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Só uma questão de tempo

Eloy Melonio*

Já imaginou não ter tempo para fazer algo que não pode esperar?

Difícil? Não, porque o mundo parece viver na velocidade da luz.

Enquanto escrevo esta crônica, o Faustão anuncia, entre outras opções, A biografia de LIONEL MESSI (Leonardo Faccio, Ed. Generale). Surpreso, pergunto-me: Por que tanta pressa em publicar uma biografia?

Posso até me interessar pela autobiografia de Jô Soares, ou a biografia de Clarice Lispector. Mas do “argentino mais querido dos brasileiros”, segundo o próprio Faustão, não vejo lá muita lógica. O que um torcedor não sabe — de importante, claro! — da vida do craque do Barcelona?

A pressa de Messi, 32 anos, é um reflexo deste mundo que acelera o ritmo do tempo. Isso me lembra do bordão criado por Gionanni Improtta, personagem de José Wilker na novela “Senhora do Destino” (Rede Globo, 2004/2005): “O tempo ruge, e a Sapucaí é grande”. E percebo que as coisas estão cada vez mais inadiáveis em comparação com os padrões tradicionais.

Nem tanto. Pelo menos, por enquanto.

Nestes tempos de isolamento social parece que, de repente, tá sobrando tempo no nosso tempo. Estamos (quase) todos em casa. Alguns, mais atarefados do que nunca. Outros, sem nada pra fazer.

Com isso, a profecia de Raul Seixas nunca soou tão dramática. Da ficção poética para a realidade, Raulzito, antecipava, já em 1977, o que hoje estamos vivendo: “O dia em que a terra parou”. Outros também foram na mesma linha. O cantor e compositor Alexander Carvalho, ex-banda Daphne, na canção Caixa de Sapato, de 2003, faz sua exigência: Pare o mundo que eu quero descer.

Por que parar? Pra que descer? Estariam em descompasso com a pressa do mundo, ou tinham outra razão? Ou apenas brincando de arte profética para justificar a verve de Pablo Picasso: “A arte é uma mentira que revela a verdade”?

Verdade seja dita: a arte desfila elegante na passarela do tempo, ora imaginativa, ora filosófica.

E parece que paramos mesmo! No tempo e no espaço. E tudo tão rápido que nem acredito que já estamos na quarta semana da quarentena.

Conversando com um amigo sobre tanto tempo disponível, descobrimos o inusitado: nosso tempo não tá dando pra nada. Incrível, não?

Não sei se isso acontece com você, mas meu tempo diminuiu. Não sei o que está acontecendo. Talvez esteja me dedicando mais às tarefas da casa, às coisas a que antes éramos, de alguma forma, indiferentes ou relaxados. Trabalhos que precisam de revisão descansam na gaveta. Parcerias que deveria retomar, ficaram só na boa intenção. A velha estante continua intocada.

Dizem que o tempo “voa” quando estamos nos divertindo, e “para” quando temos todo o tempo do mundo. Em tempos de “muito” tempo, resta “pouco” tempo para coisas “rotineiras”, e sobra tempo para as novidades, as descobertas.

Quanto a mim, tenho separado mais tempo para passear com meu papagaio, brincar com nossa cadela, sentir o aroma do jasmim do meu terraço. E conversar (por cima do muro) com meu vizinho Davi, de 6 anos.

O certo é que, como diz o primeiro verso da canção “Tempo para amar”, em construção com meu parceiro Gerude, “Tá faltando tempo no meu tempo”.

Nessa escassez, fazemos um pedido:

Tudo o que quero agora

É só mais um minuto na minha hora

Mais uma hora no meu dia

Mais um dia na minha poesia

Enquanto a vida segue seu curso, aprendemos lições. Uma delas, de Fernando Sabino, que “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem”.

Espero que tudo isso passe rápido. E que logo estejamos de volta ao ritmo normal da vida.

Sem ter de usar o nosso tempo para “chorar” nossas dores.

Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

Imagem destacada capturada neste site

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São Luís agora tem o Cuscuz “Natural” Ideal: nova fábrica, com delivery

O motoboy chegou pontualmente às 7h15 para fazer a entrega da embalagem com o selo do Cuscuz Natural Ideal, a nova iniciativa na gastronomia de alimentos tradicionais em São Luís.

Paralelo ao Cuscuz Ideal surgiu o Cuscuz Natural Ideal. É uma inovação de Roberto Batista da Sousa Silva, dando sequência ao já bastante conhecido Cuscuz Ideal, da fábrica localizada no bairro do Anil.

