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Território usado, neoliberalismo e pandemia

Texto publicado no site “A Terra é Redonda”

Luiz Eduardo Neves dos Santos

Geógrafo, mestre em Economia (UFMA), doutorando em Geografia (UFC) e professor Adjunto I do Curso em Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Membro da Resistência PSOL/Maranhão.

“Qual é o novo conteúdo explosivo do território hoje?”[1], esta foi a indagação feita por Milton Santos em seu último livro publicado com Maria Laura Silveira em 2001, ano de seu falecimento. Foi feita no contexto do aprofundamento das desigualdades territoriais no Brasil em virtude da consolidação do sistema normativo neoliberal. Tal pergunta vai nortear esta reflexão, que tem em seu bojo uma visão geográfica.

A pandemia do COVID-19 em curso atualmente tem afetado a dinâmica socioespacial de muitos territórios no mundo, sobretudo àqueles em que seus governantes se recusam a encarar de frente sua gravidade, a exemplo de Donald Trump, que chegou a defender o fim do confinamento em seu país[2] já em abril e o presidente Jair Bolsonaro, que nos idos de março afirmou que a economia não podia parar[3]. Não por acaso, Estados Unidos e Brasil lideram, em termos absolutos, o número de casos e de óbitos por coronavírus no mundo. Os dois países juntos concentram 41,3% de infecções e 36,4% de mortes em todo o planeta[4].

As declarações de Trump e Bolsonaro – que encontram apoio entre dezenas de milhões de pessoas – revelam seus principais objetivos na posição que exercem: a saúde do mercado financeiro tem de estar acima de tudo, até mesmo da saúde das pessoas. Este é um dado fundamental para se entender o poder neoliberal na atualidade, compreendido nas palavras de Dardot e Laval[5] como uma “racionalidade, que tende a estruturar não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos governados”. Tal racionalidade se manifesta como biopoder pela vigilância dos corpos, e como psicopoder pelo controle e captura das mentalidades.

O neoliberalismo foi um projeto idealizado no fim dos anos 1940 por intelectuais como Karl Popper, Walter Lippmann, Friedrich Hayek e Milton Friedman que atacavam o Estado-Providência “afirmando que esse tipo de Estado destruía a liberdade dos cidadãos e a competição, sem as quais não há prosperidade”[6]. Tal projeto foi posto em prática no fim dos anos 1970 por Margareth Thatcher, Ronald Reagan e Augusto Pinochet, traduzido como um conjunto de discursos, práticas e dispositivos próprios de uma ideologia dominante, disfarçado por uma retórica que enaltece a liberdade individual, a autonomia, a meritocracia, o empreendedorismo, o livre mercado e que invade “os aparelhos do Estado, os quais tem a função de elaborar, apregoar e reproduzir esta ideologia, fato que é importante na constituição e reprodução da divisão social do trabalho, das classes sociais e do domínio de classe”[7]. A expansão das desigualdades e a intensa concentração de riqueza no mundo indicam que o projeto neoliberal tem alcançado êxitos.

No Brasil, o neoliberalismo possui suas raízes com a eleição de Collor em 1990, mas encontra na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) seu aprofundamento, e desde lá é uma realidade. Em se tratando dos fatos mais recentes, a conturbada conjuntura política e econômica brasileira desde as manifestações de junho 2013, passando pela eleição presidencial acirrada e polarizada em 2014 e o impeachment de Dilma Roussef em 2016 – em meio a uma forte recessão econômica no país – possibilitou, de forma mais visível e aberta, a instauração de políticas neoliberais e antissociais capitaneadas por Michel Temer e seus aliados no parlamento até culminar com a eleição de Bolsonaro em 2018 e seu programa econômico reformista e subserviente aos interesses imperialistas.

O governo Bolsonaro foi eleito sem qualquer projeto de país, sem proposições, no entanto se baseou numa retórica superficial de enxugamento do Estado, com discurso exaltado contra a corrupção, em favor da liberação de armas de fogo para a população, defendendo a meritocracia, a família, a moral, os bons costumes, os valores cristãos e se utilizando fortemente das redes sociais para disseminar notícias falsas, desinformação e ataques contra adversários políticos.

Mas de que forma o território no Brasil vem sendo afetado por políticas de cunho neoliberal? Antes de responder esta questão, é preciso entender o conceito de “território utilizado”[8], revelador de um conjunto de técnicas que são a base material da vida social, sendo seu uso o gerador de reconhecimento valorativo do espaço geográfico. O território usado antes de tudo é abrigo, o lugar das vivências, do trabalho, do lazer, dos encontros, mas é também recurso, tanto de sobrevivência de populações, como objeto de interesses do Estado em aliança com poderosas corporações capitalistas.

O Estado, “cuja principal função hoje é dobrar a sociedade às exigências do mercado mundial”[9], sob o comando de Bolsonaro, tem agido de forma a supervalorizar ainda mais o poder do capital e das classes dominantes, ao mesmo tempo que desdenha dos Direitos Humanos, ataca a sobrevivência dos povos tradicionais ao tentar afrouxar fiscalizações ambientais[10] em áreas de proteção, ao insistir em legalizar garimpos e liberar mineração em terras indígenas[11] e encorajar grileiros e desmatadores na Amazônia, ao permitir também a liberação excessiva de centenas de agrotóxicos[12], muitos dos quais proibidos em dezenas de países.

