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Eloy Melonio

“E o mundo será como se fosse um” (John Lennon, na canção Imagine)

Fechei os olhos por alguns segundos para ter a certeza de que não estava sonhando. E inspirei-me na cena que prendeu o meu olhar de forma inescapável. Foi durante a festinha de formatura dos alunos do ABC (Alfabetização) da escola de minha neta, em dezembro do ano passado.

Refiro-me mais precisamente ao momento quando as crianças, entre 7 e 8 anos, estavam no palco, à vista dos pais, parentes e amigos, trajando a mesma roupa: beca e chapéu vermelhos. Os meninos de calça branca e as meninas com meias-calças brancas. Pareciam irmãos da mesma idade, com pequena diferença na altura, uns mais gordinhos que outros, e detalhes como cabelo, óculos.

O momento áureo, ao menos para mim, foi quando elas puseram uma máscara com a cara de um leão (o tema da festa era O Rei Leão). Aí sim, ficaram ainda mais parecidas umas com as outras. Tanto que, se pedissem a uma das mães para encontrar seu filho, ela teria certa dificuldade em identificá-lo.

Veio-me então o insight. Dei por mim devaneando: por que também não somos assim? Por que não somos iguais, unidos, como se fôssemos crianças? Quando digo “iguais” não quero dizer “fisicamente iguais”, mas iguais naquilo que é coletivo, relativo ao companheirismo, aos direitos e deveres, aos valores éticos e morais, às atitudes.

É um sonhador? Isso não faz o menor sentido?

Já posso até ouvir as objeções dos patrulheiros do politicamente correto e o grito dos reacionários de plantão. Aí, lembro-me de John Lennon: “Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas não sou o único” (Imagine). E do meu lado tenho alguns amigos da mais conceituada estirpe: Jesus, Luther King, Ghandi, Nelson Mandela, John Lennon.

E tudo isso coincidindo com as festas natalinas. Tempo de se ouvir Imagine, And so this is Christmas (ou a versão em português, interpretada por Simone). Tempo em que ficamos mais generosos, mais “chegados que irmãos”. E, no meu caso, coincidentemente, quando estava compondo uma música que fala sobre o sonho de sermos “uma só humanidade”.

Voltando à cena da festinha, tenho certeza de que, naquele momento (e quem sabe, em todos os outros), aquelas crianças viam-se apenas como amiguinhas, com uma só mente e um só coração. Ali não havia crianças negras, brancas, brasileiras, angolanas, gordinhas, católicas, umbandistas, feias, bonitas… havia crianças.

Infelizmente o mesmo não se pode dizer dos que estavam no auditório.

Aqui chamo a sua atenção para este “nosso tempo” em que, em vez de buscarmos união, igualdade, tendemos a nos isolar, formar grupos, segregar uns dos outros. Entendo (e defendo) a luta pelos direitos das minorias, dos injustiçados e marginalizados. Mas o que defendo, num nível bem mais humano e solidário, é que sejamos todos, em primeiro lugar, gente. E que a expressão “gente como a gente” seja mais real, mais significativa.

A nossa sociedade tende para um sistema em que cada vez mais as pessoas estão puxando “a brasa para a sua sardinha”. E cada vez mais novos grupos vão surgindo: o grupo dos que não gostam de música sertaneja (que odeiam os que gostam), o grupo dos que usam cabelos longos (que odeiam os que têm cabelos curtos) e assim por diante. Recentemente um deputado apresentou um projeto de lei para criar “a semana de valorização do heterossexual” (Veja [Conversa], 6-12-2017). Será que ele não sabe que a valorização está no respeito, e não numa data meramente representativa?

Como disse, é preciso garantir os direitos básicos a todos indistintamente: ao pobre, ao deficiente físico, aos homossexuais. Infelizmente, nosso pensamento e nossas atitudes precisam mudar em muitos aspectos.

O passo mais decisivo ― e paradoxalmente o mais difícil ― para atingirmos este patamar é a consciência individual. E como diz o anúncio de uma campanha de combate à intolerância e preconceito de uma rede de TV: “Tudo começo pelo respeito”. Posso não entender, não gostar, ou até mesmo não aceitar por que o “outro” faz ou age de forma diferente. Só não posso desrespeitá-lo por isso.

Em nossas resoluções de início de ano, podíamos todos pedir (“prometer”, seria bem melhor), em uníssono, que a sociedade se torne mais humana, mais respeitosa, mais tolerante e mais generosa. Quem sabe até criar um neologismo: umanidade, uma sociedade em que todos são um.

É tempo de ver e respeitar o outro como queremos ser vistos e respeitados. E assim finalizo com três citações relevantes:

“Todo mundo tem seu valor, suas riquezas e também suas fraquezas. A paz se constrói no corpo das diferenças, porque a unidade sempre implicará a diversidade.” (Papa Francisco [Citações na Veja, 6-12, 2017]).

“Fiquei pensando em como o avião é elemento aglutinador, capaz de igualar os seres, transformando-os num bloco unitário” (Maria Julieta Drummond de Andrade, Um Buquê de Alcachofras, p. 14).

“Enquanto não for bom para todos, não será bom para ninguém” – Mylene Pereira Ramos, juíza do trabalho (Veja [Página Aberta – 24-1-2018])

  • Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

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