Cuscuz Natural Ideal busca manter o mesmo padrão do original

Desde muito jovem Roberto Silva conta que aprendeu o segredo da fabricação do cuscuz e agora resolveu montar o seu próprio negócio. “Aí criei uma fábrica mais moderna, com delivery, para que pudesse alcançar todos os públicos. O mais importante é manter o mesmo padrão de qualidade na forma de fazer o produto. Isso tudo aprendi com longos anos de trabalho”, explicou Silva.

A fábrica do Cuscuz Natural Ideal fica localizada na rua Nunes Freire, 24, bairro São Cristóvão.

Para fazer o pedido basta ligar ou enviar mensagem para o fone/WhatsApp: (98) 98608-5061.

Enquanto o Cuscuz Natural Ideal busca se firmar com a nova fábrica, o Cuscuz Ideal, uma lenda gastronômica em São Luís, segue firme com a fábrica no bairro do Anil e os seus entregadores pregoeiros, que se deslocam a pé ou de bicicleta por vários bairros da cidade.

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ABJD denuncia Bolsonaro por crime contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional

Presidente estimula o contágio e coloca a vida de milhares de pessoas em risco na pandemia

A ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) protocolou nesta quinta-feira, (2/4) uma representação (Leia a íntegra em português e inglês) no TPI (Tribunal Penal Internacional) contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, pela prática de crime contra a humanidade que vitima a população brasileira diante da pandemia de coronavírus.

Acesse o texto de divulgação em inglês e espanhol

De acordo com a entidade, o Brasil possui, no atual momento, um chefe de governo e de Estado cujas atitudes são total e absolutamente irresponsáveis. Por isso, solicitam ao TPI que instaure procedimento para averiguar a conduta do presidente e condene Bolsonaro pelo crime contra a humanidade por expor a vida de cidadãos brasileiros, com ações concretas que estimulam o contágio e a proliferação do vírus, aplicando a pena cabível.

“Por ação ou omissão, Bolsonaro coloca a vida da população em risco, cometendo crimes e merecendo a atuação do Tribunal Penal Internacional para a proteção da vida de milhares de pessoas”, reforça o documento assinado pelos advogados Ricardo Franco Pinto (Espanha) e Charles Kurmay (EUA).

Violações

Os juristas listam a série de ações que vêm sendo realizadas pelo presidente da República que minimizam a gravidade da pandemia e contrariam recomendações de autoridades sanitárias do mundo inteiro, diretrizes e recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e de todas as nações que já estiveram ou estão no epicentro da pandemia. Entre elas estão pronunciamentos estimulando o fim do isolamento social e a reabertura de escolas e comércios; lançamento da campanha oficial “O Brasil não pode Parar”; saídas às ruas para participar de manifestações e provocar aglomerações públicas; e o decreto para abertura de igrejas e casas lotéricas.

“Os crimes cometidos afetam gravemente a saúde física e mental da população brasileira, expondo-a a um vírus letal para vários segmentos e com capacidade de proliferação assustadora, como já demonstrado em diversos países. Os locais que negligenciaram a política de quarentena são onde o impacto da pandemia tem se revelado maior, como na Itália, Espanha e Estados Unidos”, ressalta.

Crimes

Segundo a ABJD, Bolsonaro está cometendo o crime de epidemia, previsto no art. 267, do Código Penal Brasileiro, e na Lei nº 8.072/1990, que dispõe sobre crimes hediondos. Além de infringir medida sanitária preventiva, conforme art. 268, também do Código Penal. Bem como viola a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que trata especificamente da emergência do Covid-19, e a Portaria Interministerial nº 05, de 17 de março de 2020, que determina, em seus arts. 3º e 4º, que o descumprimento das medidas de isolamento e quarentena, assim como a resistência a se submeter a exames médicos, testes laboratoriais e tratamentos médicos específicos, acarretam punição com base nos arts. 268 e 330, do Código Penal.

“É precisamente o Presidente da República quem incita as pessoas a circularem normalmente pelas ruas, escolas e postos de trabalho e a confusão criada é absurda, pois ele mesmo desobedece as diretrizes do próprio governo”, completa.

Diante disso, os integrantes da Associação apontam que o chefe do Executivo despreza as maiores autoridades científicas que prescrevem uma estratégia de guerra para reduzir os efeitos da pandemia. “O Presidente do Brasil faz eco com empresários inescrupulosos e se nega a adotar o padrão mundial de confinamento social, deixa de atuar na estratégia para achatar a curva de infecção e auxilia na expansão e aumento do contágio, o que fatalmente vai fazer com que o sistema de saúde no Brasil entre em colapso”, discorre.

Tribunal Penal Internacional

O Estatuto de Roma (Decreto 4.388/2002) rege a atuação do TPI (Tribunal Penal Internacional) e foi incluído no ordenamento jurídico brasileiro após aprovação pelo Congresso Nacional. Ao adotar internamente a norma, o Brasil acompanha o entendimento que existem crimes que afetam diretamente milhares de pessoas mundialmente e chocam a humanidade de maneira profunda.