O sistema normativo neoliberal no país tem em Paulo Guedes, Ministro da Fazenda do governo Bolsonaro, seu maior e mais forte defensor. O ministro é um banqueiro que já serviu à ditadura Pinochet no Chile e tem trabalhado incansavelmente para a depredação e loteamento do Estado brasileiro em favor dos interesses corporativos privados e o consequente esvaziamento do fundo público e das políticas de assistência e seguridade social.

 Ao abrir toda uma série de possibilidades para a instalação de empresas e atores hegemônicos capitalistas globais, o Estado brasileiro permite que o território seja um “espaço da racionalidade”[13], que em certos lugares recebe adequações técnicas e políticas, permitindo ao grande capital aumentar a produtividade e auferir lucros e rendas exorbitantes. Não à toa as privatizações de estatais valiosas e estratégicas são um dos carros-chefes da atual administração. Os últimos vinte e cinco anos de comercialização do patrimônio brasileiro, com raras exceções, tem sido grandes negócios às empresas estrangeiras, que criaram uma certa densidade técnica no território via modernização, (rodovias, portos, telemática, torres de transmissão via satélite, turbinas de energia eólica, etc.) mas cobram caro por seus serviços, que nem sempre são oferecidos de forma qualificada.

O Brasil de hoje, sob o comando da extrema direita neoliberal e em meio a uma pandemia, se apresenta como um território que tende cada vez mais a ser desigual, seletivo e injusto, mediado por decisões autoritárias e de cunho fascista, de uma vida financeirizada, em que o valor de uso é escravo do valor de troca. A realidade imposta pelo COVID-19 agravou uma situação já quase insustentável na periferia do capitalismo, qual seja a pobreza e a miséria, representada pela escassez de comida, moradia, água potável e de acesso à renda pelos mais vulneráveis. E os prognósticos do pós-pandemia no Brasil se mostram ainda mais tenebrosos[14], já que a população não poderá contar com auxílios emergenciais[15] ou coisas do tipo, nem oferta de emprego digno. O que nos espera é uma crise sem precedentes, nas palavras de Slavoj Zizek[16], “o prevalecimento de um novo capitalismo bárbaro”, com a iminente falência do Estado com o que dele resta para promover o mínimo de políticas públicas voltadas à saúde, educação, assistência social, cultura e lazer.

A pandemia vigente e o que está por vir, enquanto ‘novo conteúdo explosivo no território’, é a potencialização do medo, das ansiedades, das depressões, da violência brutal, do racismo estrutural, no campo e na cidade, são ameaças reais diante dos nossos olhos, do tempo empiricizado do agora, momento que o Brasil atinge 100 mil mortes por COVID-19, isto por absoluta descrença e irresponsabilidade de um governo que se recusa levar a sério pesquisas científicas, autoridades médico-sanitárias e as recomendações de agências internacionais especializadas em saúde sobre o coronavírus.

Que não sejamos contaminados por novos vírus, qual seja o do ódio, da apatia, da indiferença, do conformismo, do silêncio e da aceitação da dominação política e econômica e do status quo. As condições para a realização de uma revolução estão postas, uma revolução dos comuns mundiais como apregoam Dardot e Laval[17], instituindo redes de cooperação permanente entre povos de diferentes territórios do mundo, afim de combater o perverso sistema normativo neoliberal, e isto só pode ser feito com base na práxis: nos incansáveis encontros, debates, diálogos, nas denúncias, mobilizações, levantes e protestos, nas mais diversas escalas.

E, como se sabe, as mudanças não virão de cima. A pandemia nos faz lembrar da utopia de Milton Santos[18], a possibilidade da humanidade se constituir como um grande e forte bloco revolucionário, apta a produzir uma nova história, com uma mutação filosófica dos povos, capaz de atribuir um novo sentido à existência no planeta.

[1] SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. 4. ed. São Paulo: Record, 2002. pág. 303.

[2] TRUMP pede o fim do confinamento por coronavírus nos EUA. IstoÉ Dinheiro (Portal Terra), São Paulo, 25 de março de 2020. Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/trump-pede-o-fim-do-confinamento-por-coronavirus-nos-eua/. Acesso em 6 de ago. 2020.

[3] ECONOMIA não pode parar por coronavírus, diz Bolsonaro à empresários. Revista Exame, São Paulo, 20 de março de 2020. Disponível em: https://exame.com/economia/economia-nao-pode-parar-por-coronavirus-diz-bolsonaro-a-empresarios/. Acesso em 6 de ago. 2020

[4] A partir dos números fornecidos pela Johns Hopkins University em 7 de agosto de 2020. Disponível em https://coronavirus.jhu.edu/. Acesso em 7 de ago de 2020.

[5] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. pág. 17.  (Coleção Estado de Sítio).

[6] CHAUÍ, Marilena. Ideologia da Competência. Belo Horizonte: Autêntica/ São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2016. pág. 85. (Escritos de Marilena Chauí, 3 – Organização de André Rocha).

[7] POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2015. pág. 27.

[8] SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. 4. ed. São Paulo: Record, 2002. pág. 247.

[9] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017. pág. 17.

[10] MOISÉS, José Álvaro. Governo afrouxa fiscalização do meio ambiente e recebe críticas de instituições financeiras. Jornal da USP, São Paulo, 21 de julho de 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/as-criticas-ao-pais-ameacam-acordos-entre-o-mercosul-e-a-uniao-europeia/. Acesso em 6 de ago. 2020.

[11] FERNANDES, Talita; URIBE, Gustavo. Bolsonaro assina projeto que autoriza garimpo em terras indígenas. Folha de São Paulo (Portal UOL), São Paulo, 5 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/02/bolsonaro-assina-projeto-que-autoriza-garimpo-em-terras-indigenas.shtml. Acesso em 6 de ago. 2020.

