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3 é 10

Eloy Melonio é professor, escritor, letrista e poeta.

Se isso é verdade, não sou eu quem vai descascar esse abacaxi. E, para não dizerem que não falei dos números, ei-los aqui. Não são muitos, massabem contar.

Obedecendo à tradição, vamos pelo começo. Ou seja, pela criação do mundo, como está no Gênesis. Porque, até então — se é que havia “então” nessa época —, tudo era apenas um vazio. Na criação, 1 Ser onipotente (Deus, para os mais íntimos) criou “o céu e a terra”. Até a referência bíblica é original: Gênesis 1:1. Daí em diante, mandou ver, criando isso e aquilo. Inicialmente, 1 de cada espécie: 1 dia, 1 homem, 1 mulher. E, logo, 1 estava, numericamente, cercado de parceiros. Mas manteve a originalidade: 1 é e sempre será 1. O primeiro da fila, impondo até hoje essa tradição. Por isso, talvez, só exista 1 rei, 1 presidente, 1 papa, 1 pai e 1 mãe. Mesmo assim, há quem diga que “1 é pouco”. Ou que “mais vale 1 na mão que dois voando”. Vascaíno, revigoro-me sempre que ouço o hino do nosso maior rival: “1 vez Flamengo, sempre Flamengo”.

Abro “aqui”um espaço para o 0 (zero). Sim, porque 1 não admite ninguém antes dele. Já o 0, num contexto positivo, é bem-vindo à direita de qualquer número. Na camisa do Rei Pelé, puro orgulho à direita do 1. Mas, sozinho, ou à esquerda, é uma negação. Um candidato com 0 voto é um “zeracreditado”, concorda comigo? Se é assim, fuja do 0 à esquerda como a língua francesa foge dos “neologismos”. E mais: tem coisa mais chata do que 0x0 num jogo de futebol? E um zerado voltando à estaca 0? Acho que isso dá uma boa piada de “stand-upcomedy”, não dá? Zeros à parte, tem coisa melhor do que um carro 0km?

“Um, dois/ feijão com arroz.” Saudade das parlendas que deixavam a cabeça das crianças fervilhando! Pois é, 2 também lembra as “duplas”, que são indubitavelmente um verdadeiro show, nos palcos, nas quadras. Na música, tantas que não ouso listar aqui. Na dança de salão, por causa da sincronia, 2 tem de ser 2 — indo e voltando. Elis Regina entendia desse bailado: “Te convidei pra dançar/ A tua voz me acalmava/ São dois pra lá, dois pra cá”. Na citação de Quintana, uma triste constatação: “Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro”. Essa construção numérico-lexical nos lembra que Jesus não hesitou entre os 2 ladrões crucificados ao seu lado. Levou consigo o crente Dimas, hoje santo oficial pelo Vaticano. O outro — ah, coitado! —, acho que esse vive penando por aí.

“ABACAXI, 3 é 10.” Juro que essa eu vi. Não comprei porque a banca ficava à margem de uma avenida movimentada. Para um gaúcho, promoção “trilegal”. Numa só noite, o apóstolo Pedro viu a profecia de seu mestre se confirmar 3 vezes. Das muitas coisas que nos escapam, 3 nunca voltam: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Para o Cristianismo, 3 é o número da perfeição, pois representa a “trindade”. Mas, para um boêmio carioca, apenas um jeito de viver a vida: samba, cerveja e futebol. Quem foi o louco que disse que 3 é demais?

“Dois mais dois?” —eu perguntava a um coleguinha. “4” — respondia ele. E eu fechava a operação: “Aqui teu retrato!” (foto ou desenho de pessoa muito feia). E haja risadas! Na escola, nunca fui 4-olhos, mas tinha inveja de quem usava óculos. Hoje, os meus me ajudam a ver mais as letras do que os números.

Se temos 5 dedos em cada mão, qual deles é o mais útil? Respostas diferentes de um violonista e de um artista plástico. Fiquei assustado quando vi um peladeiro de praia que caía muito. Disseram-me que era por que lhe faltava um dedo no pé esquerdo. Adivinhe qual? Se pensou no “mindinho”, gol de placa. Parabéns! E, assim o 5 fica ali, no meio do caminho entre 1 e 9. Não se pode depreciar nenhum dos nossos 5 sentidos, assim como nenhum dos 5 dedos do pé. Se faltar um deles, a coisa pode ficar tão feia quanto o “mindinho” do nosso peladeiro.

Posso estar errado, mas nem todos os números são poderosos como o 6. Essa constatação mais matemática do que religiosa ou filosófica. Aquela coisa do “ser ou não ser” não combina com o 6. Porque o 6 simplesmente é. Na matemática, o número perfeito é igual à soma de seus divisores. E, assim, 6 pode ser dividido por 1, 2 e 3, e a soma desses números é o próprio 6. Agora experimente fazer isso com o 7, o 8 ou o 9. E eis que – de 6 em 6 dias –vem sexta! Ou “sextou”?! Pois é, a sexta tá louca para tomar o lugar do sábado. Será que isso tá “seistinho”?

“Samba da Gávea”, do carioca Wanderley Monteiro, revela: “No jogo tem 4, tem 8, tem coringa/ Tem dama, tem rei e tem valete/ Mas a carta que me fascina/ É aquela que tem o número 7”. É, meus amigos, o samba ainda nem era sombra do que é hoje e Pitágoras já dizia que o 7 é “sagrado, perfeito e poderoso”. Quantos são os “pecados capitais”? E as cores do arco-íris? O 7 também traz tristes lembranças. Copa de 2014 (2+0+1+4=?). Alemanha 7 a 1 no Brasil. Só em pensar nisso, meu coração bate 7 vezes mais rápido. Nosso consolo está no 7 da camisa de Garrincha. E nas 7 quedas do Rio Paraná que formam as Cachoeiras do Iguaçu (RS), uma das 7 maravilhas do mundo natural. Se no seu samba tá faltando o 7, talvez seja a hora de pular 7 ondas na praia da Consolo, mesmo antes do Ano Novo.

Nas esquinas da vida, precisamos tomar decisões rápidas e sábias. Algumas vezes, é “tudo ou nada”. Outras, “8 ou oitenta”. Diante dessa determinação do 8, reparto com você este provérbio japonês: “Caia sete vezes; levante-se oito”. O certo mesmo é que toda voz fanhosa é apenas uma“obre 8-tada”.

Você ainda lembra da prova dos 9, na escola primária? É cheio(a) de 9-horas quando quer impressionar os outros? Se “um é pouco, dois é bom e três é demais”, o que dizer do 9, o último da lista? Sei lá! Talvez o 9 tenha tanta coisa para nos revelar que não vale a pena ficar correndo atrás das borboletas.

Confesso que os números não são meu jogo predileto. São frios e metidos a besta. Prefiro as cartas quentes das letras. Por isso vou parafrasear os versos do Wanderley Monteiro: “Na crônica tem palavras, tem números, tem ideias/ Tem humor, tem ironia, tem sarcasmo/ Mas o que me move, afinal/ É este fascínio por sua sacada lexical”.

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