Filósofo bastante visitado na atualidade, o sul-coreano Byung Chul-Han vem chamando atenção com os seus escritos sobre a relação entre o ser humano e os dispositivos tecnológicos.
Em várias obras publicadas pela editora Vozes, o escritor expõe as contradições entre liberdade e escravidão no contexto da era digital.
Para algumas profissões necessariamente vinculadas ao mundo tech, o prometido ócio ou a economia de tempo está revelando o inverso; ou seja, a suposta liberdade escraviza.
Byung-Chul Han fez doutorado em Friburgo (Alemanha), em 1994, com uma tese sobre Martin Heidegger. Atualmente é professor da Universidade de Artes de Berlim. Ele estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique.
Na obra “No enxame: perspectivas do digital” o autor faz associações entre o tempo dedicado ao trabalho como uma forma de coação da lógica capitalista contemporânea.
Segundo Byung Chul-Han, na fase das máquinas industriais o trabalho pressupunha um lugar para onde nos deslocávamos e exercíamos as atividades laborais.
Na era digital o trabalho otimizado pelos dispositivos móveis é intermitente e está em qualquer lugar, inclusive no sono.
“Hoje somos, de fato, livres das máquinas da época industrial, que nos escravizavam e nos exploravam, mas os aparatos digitais produzem uma nova coação, uma nova exploração. Eles nos exploram ainda mais eficientemente na medida em que eles, por causa de sua mobilidade, transformaram todo lugar em local de trabalho e todo o tempo em tempo de trabalho. A liberdade da mobilidade se inverte na coação fatal de ter de trabalhar em todo lugar”
Veja abaixo mais excertos do livro “No enxame: perspectivas do digital” (Vozes, 2018, p. 64-65)
O imperativo neoliberal do desempenho transforma o tempo em tempo de trabalho. Ele totaliza o tempo de trabalho. A pausa é apenas uma fase do tempo de trabalho. Hoje não temos nenhum outro tempo senão o tempo do trabalho. Assim, o trazemos não apenas para as [nossas] férias, mas também para o [nosso] sono. Por isso dormimos inquietos hoje. Os sujeitos do desempenho esgotados adormecem do mesmo modo com que uma perna adormece. Também o relaxamento não é mais do que uma modalidade do trabalho na medida em que ela serve para a regeneração da força de trabalho. A recuperação não é o outro do trabalho, mas sim o seu produto. Também o assim chamado desaceleramento não pode gerar um outro tempo. Ele é, igualmente, uma conseqüência, um reflexo do tempo de trabalho acelerado. Ele apenas diminui a velocidade do tempo de trabalho, em vez de transformá-lo em um outro tempo.
Hoje somos, de fato, livres das máquinas da época industrial, que nos escravizavam e nos exploravam, mas os aparatos digitais produzem uma nova coação, uma nova exploração. Eles nos exploram ainda mais eficientemente na medida em que eles, por causa de sua mobilidade, transformaram todo lugar em local de trabalho e todo o tempo em tempo de trabalho. A liberdade da mobilidade se inverte na coação fatal de ter de trabalhar em todo lugar. Na era das máquinas, o trabalho, simplesmente por causa da imobilidade das máquinas, era delimitável em relação ao não trabalho. O local de trabalho, ao qual era preciso se dirigir por conta própria, se deixava separar claramente dos espaços de não trabalho. Hoje essa delimitação é completamente suprimida em algumas profissões. O aparato digital torna o próprio trabalho móvel. Todos carregam o trabalho consigo como um depósito de trabalho. Assim não podemos mais escapar do trabalho. Dos smartfones, que prometem mais liberdade, parte uma coação fatal, a saber, uma coação da comunicação. Com isso se tem uma relação quase obssessiva, compulsória [zwanghaft] com o aparato digital. Também aqui a liberdade se inverte em coação. As redes sociais fortalecem enormemente essa pressão de comunicação. Ela resulta, em última instância, da lógica do capital. Mais comunicação significa mais capital. A circulação acelerada de comunicação e informação leva à circulação acelerada de capital.
Imagem destacada / Cena do filme “Tempos modernos”, de Charles Chaplin. EUA, 1936