[12] SOBRINHO, Wanderley Preite. Número de Agrotóxicos liberados no Brasil é o maior dos últimos 10 anos. Portal UOL, São Paulo, 28 de novembro de 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimasnoticias/redacao/2019/11/28/com-novas aprovacoes-liberacao-de-agrotoxicos-ja-e-o-maior-da-historia.htm. Acesso em 6 de ago. 2020.

[13] SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. 392p. (Coleção Milton Santos; 1).

[14] CARMO, Márcia. Coronavírus: crise causada pela pandemia levará 30 milhões de latino-americanos à pobreza, afirma Cepal. BBC News – Brasil, Buenos Aires, 22 de abril de 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52378936. Acesso em 6 de ago. 2020.

[15] PUPPO, Fábio; BRANT, Danielle. Brasil não aguenta muito tempo de auxílio emergencial, afirma Guedes. Folha de São Paulo (Portal UOL), São Paulo, 5 de agosto de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/brasil-nao-aguenta-muito-tempo-de-auxilio-emergencial-afirma-guedes.shtml. Acesso em 6 de ago. 2020.

[16] ZIZEK, Slavoj. Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do Comunismo. São Paulo: Boitempo, 2020. Pág. 133.

[17] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A prova política da pandemia. Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/26/dardot-e-laval-a-prova-politica-da-pandemia/. Acesso em 6 de ago. 2020.

[18] SANTOS, M. Por uma outra globalização:do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000. 176p.

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Antigo Espaço Cultural Mestre Amaral será a Praça dos Poetas

Texto e fotos: Agência de Notícias / Secap / Governo do Maranhão

No Centro Histórico de São Luís, mais precisamente no espaço de sua fundação, encontra-se uma das principais concentrações de belos estilos arquitetônicos. Na esquina da avenida D. Pedro II com a Rua Newton Bello (Montanha Russa), mais uma obra vai compor o cenário. É a Praça dos Poetas, que o Governo do Maranhão pretende entregar até o aniversário da cidade.

No espaço, existiu um sobrado colonial entre o século XIX até meados do século XX, vizinho à antiga casa de Ana Jansen. O sobrado foi demolido e durante algum tempo funcionaram alguns restaurantes que tinham o privilégio da vista panorâmica para o Rio Anil. Com a saída dos restaurantes, o lugar permaneceu abandonado, deteriorado pela ação do tempo, e por último foi ocupado pelo grupo cultural de Tambor de Crioula do Mestre Amaral.

Mestre Amaral / divulgação / capturada aqui

“A valorização dos espaços públicos tem sido marcante no Governo Flávio Dino, e a Praça do Poetas é mais um investimento para a transformação das cidades”, ressaltou o secretário de Estado da Cultura, Anderson Lindoso.

A Praça contará com um mirante e, no trajeto até ele, serão homenageados 10 escritores e poetas maranhenses. Ferreira Gullar, Catulo da Paixão Cearense, Nauro Machado, Sousândrade, Bandeira Tribuzzi, José Chagas, Gonçalves Dias, Maria Firmina, Dagmar Destêrro e Lucy Teixeira.

Vista panorâmica da Praça dos Poetas (Foto: divulgação)

O espaço terá, ainda, quiosques, banheiros públicos e tratamento paisagístico, além de detalhes arquitetônicos que remontam o colonial e o moderno.

“A área construída de 1.130m² buscou traçar linhas de cobertura singelas a fim de não carregar e obstruir a vista da cidade, buscando uma releitura entre a arquitetura colonial e a modernista”, informou Eduardo Longhi, arquiteto e superintendente de Patrimônio Cultural, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura.

A obra integra o Programa Nosso Centro, do Governo do Estado, e faz parte de um amplo programa de requalificação da cidade antiga, por meio de ações como o Programa de Revitalização do Centro Histórico da Prefeitura de São Luís, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o PAC Cidades Históricas, do Governo Federal/IPHAN.

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Idiocracia: um filme do futuro para pensar o presente

A convite do Programa de Educação Tutorial (PET) de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), coordenado pela professora Maria da Glória Serra Pinto de Alencar, participei do projeto “Cinedebate PET Biblio” junto com os alunos e o jornalista e filósofo Paulo Iannone, assessor de comunicação do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

Após assistirmos ao filme “Idiocracia”, dialogamos sobre o tema “Mídia, poder e crise social: o discurso da imbecilidade na sociedade contemporânea”.

Veja ao fim da postagem como baixar para assistir.

O filme, de 2005, é ambientado no ano de 2505, protagonizado por um militar e uma prostituta selecionados para fazer parte de um experimento militar secreto que os coloca em hibernação.

A dupla é congelada para acordar no futuro, mas o projeto caiu no esquecimento e os dois caixotes congelados ressurgem 500 anos depois, num mundo embrutecido, controlado por um ex-ator pornô e halterofilista eleito presidente.

Idolatrado pela massa entorpecida por consumismo e alienante programação dos meios de comunicação, o presidente comanda todos os tipos de aberração junto ao seu secretariado corrupto, comparsa dos poderes judiciário e legislativo transformados em aberrações, além do gigantesco aparato policial repressivo.

O presidente bélico de Idolatria

As deploráveis aparições públicas do presidente e as sessões de bizarrice no parlamento só não são piores que as cenas ocorridas em uma arena de “reabilitação”, onde as pessoas sentenciadas à morte, sem provas, são executadas em rituais de sadismo coletivo nas arquibancadas.

