O Novo Ensino Médio (NEM) aprovado em 2017 pela Lei 13.415, oriundo da Medida Provisória 746/2016 inaugurou uma nova ofensiva do projeto do capital para educação no âmbito da educação básica. Na época, em setembro de 2016, com a notícia da instauração da nova organização do ensino médio, centenas de escolas foram ocupadas por estudantes que durante semanas gestaram, de forma auto organizativa, seus espaços escolares.
Medida Provisória é um resquício dos anos de chumbo, com característica autoritária e sem respeito aos tramites nas casas legislativas no país. É um instrumento que, conforme a lei, deve ser utilizado em casos de extrema relevância e urgência, o que não se aplicava ao contexto das mudanças estruturais do NEM. Várias associações científicas, entidades e movimentos sociais se posicionaram contrários ao que estava sendo imposto sem um processo amplo e democrático de discussão.
Hoje, após seis anos da aprovação da Lei que institui o NEM, várias redes, sobretudo as estaduais, tem implementado o modelo fracassado pela forma e conteúdo. As disciplinas vinculadas ao pensamento científico, filosófico e artístico foram reduzidas substancialmente dando lugar à “arranjos” curriculares dos mais diversos tipos, sem a garantia do acesso ao conhecimento historicamente sistematizado e acumulado pela humanidade.
O NEM apresenta uma concepção de formação esvaziada e fragmentada, aprofundando a dualidade estrutural, com a criação de um modelo mais rico pedagogicamente para as escolas privadas e um modelo empobrecido para as escolas públicas brasileiras. A precarização do trabalho docente se aprofundou com a implementação do NEM, acrescentando, também, o processo de privatização da rede pública, onde concentra 84,2% das matrículas (Resumo Técnico do Censo da Educação Básica, 2022).
Fundamentada na Pedagogia das Competências, alinhando-se, portanto à BNCC, o NEM concentra seus objetivos em garantir a reprodução da força de trabalho para atender ao processo de exploração e de apropriação privada do resultado do trabalho. Confude-se mercado de trabalho com mundo do trabalho, ignorando que parcela significativa da juventude estão em empregos sem direitos ou mesmo encontram-se no dilema “nem-nem”: nem estuda e nem trabalha. Nesse contexto, a juventude pobre e periférica é empurrada para a informalidade e para o processo de desescolarização, com acesso apenas ao que é imediato e pragmático. Assim, pode-se dizer que a maior contribuição do NEM é para com o acirramento das desigualdades.
A taxa de abandono no Ensino Médio foi de 20,8% em 2020. Esses índices aumentaram até 2022, reflexo também do modelo imposto pela contrarreforma. Nesta etapa da educação básica as matrículas de pessoas pretas/pardas são de 54%, de pessoas brancas, 44,8%, de pessoas amarelas/indígenas 1,5% e 23,5% não declaradas. Ou seja, a discussão do acesso, permanência e conclusão no ensino médio também perpassa o debate socioeconômico e as discussões ético-raciais.
As inúmeras dificuldades internas para a implementação do NEM foram amplamente anunciadas por professores e pesquisadores bem antes delas acontecerem e as justificativas apresentadas agora pelos defensores do novo formato do ensino médio, que vão da má gestão na execução à falta de políticas e esforços governamentais, não conseguem explicar o desastre, revelado inclusive pela dificuldade de adequar o ENEM a este e, consequentemente, acessar à educação superior. O prejuízo formativo é claro, alunos, cujas escolas já estão vivenciando o Novo Ensino Médio não estão preparados para responder as questões do ENEM, há uma perda significativa de conteúdos, uma vez que houve redução drástica da carga horária de humanas e de naturais, em favor de generalidades, para as quais os docentes, também não foram formados. Importante destacar também que o currículo do Ensino Médio não deve ser submetido à lógica das avaliações em larga escala, mas não deve ignorá-las.
Nesse sentido, cumpre observar o descompasso entre as licenciaturas e o NEM, isso porque elas foram alijadas do seu processo de construção. As várias políticas aprovadas com vistas a fortalecer as licenciaturas ao longo dos anos, bem como programas (como PIBID e Residência Pedagógica, que visam complementar e aprimorá-las) agora parecem obsoletos. De certo que os poucos representantes das IES nas comissões de elaboração das propostas curriculares estaduais do NEM, em sua grande maioria, não trouxeram o debate para a Universidade, no caso da UFMA isso é facilmente constatado, as licenciaturas foram totalmente isoladas, porém, é também inegável o pouco interesse por parte dos “patrocinadores” do NEM nessa interlocução, o que sem dúvida serviu para aumentar o abismo entre as IES e as Escolas, explicação que, no entanto, não retira da primeira o peso da omissão e, por conseguinte, da falta de um efetivo compromisso institucional e social. Perdeu-se, na ocasião, a oportunidade de fazer uma grande mobilização contra o NEM, diga-se de passagem, nem mesmo o Fórum das licenciaturas cumpriu seu papel, e, novamente, a Universidade segue apática diante do tema, contando com iniciativas particulares de seus docentes, representantes estudantis e sindicatos, sem o devido e necessário engajamento da Instituição.
Mesmo com as notícias vinculadas na mídia no último dia 03 de março, sobre a revogação da Portaria 521, de julho de 2021 (estabelece o cronograma de implementação do NEM), a luta pela revogação do Novo Ensino Médio permanece atual e necessária. A suspensão do cronograma não garante a anulação e, ainda, não há sinalização para outros mecanismos legais que dão sustentação a esse modelo. Além da Lei 13.415/2017, é necessário revogar a Resolução n.3 de 2018, que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, que prevê parte da carga horária (CH) a ser ofertada por Ensino a Distância, sendo 20% da CH no Ensino Médio Regular, 30% no Ensino Médio noturno e 80% na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ainda, a Portaria 733, de setembro de 2021 também deve entrar no pacote do “revogaço”, pois aprofunda a estruturação de ações específicas para o programa de Itinerários Formativos.
O Movimento UFMA Democrática com Compromisso Social entende que defender a revogação do NEM é firmar um compromisso social com a formação de milhares de jovens e adultos em seu pleno direito à educação de qualidade, socialmente referenciada. Discutir esta etapa da educação básica requer um amplo debate democrático com todos e todas que constroem a educação brasileira, sobretudo com aqueles e aquelas que estão no cotidiano das escolas deste país, mas a Universidade não pode aceitar estar a margem dessa discussão. Podemos avançar na construção coletiva de um ensino médio consolidado e fortalecido, com bases sólidas de formação propedêutica no sentido de garantir um desenvolvimento humano, com leitura e intervenção no mundo de forma crítica.
Adriely Almeida Costa – Discente Cultura e Sociedade CCH/UFMA
Marise Marçalina de Castro Silva Rosa – Educação CCSO/UFMA
Micael Carvalho dos Santos – Música COLUN/UFMA