Confira nota do FNDC contra a tentativa de desligamento da rádio mais antiga de Minas Gerais, patrimônio do povo mineiro e referência de comunicação pública no estado.
No dia 4 de abril, menos de duas semanas após assumir efetivamente a Secretaria de Cultura, o secretário de Turismo e Cultura do governo de Minas Gerais, Marcelo Matte, anunciou o desligamento da frequência AM da Radio Inconfidência por motivos técnicos, alegando obrigação de cumprimento do decreto N°8.133 de 7 de novembro de 2013, que prevê a adaptação do serviço de radiodifusão sonora AM de caráter local para a frequência FM até 2023.
A Radio Inconfidência existe há 83 anos, e ganhou o nome de Gigante do Ar por ser um dos poucos veículos de comunicação de Minas Gerais a alcançar todos os municípios por meio de suas ondas AM. São inúmeros os municípios do Estado que, em razão do péssimo sinal de televisão e de Internet, a Radio Inconfidência AM é o único meio de informação e comunicação da população.
Apesar de ter afirmado seu compromisso em manter as emissoras públicas Rede Minas e Radio Inconfidência e fortalecer a EMC (Empresa Mineira de Comunicação), o governo de Romeu Zema, com essa medida, comprova sua falta de credibilidade, uma vez que suas ações vão em total desencontro com os compromissos alegados. De fato, o clima já estava tenso, após a demissão no final de março, de quatro funcionários da rádio, dentro os quais o músico Múcio Bolívar, âncora do programa Trem Caipira há 28 anos, um dos carros chefes da programação AM.
Além da drástica restrição de seu alcance, e da supressão dos programas dedicados à programação AM, essa medida abre também para ampla redução do quadro efetivo de funcionários que precisa ser combatida. Em audiência pública ocorrida no dia 11/04, na Assembleia Legislativa do estado, Solanda Steckelberg, secretária adjunta de Cultura, alegou seu compromisso em preservar a comunicação pública afirmando que o desligamento da frequência AM atendia exigências meramente técnicas, devido ao equipamento antiquado. Segundo ela, não haveria alternativa à extinção, pois não existiriam soluções técnicas para isso.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) rechaça esse argumento e defende, pelo contrário, que há soluções técnicas e políticas para melhorar o alcance da rádio no estado e permitir seu fortalecimento. Com isso, o FNDC denuncia antes de tudo a ausência de diálogo do governo sobre a medida.
A Gigante do Ar é patrimônio imaterial da sociedade mineira. Por se tratar de um bem público, as decisões impactando seu alcance no território e eventuais investimentos em torno da troca do material de transmissão precisam ser debatidas junto com os ouvintes, os funcionários da emissora, e a sociedade civil organizada. Para isso, há instâncias legítimas que precisam ser urgentemente implementadas: trata-se do conselho curador da Empresa Mineira de Comunicação (responsável desde 2016 de coordenar a política de comunicação pública do Estado) e do Conselho Estadual de Comunicação, que tem a responsabilidade de propor um plano para política pública de comunicação em Minas Gerais.
Não há pressa em querer aplicar um decreto que prevê sua aplicação até 2022. Ainda mais quando o próprio decreto é meramente facultativo e concentra explicitamente seu foco na “radiodifusão sonora de ondas médias de caráter local” (caput) que não é o caso da Radio Inconfidência. Aos argumentos de falta de recurso para renovação do antigo material e manutenção da rádio, respondemos que o sucateamento não será nunca a solução.
Uma reorientação das verbas publicitárias do Poder Executivo e Legislativo estadual e a decisão de implementar a Empresa Mineira de Comunicação na prática, permitindo abertura para novas fontes de fomento e patrocínio, são soluções de rápido alcance do Estado a serem consideradas com prioridade.
No plano técnico, o FNDC solicita a realização e publicação de um relatório técnico independente para analisar o estado do transmissor AM e propor soluções orçadas de renovação a serem apresentadas aos conselhos. A dupla linguagem do governo precisa ser desvendada. Não se trata de uma contingência técnica, mas sim de prioridade política. Se o Governo esta comprometido a defender a comunicação pública ele precisa comprová-lo com ações claras. O FNDC, a sociedade civil, os funcionários da Rádio Inconfidência e os ouvintes de Minas Gerais estão dispostos e mobilizados para preservar o que é um patrimônio coletivo.
Belo Horizonte (MG), 24 de abril de 2019.