O filme serve de inspiração para refletir sobre os fatos reais que vivenciamos hoje no Brasil, nos Estados Unidos e mundo afora, onde cresce a onda obscurantista.

Várias cenas de “Idiocracia” já são percebidas atualmente. A negação da Ciência e do Jornalismo, dois campos de produção do conhecimento fundamentais do processo civilizatório, é sinal de uma caminhada de retrocesso à barbárie.

Quando acordam na América do futuro, o militar e a prostituta veem o caos: montanhas de lixo compõem o relevo das cidades, a língua foi trocada por gírias, as agressões físicas e verbais tomam o lugar do argumento, o ódio às mulheres e aos homossexuais é uma regra e a idolatria pelo presidente pornô está elevada à máxima potência.

O nível de obscurantismo chegou ao cúmulo de abolir o uso da água e introduzir em seu lugar um líquido verde produzido pela empresa “Brawndo”, controladora de quase tudo no planeta.

Assim, a água passou a ser considerada imprópria para beber, tomar banho e regar as plantações, sendo usada apenas nos aparelhos sanitários.

Todo o filme está pautado na reprodução das pessoas idiotas em larga escala como única forma de sobrevivência no mundo caótico.

Em meio à massa idiota, o militar acaba sendo o sujeito mais inteligente do planeta, sendo convocado pelo presidente pornô a resolver os problemas da humanidade, com um cargo no alto escalão do governo.

Seu principal desafio é convencer o país de que a água deve ser usada nas plantações…

Num mundo apocalíptico, pautado na negação da razão, onde o telejornal é um espetáculo burlesco apresentado por um casal de bombados, em que tudo se converte em mercadoria controlada por uma só empresa, as pessoas são transformadas em animais bovinos tangidos por consumo de propaganda grotesca, batata frita e pornografia. Há, no filme, um impressionante culto à masturbação….

A idiocracia tem como principais substâncias a negação do pensamento, a destruição dos preceitos civilizatórios, o desprezo pelos mínimos valores morais e a mutação da política em um bizarro espetáculo de violência e sensacionalismo.

O grande ativo da idiocracia é o indivíduo que não reflete sobre o que faz ou diz, apenas acredita nas suas convicções independentemente dos fatos e dos critérios de verdade. Ele também expressa desprezo pela dor da outra pessoa e usa sempre a violência física ou verbal no lugar da argumentação.

Expressões como “não sou coveiro”, “e daí?!” ou  “é apenas uma gripezinha” têm alguma semelhança com a ficção?

A idiocracia é o império da intolerância, traduzida na impossibilidade da convivência com o diferente; ou seja, a morte da política.

O filme é uma lente de aumento sobre o negativismo e o obscurantismo, que no Brasil já domina uma parte da população.

Na Grécia, idiota era a pessoa restrita ao ambiente da vida privada sem interesse nos assuntos da cidade e nas questões do Estado. Em outras palavras, não participava das decisões sobre a polis. Para os gregos, idiota era uma pessoa sem instrução e, nessa condição, considerado inferior.

Ainda não havia naquela época histórica a conotação pejorativa sobre a expressão idiota.

O problema, na contemporaneidade, é a ressignificação do conceito e a expressiva participação dessa forma de comportamento na vida pública.

A internet e os equipamentos de produção e distribuição de conteúdo proporcionaram as condições materiais e virtuais para a difusão da idiotia como fenômeno social.

O idiota não é mais o indivíduo grego ensimesmado na sua tarefa de prover a vida doméstica sem se importar com a coletividade. Nos tempos atuais o idiota participa ativamente da polis, vai às manifestações de rua, prega a destruição das instituições, despreza a Ciência, repudia o Jornalismo, idolatra o presidente bizarro, é agressivo, convicto da sua verdade e não admite o contraditório.

Enfim, os sinais do filme estão vivos em nosso cotidiano.

Tomara que a vida não imite a arte.

Como assistir ao filme Idiocracia

O único homem inteligente…

O filme não está disponível nas plataformas YouTube nem canais fechados de TV ou Netflix e assemelhados.

Para acessar o conteúdo é necessário, primeiro, baixar o programa Utorrent e em seguida fazer o download pelo link (https://ondebaixa.com/idiocracia-download-via-torrent/)

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Dez obras públicas são revitalizadas por detentos no Maranhão

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) segue com mais um convênio, formalizado com a Agência Executiva Metropolitana (AGEM), para a revitalização de 10 obras públicas em São Luís, com o uso da mão de obra carcerária. Destas, quatro já foram entregues e as demais seguem em execução ou estão prestes a serem iniciadas. 

Com a parceria, os detentos devem iniciar a construção de seis novas obras para a população de São Luís, como a Praça Alexandra Tavares, no bairro da Cidade Olímpica, que já está em andamento. Em breve, iniciam novos serviços de reforma e revitalização de uma praça no bairro da Vila Cascavel e uma praça e uma quadra de esportes no bairro da Estiva. E, na programação, ainda há mais duas praças, sendo uma no bairro do Ipase e a segunda no Vinhais. 

As obras que estão sendo entregues beneficiam, principalmente, áreas mais carentes atendidas pelo Governo do Estado. “Este convênio é mais uma forma de levar lazer aos bairros e de oportunizar aos internos uma forma de aprenderem uma nova profissão, além de gerar uma economia de 40% ao Estado”, explicou o secretário de Estado de Administração Penitenciária, Murilo Andrade.

