A Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário – Cimi produziu uma nota técnica sobre a Resolução nº 4, que foi publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no dia 22 de janeiro e estabelece “critérios complementares para a autodeclaração indígena”. Na avaliação da assessoria, a resolução é inconstitucional, viola dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e contraria definições do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a Funai, a medida visa “padronizar e dar segurança jurídica” ao processo de autodeclaração indígena, como forma de “proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população”.
Na avaliação da Assessoria Jurídica do Cimi, a medida denota a intenção da Funai de “voltar a definir quem é ou não indígena, num retorno ao regime jurídico da tutela que embasava a atuação estatal antes da promulgação da Constituição de 1988, com o mesmo modus operandi do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI)”.
Ao contrário do alegado pelo órgão, a nota técnica aponta que o recente ato da Funai busca “tornar uniforme uma política integracionista, para mais uma vez extirpar, como ocorreu em especial no período da ditadura militar, direitos dos índios” e “impedir a continuidade da regularização dos territórios de ocupação tradicional indígena e colocar essas áreas à disposição de setores do agronegócio”.
Os critérios estabelecidos pela Resolução nº 4 tendem a tornar como não índios um enorme contingente populacional indígena, impedindo que tenham as terras demarcadas e que possam acessar políticas públicas específicas, como a vacina contra o coronavírus
“Essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos indígenas ao propor critérios sobre uma auto-identificação que é, por direito, subjetiva, não se reduzindo aos estereótipos ou características fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas ‘pré-colombianas’”, analisa a Assessoria Jurídica do Cimi.
Os critérios mais restritivos estabelecidos pela Resolução nº 4 “tendem a tornar como não índios um enorme contingente populacional indígena, impedindo que tenham as terras demarcadas e que possam acessar políticas públicas específicas, como a nova vacina contra os efeitos do vírus que assola o país, a demarcação de suas terras esbulhadas, o acesso à água potável, a segurança alimentar e nutricional das comunidades e proteção dos territórios e ecossistemas ambientais”, aponta a nota técnica.
Na prática, portanto, o ato administrativo da Funai “cria mais uma dificuldade ao reconhecimento e identificação das pessoas enquanto indígenas”, avalia a Assessoria Jurídica do Cimi. A avaliação é que a medida pode deixar desabrigada de diversas política públicas metade da população autodeclarada indígena.
A cifra estimada equivale ao número de indígenas que vivem em contexto urbano ou em terras não demarcadas e que foram excluídos do Plano Nacional de Vacinação do governo federal, que incluiu no grupo prioritário apenas 410 mil indígenas de povos “vivendo em terras indígenas”. Segundo o Censo do IBGE de 2010, há onze anos a população indígena brasileira já era de aproximadamente 900 mil pessoas.
A análise sobre a Resolução nº 4 da Funai destaca medidas e iniciativas da Funai nos últimos dois anos, como a Instrução Normativa 09/2020, que liberou a certificação de propriedades particulares sobre terras indígenas não homologadas, para ilustrar que o órgão tem se posicionado deliberadamente “contrário aos interesses dos povos originários do Brasil e às legislações e jurisprudências nacionais e internacionais”.
A Nota Técnica conclui que a Resolução nº 4 deve ser revogada imediatamente pela Funai, “por afronta direta à nossa Constituição”.
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Imagem destacada / Manifestação indígena em frente ao Palácio do Planalto, em 2019. Foto: Adi Spezia/Cimi