já sentia a pesada mão de José,
o tal marido que de suas artimanhas a distraía.
Nos baixos da vida, chegou ao mais vil desencanto,
sofrida, abatida, à beira do abismo,
fingindo-se de viva, pois morta já quase estava.
Jamais pensou acordar sob os açoites da opressão,
sussurrando-lhe ao ouvido para não se esquecer
— nem por um instante sequer —
de que não passava de uma simples mulher.
Nessa teia de medo, angústia, aflições,
chorava suas dores, guardava suas feridas,
sem soltar o grito tão repetido em suas orações.
Um dia vestiu-se da Maria que sempre quis ser.
E sem mais esperar, fez a sua honra acontecer.
Enxugou as lágrimas e encheu-se de orgulho e razão
para dizer à delegada
que ali estava uma mulher que precisava de proteção.
Sem mais um minuto de resignação,
as palavras de Maria
dançam entre uma inefável emoção
e a certeza de um novo dia.
E agora, José?
Uma resposta em “Das Dores: poema de Eloy Melonio celebra a Lei Maria da Penha”
toada mulher
vem mulher
desnudar tua existência
contra a barbárie, que é classista e milenar
protagoniza numa luta mais completa
pela liberdade de não ser mais homem, em teu lugar
rompendo amarras da dependência psicológica
radicaliza teu mundo, num ritual sem cor
para além mulher, da cama e da cozinha
renascendo pro novo, destruindo a causa da dor
hoje, capitalismo e suas fontes de violências
valores invertidos, esmagadores de consciências
religiões, culturas, ciências, mídias, alienantes
mentes e corações, reféns de ideologias dominantes