Detentos trabalhando na obra da praça do Caratatiua (Foto: Divulgação)

Com o convênio, 56 internos já foram inseridos em atividades de trabalho, por meio da utilização, até agora, de 33.652 blocos e meio-fio de concreto para colocação de piso e calçamento. Os blocos foram produzidos pelos internos nas seis fábricas instaladas nas unidades prisionais de ressocialização e na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).

Com o convênio, o projeto é capitaneado pela AGEM para a construção de espaços de esporte e lazer, nos perímetros urbano e rural de São Luís. “A parceria é bastante positiva ao envolver o setor social e de infraestrutura, com a inclusão e aproveitamento do trabalho de internos e consequentemente de reestruturação das áreas urbanas”, disse o presidente da AGEM, Lívio Jonas Mendonça Corrêa.

Praça Odorico de Matos, no bairro do Caratatiua, após reforma (Foto: Divulgação)

Os serviços de revitalização realizados pela parceria já foram concluídas e entregues outras quatro obras. A Praça Marechal Rondon, no bairro Outeiro da Cruz; a Praça Odorico de Matos, no bairro do Caratatiua; e duas escadarias no bairro da Floresta, próximo ao bairro da Liberdade.

As reformas realizadas pelos internos incluem serviços na área da construção civil, serviços de pintura, paisagismo e pavimentação, recuperação de calçamento com meio-fio, colocação de degraus, bancos, canteiros, piso interno, entre outros.

Imagem destacada / divulgação / Bloquetes de cimento produzidos por apenados

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Copo vazio

Texto do jornalista Benedito Lemos Junior

O ano é de 1974, Gilberto Passos Gil Moreira, ou simplesmente Gilberto Gil, após um jantar, olha para um copo vazio logo ali, após alguns tragos de vinho e eis que brota um de seus belos rebentos, “Copo Vazio”: um poema, uma canção, uma melodia que “embala”, até os dias de hoje, gerações para “lembrar que o ar sombrio de um rosto está cheio de um ar vazio daquilo que no ar do copo ocupa um lugar”.

E, assim, “Copo Vazio” virou uma marca de uma geração, que sempre aos finais de semana e em encontros marcados ou casuais, não podia deixar faltar a lembrança, reviver e celebrar que “o ar no copo ocupa o lugar do vinho, que o vinho busca ocupar o lugar da dor, que a dor ocupa metade da verdade, a verdadeira natureza interior”.

Éramos uma geração de utopias, sonhos, conflitos, intensas paixões, mas também com seus dilemas, seus conflitos, suas metades; “uma metade cheia, uma metade vazia; uma metade tristeza, uma metade alegria, a magia da verdade inteira, todo poderoso amor”.

E, assim, sempre íamos seguindo a vida andando com fé, esperança em dias melhores para todos, carregando em nossas costas a vontade de mudar o mundo, conquistar a “paz” e sermos livres de todos os preconceitos ou ideias pré-concebidas.

E, essa era nossa fé, “num pedaço de pão, na maré, na lâmina de um punhal, na luz e na escuridão”, como dizia Gilberto Gil: “Que a fé não costuma faiá na manhã ou no anoitecer, ou no calor do verão”.

Mas, nem sempre era tão fácil, eram muitas as dificuldades, as lutas diárias, as batalhas que davam vontade de fugir para “outro lugar comum, o outro lugar qualquer, onde haja só meu corpo nu junto ao seu corpo nu”.

A vida foi e vai se transformando como uma antena parabólica camará de Gil que, muitos antes de muitos, já dizia “quando dava, quando muito, ali defronte, o horizonte acabava. Hoje lá trás dos montes, den de casa”, podemos girar, o mundo, num mundo que as voltas dão.

Voltas que dão e retornam ou permanecem no mesmo lugar: a violência, seja ela física ou psicológica, e o desrespeito contra a mulher continuam assustadores e o machismo fazendo eco em nossa sociedade cada vez mais hipócrita, que vai jogando para debaixo do tapete a sujeira da intolerância, da violência e da podridão.

Mas, algum dia há “vingar” o Super-Homem de Gil e nós os homens, em especial, possamos entender que a “minha porção mulher, que até então se resguardara, é porção melhor que trago em mim agora, é que me faz viver”, como sempre ouvia em tom suave da minha mãe em “uma oração singela de respeito e amor” e por você e “sempre por ela ser”.

Extra, extra, extra vendendo sonhos e ilusões, como faziam os jornaleiros, gritando manchetes sensacionalistas, que “rachem os muros da prisão, pois resta uma ilusão, abra-se cadabra, a prisão” e todos nós “pelo nosso amor em Cristo ou Oxalá”, vamos cair na Gandaya “sobre a chuva que cai e ver o sol aparecer”.

Imagem destacada / Gilberto Gil (capturada nesse site)

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Alguém que não seja eu

Eloy Melonio*

Não preciso da mesma vibe poética de Erasmo Carlos em “Mesmo Que Seja Eu” para construir esta crônica. Mas vou aproveitar um pouco da “filosofia” com que ele teceu essa belíssima canção.

Tudo isso para falar do “outro”, essa personagem da vida real, tão popular e tão desgastado.

Sabe-se que a maior criação divina foi o homem, e a mais monumental invenção do homem foi o outro. E com ele, a mentira. Tão oportuna que foi logo usada para que seu inventor, passando-se por inocente, imputasse o pecado original à mulher, que, por sua vez, pôs a culpa na serpente. E o mundo idealizado por Deus agora era outro.

De pecado em pecado, chegamos à tenebrosa era das fake news. E nesse vil universo não há quem se intitule dono da mentira, uma pobrezinha órfã de pai e mãe. O fato nu e cru é que ela é sempre uma invenção do outro. E, nessa condição, a coitada vai passando, inescrupulosamente, de mão em mão.

Para os amigos do outro, muitas vezes, o prêmio é o castigo. Um exemplo disso é a tal delação premiada, quando um entrega o outro, que entrega o outro… Daí vem a desconfiança de que o outro nunca pode ser alguém de mãos limpas. Nem mesmo Pilatos, que parece ter se livrado da pecha de delator.

No caso dos filhos do presidente (01, 02 e 03), quando não se sabe quem disse o quê, alguém interfere para nos confundir ainda mais: Não foi esse; foi o outro.

Já na Palestina do primeiro século, João (que batizou Jesus) — antevendo a mazela das fake news — precisava certificar-se de que Jesus não era um falso Cristo. E enviou-lhe emissários a perguntar: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?”(Mt 11:3).

Para existir, o outro precisa de alguém. Mesmo assim, um sempre desconfia do outro. Porque o outro não é uma pessoa com quem a gente possa se abrir, haja vista que a amigos outros ele também sorri.

Dizem até que o outro nunca é amigo. Porque o amigo é nominável, visível, confiável. E esse é apenas um vulto rodando por aí. Se, por acaso, dele receber “o pão que o diabo amassou”, não tenha dúvida de que com essa maldição não deve ficar, exceto se não houver outro a quem passar.

O outro é um ser que pensa conhecer-se a si mesmo, imaginando-se único e independente. Pode, inclusive, ser “você”, quando se olha numa foto e não se agrada do que vê. Ou quando, num sofisticado evento social, desconfiado, olha para o outro, que olha para o outro... Nada de errado, pois nessas reuniões até as madames soltam “pum”. E esses gases se esvoaçam no ar, e logo todos os outros se esquecem do incidente.

Numa relação extraconjugal, a astúcia de um é querer que o outro seja sempre o outro, porque assim jamais passará de um simples affair. E se você não sabe, o outro é aquele que chega quando o marido não está, e se apressa quando percebe que ele já vai chegar.

Na novela “O outro” (Rede Globo, 1987), Francisco Cuoco vivia dois personagens que eram sósias, sem que um conhecesse o outro. Nesse caso, dois que pareciam um. Ao contrário, Ferreira Gullar fala de “um” que são, possivelmente, dois: “Uma parte de mim/ é todo mundo;/ outra parte é ninguém”.

Num poema do meu próximo livro (Travessia), ouso afirmar uma verdade inconteste: Nosso mundo somos nós: eu, você, os outros.

Entre uma coisa e outra, viu o Criador que sua obra-prima não podia ficar só, e tratou imediatamente de esculpir outra. Desde então, outro não se faz senão de outro já existente. E que este ou aquele pode, a qualquer instante, envolver-se em encrenca.

Preferencialmente com alguém que não seja eu.

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*Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor.

Imagem destacada capturada nesse site

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Live celebra pioneirismo da Rádio Club de Pernambuco no Brasil

O GT História da Mídia Sonora realiza dia 19 de agosto (quarta-feira), com início às 18 horas, a live Passado, presente e futuro do Rádio no Brasil. O encontro virtual vai marcar a Carta de Natal que reconhece o pioneirismo da Rádio Club de Pernambuco quando, em 6 de abril de 1919, fez a primeira transmissão sonora à distância – de um ponto de transmissão para vários pontos.

O encontro virtual terá como convidados os pesquisadores Pedro Vaz Filho (UAM), Luiz Maranhão Filho (UFPE), Luiz Artur Ferraretto (UFRGS) e Marcelo Kischinhevsky (UFRJ), que serão mediados pela coordenadora e vice-coordenador do grupo, respectivamente, Izani Mustafá (UFMA-Imperatriz) e Luciano Klöckner. A Carta de Natal foi assinada no XII Encontro Nacional da História da Mídia, realizado em Natal (RN), em 20 de junho de 2019.   

 Serviço

Live: Passado, presente e futuro do Rádio no Brasil

Dia: 19 de agosto de 2020 (quarta-feira)

Início: às 18 horas

Convidados: Pedro Vaz Filho (UAM), Luiz Maranhão Filho (UFPE), Luiz Artur Ferraretto (UFRGS) e Marcelo Kischinhevsky (UFRJ)

Mediadores: Izani Mustafá (UFMA) e Luciano Klöckner

Plataforma: Google meet

Transmissão pelo canal YouTube: Jornal Alcar – https://bit.ly/3fqQ11B

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A UFMA na Praia Grande

Já imaginou vários cursos da Universidade Federal do Maranhão instalados nos casarões e prédios do Centro Histórico de São Luís, com a Reitoria localizada no Convento das Mercês?

E se ao longo das ruas tortas e estreitas houvesse equipamentos de ensino, pesquisa e extensão, conectando o passado e o futuro através da Ciência, em prol do desenvolvimento do Maranhão?

Caberiam ainda cafés, livrarias, sebos, salas de cinema, novas quitandas, moradias estudantis e laboratórios para exercitar a criatividade e o pensamento em um dos lugares mais belos da cidade.

A inspiração dos três parágrafos acima está em uma das notas do escritor Josué Montello, no Diário da Tarde, escrita em 29 de janeiro de 1967, quando ele relata a cerimônia do nascedouro da Fundação Universidade do Maranhão; futuramente, UFMA.

Montello foi um dos reitores da primeira instituição de ensino superior do nosso estado e sonhava criar uma cidade universitária no Centro Histórico de São Luís.

Ouça aqui a nota de 1967, na voz do poeta Paulo dos Santos Furtado, que gentilmente nos cedeu essa interpretação, entre tantas outras leituras deliciosas, quando encara com elegância a figura do narrador.

Em sua vasta obra literária, Josué Montello tem no romance mais visibilidade; porém, os seus “Diário da manhã”, “Diário da tarde”, “Diário do entardecer”, “Diário da noite iluminada”, “Diário das minhas vigílias” e “Diário da madrugada”,  que aparentemente são anotações sobre fatos pitorescos, revelam temas de forte valor histórico.

Na referida nota, o autor faz alusão ao desejo de transformar a Praia Grande, dotada de esplendoroso conjunto arquitetônico, em um grande centro cultural, lembrando o Maranhão de outrora.

O detalhe do excerto está no arremate, quando fica claro que, no calor de São Luís, não cabem as capas dos estudantes de Coimbra. Era só o romancista conversando com a sua imaginação.

Imagem destacada / Centro Histórico de São Luís visto do mar / Foto: Marizélia Ribeiro

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Tribunal julga jornalista Fred Melo Paiva por tuíte que associou Zezé Perrella ao ‘helicoca’

Fonte: Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)

A Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julga, a partir das 14h desta quarta-feira (5/8), a apelação do jornalista Fred Melo Paiva da sentença em primeira instância em que foi condenado a pagar indenização de R$ 15 mil ao ex-senador Zezé Perrella. O advogado Humberto Lucchesi de Carvalho, que representa Fred Melo Paiva, disse confiar que a sentença será revertida, por se tratar de um caso de censura à liberdade expressão de um cidadão.

A Ação Ordinária de Indenização movida por Zezé Perrella foi motivada por um tuíte de Fred Melo Paiva publicado no momento em que o então senador se levantou para votar na sessão do Senado que aprovou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2016.

“Lá vai o Perrella, sem um votinho, mas com 450 quilos de pasta base”, escreveu o jornalista na sua conta no Twitter.

Jornalista Fred Melo Paiva foi condenado
a indenizar o ex-senador Zezé Perrella, num caso de censura à liberdade expressão

A postagem se referia ao fato de Perrella ter assumido o mandato sem ter recebido um voto, por ser suplente do ex-senador Itamar Franco, que faleceu em 2011, e ao fato de um helicóptero de propriedade particular do senador ter sido apreendido pela Polícia Federal quando transportava quase meia tonelada de cocaína, em 2013.

“O que Fred Melo Paiva fez foi rememorar um fato social verdadeiro da vida brasileira envolvendo um senador da República, fato que ficou registrado na história. Fez um comentário, amparado no seu direito de opinar, não fez nenhum juízo de valor, não cometeu nenhum crime. Tanto não cometeu crime que o ex-senador não entrou com ação criminal contra ele”, analisou Humberto Lucchesi, mestre em direito administrativo pela UFMG.

Ele chamou atenção para o fato de que o ex-senador perdeu ação movida contra o Google na 16ª Vara Cível de Brasília e não recorreu. Na ação, Perrella pediu que o Google excluísse das suas buscas a vinculação e associação do seu nome às palavras cocaína e helicóptero. As notícias estão disponíveis na internet.

O eminente jurista Wálter Maierovitch, desembargador aposentado do TJSP e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, publicou artigo na revista Carta Capital intitulado “De Escobar a Perrella”, uma referência ao famoso narcotraficante Pablo Escobar, e não foi processado pelo ex-senador.

O tradicional concurso de marchinhas de carnaval Mestre Jonas, em 2014, premiou, também sem implicações para nenhum dos participantes, uma música intitulada “Baile do Pó Royal”, que também faz referência ao episódio.

O próprio Zezé Perrella, em conversa telefônica com o senador Aécio Neves, gravada e divulgada à imprensa por autoridades, referiu-se a si mesmo sobre o assunto, dizendo, em tom de piada: “Não faço nada de errado, só trafico drogas”.

O advogado do senador na ação é o atual presidente do Cruzeiro Esporte Clube, Sérgio Santos Rodrigues.

Lucchesi ressalta ainda que sentença da Justiça Federal em Vitória no caso o “helicoca” determinou a perda da propriedade do referido helicóptero pelo ex-senador, por se tratar de veículo que fez tráfico internacional de entorpecentes. Ele lembra que o helicóptero não tinha licença da Agência Nacional de Aviação Civil para transportar mercadoria e que a aeronave foi abastecida com verba da Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo deputado estadual Gustavo Perrella, filho de Zezé.

“Todos esses fatos são públicos e notórios”, disse o advogado. “Por isso, a expectativa é que o Tribunal de Justiça seja sensível e reverta a sentença por julgá-la improcedente”, disse Lucchesi. “Este é um caso emblemático de liberdade de expressão e cidadania digital”, enfatizou o advogado.

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“Península”, o Plano Diretor e a privatização de São Luís

Uma agente imobiliária com trânsito em várias capitais brasileiras passou boa temporada em São Luís e ficou assustada com duas coisas: o preço exorbitante dos apartamentos na área nobre da Ponta d’Areia e a invasão de caminhonetes de luxo na cidade.

Ela costumava indagar se São Luís é uma cidade histórica ou um garimpo, lugar de muito dinheiro onde os mineradores geralmente exibem sua pujança nas famosas “toyotas”.

No garimpo ou nas regiões do agronegócio o desfile de pick-ups é até normal, mas esse visual não parece adequado para uma cidade Patrimônio Cultural da Humanidade, com um Centro Histórico aprazível, de ruas estreitas e caminhonetes trepadas nas calçadas.

Espantada com a ostentação provinciana e o valor dos imóveis, ela chegou até a comparar os preços daqui com outras praças, dizendo que com R$ 1 milhão compra-se um bom apartamento em Goiânia sem esgoto transbordando nas ruas nem carro pipa na porta dos prédios.

Carros pipa são vistos com frequência abastecendo os prédios de luxo

Antes da invasão dos castelos luxuosos no lugar rebatizado equivocadamente como “península”, a Ponta d’Areia era habitada e frequentada pela elite de São Luís nas suas casas de veraneio, mas também havia gente das classes médias e populares morando no lugar. Alguns resistiram à avalanche dos condomínios e os mais pobres foram empurrados para a periferia.

Houve assim uma segregação, em vários sentidos, tornando essa parte “nobre” da Ponta d’Areia um lugar de distinção econômica e dos discursos próprios do racismo estrutural, a exemplo do ódio aos pobres declarado pelo deputado federal Edilázio Junior quando foi cogitada a construção de um porto nas proximidades dos condomínios para ligar São Luís à Baixada Maranhense.

Leia mais: Discurso do deputado Edilázio Junior transpira ódio aos pobres e baixadeiros

A fala do parlamentar inspirou falatórios e práticas semelhantes como este último da espetaria que mobilizou a cidade inteira.

Veja bem: não são apenas palavras soltas. É uma narrativa organizada contra os pobres e os diferentes.

O processo de isolamento social dos novos ricos de São Luís aos poucos retirou da “península” e adjacências vários equipamentos outrora compartilhados por outras classes sociais. Os clubes de reggae e espaços alternativos foram execrados: Coqueiro Bar, Toque de Amor, Bar do Barroso (depois Chama Maré), Trapiche e, mais perto da praça de Iemanjá, os famosos clubes Toca da Praia, Tropical Beach e Praia Reggae Clube.

Outro grande atentado cultural na “península” foi a destruição do Memorial Bandeira Tribuzi, em total desprezo pela pulsação literária da cidade, considerando que o poeta é o autor do hino “Louvação a São Luís”.

No lugar do acervo de Bandeira Tribuzzi foram instalados
o Centro de Atendimento ao Turista e uma igreja católica

Todos esses fatos não ocorrem isoladamente. Eles integram um ordenamento espacial da cidade feito à base da grilagem e da privatização dos espaços públicos, atropelando a legislação urbanística no geral.

Para além desses aspectos, há uma mentalidade que justifica as posturas de segregação e de ódio.

O reggae e a literatura, duas marcas simbólicas de São Luís, foram expulsas da “península” para dar lugar ao pagode do Tiaguinho. Detalhe: a “leblon” daqui não tem uma livraria, mas os carros pipa estão sempre abastecendo os prédios de luxo.

Leia mais: Condomínio da Península tem síndico bolsonarista e porteiro sem máscara

Até hoje pairam dúvidas sobre as causas do incêndio nas palafitas do Goiabal, onde moravam centenas de pobres, quando da construção do Anel Viário. Daí originou o primeiro grande adensamento populacional na área Itaqui-Bacanga, nos primórdios da formação do Anjo da Guarda.

Em resumo: São Luís foi erguida através de sucessivas pilhagens dos colonizadores e das elites que controlam a gestão da cidade, feita a ferro e fogo, à base de muita violência, atingindo principalmente a população pobre.

Nos últimos 30 anos o mesmo grupo político domina a Prefeitura e manobra o Plano Diretor para lotear a cidade e entregar as áreas privilegiadas às empreiteiras e ao setor industrial predatórios.

Algumas instâncias do poder público atuam como lobistas do mercado de terras não só nas áreas urbanas “nobres”. A zona rural de São Luís e vários territórios na região metropolitana da ilha vêm sendo cobiçados pela prática da grilagem.

A cidade, no geral, está privatizada, entregue aos empreendedores de vários naipes.

Já se passaram três décadas e a velha política segue mandando e desmandando na cidade, a ponto de tratar na surdina, sem ampla divulgação, um tema tão relevante como a revisão do Plano Diretor.

Parte da gestão funciona como lobista do capital interessado no mercado de terras de São Luís.

As invasões bárbaras na “península” são apenas detalhe de uma estrutura muito mais complexa que envolve a situação fundiária, o uso e a ocupação do espaço urbano e a utilização dos equipamentos coletivos de São Luís: os territórios, os recursos naturais, os serviços públicos e o ambiente na sua totalidade.

Em uma perspectiva civilizatória, não faz qualquer sentido transformar em condomínio fechado uma área pública que deve ser usufruída por todos os moradores da cidade, independente da classe social e da cor da pele.

No mais, o suposto argumento de que na “península” morariam os cidadãos de bem, pertencentes aos níveis mais altos da pirâmide social, carece de pesquisa comprobatória.

Recentemente uma operação policial alcançou o famoso médico Abdon Murad Junior, que estaria encabeçando outro tipo de pirâmide, a financeira, capturando o dinheiro dos outros para investir no mercado de capitais, segundo a investigação da Polícia Civil.

Como se vê, na “península” tem gente boa e gente investigada, alguns até envergonhando os vizinhos dos bairros pobres que vivem do salário e não enganam os amigos.

Imagem destacada / Vista aérea da Ponta d’Areia (capturada nesse site)