O art. 27, 1 do Estatuto de Roma, diz que o fato de o Chefe de Estado ter imunidade não o exime em caso de responsabilidade criminal, nem constitui motivo de redução da pena. A imunidade decorrente do cargo também não impede que o TPI exerça a sua jurisdição sobre o presidente.

O Brasil não apenas assinou e ratificou o estatuto, como incluiu o § 4º, ao artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, reconhecendo a submissão do Brasil à jurisdição internacional do Tribunal.

Desse modo, a ABJD afirma que não há dúvida sobre a legitimidade e competência do TPI para apreciar a Representação. Além disso, a Associação evidencia que o Ministério Público Federal do Brasil já procurou fazer com que o Procurador-Geral da República – único órgão que poderia processar o presidente no país – fizesse com que Bolsonaro não cometesse mais as ações que colocam a população em risco diante de uma grave pandemia, porém o pedido foi sumariamente arquivado.

“A internacionalização da questão e um pronunciamento do TPI são urgentes e necessários. Não podemos admitir o que vem ocorrendo no Brasil, ou seja, a total impunidade de Jair Bolsonaro, que é o principal fator que aumenta de forma escalonada a prática de novos crimes”, finaliza.

Fonte: Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

Imagem destacada / Sergio Lima / AFP

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Base de Alcântara: ameaçados de expulsão, quilombolas querem ficar em casa, no Maranhão

Reportagem publicada originalmente no Uol

Ed Wilson Araújo

Colaboração para Ecoa, em São Luís

04/04/2020 04h00

O visual tranquilo da praia de Mamuna, no município onde vive a maior população quilombola do país, tem um vizinho incômodo. Do alto das dunas e de frente para o mar é possível ver, do lado direito, a cobiçada plataforma do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.

Mamuna e as outras povoações do Território Quilombola de Alcântara foram surpreendidas na semana passada com a resolução federal publicada no Diário Oficial da União em 27 de março. Assinada pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República e coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), a Resolução nº11 ordena “providenciar, por meio do Comando da Aeronáutica, a execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações, incluindo o transporte de pessoas e semoventes [animais domésticos]”. Na prática, a medida pode expulsar de seus lares 300 famílias.

Nenhuma ação oficial sobre a remoção de quilombolas havia sido anunciada até então, embora a liberação do uso comercial da base de Alcântara por meio do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), em vigor desde dezembro e firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos em março, já inquietasse há tempos a população local.

Torre do Centro de Lançamento de Âlcantara, no Maranhão (14/09/2018) - Evaristo Sá / AFP
Torre do Centro de Lançamento de Âlcantara, no Maranhão (14/09/2018)Imagem: Evaristo Sá / AFP

Recebida em meio a preocupações sobre o impacto do novo coronavírus nas comunidades, a notícia provocou alvoroço entre os moradores. A resolução determina ações de nove ministérios para efetivar a mudança, mas não estipula prazo nem o número de famílias a serem removidas.

“Em um momento em que ninguém esperava, sai uma resolução dessa e as pessoas ficam aflitas, nervosas, chegando até a adoecer – Dorinete Serejo, moradora da comunidade Canelatíua e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe)”

Caberá ao Ministério da Agricultura, por meio do Incra, apontar “frações do terreno compatíveis com os reassentamentos de cada comunidade quilombola, considerando, para fins de planejamento, que a área de consolidação do Centro Espacial de Alcântara será desocupada”, detalha o documento.

Quilombolas não foram consultados

Representantes de várias organizações quilombolas contestaram a resolução, argumentando que a remoção só pode ser feita após consulta às comunidades, seguindo as determinações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados”, diz o artigo.

Durante o trâmite do acordo para o uso comercial da base espacial de Alcântara, em fevereiro, houve pouco diálogo junto aos moradores. Mas a remoção dos quilombolas não havia sido, ainda, mencionada pelos interlocutores do governo federal.

“Tentamos de todas as formas negociar com as autoridades federais, o governador [Flávio Dino, PCdoB], a bancada maranhense e o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (Democratas). Antes de votar a AST, nós queríamos que as comunidades fossem consultadas para a gente colocar dispositivos de proteção ao território”, diz o antropólogo Davi Pereira Junior. Nascido em Itamatatíua, uma das comunidades mais antigas do Maranhão, ele assessora os territórios quilombolas da região.

Dorinete Serejo, moradora da comunidade Canelatíua e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe) - Arquivo Pessoal
Dorinete Serejo, moradora da comunidade Canelatíua e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe)Imagem: Arquivo Pessoal

A coordenadora do Mabe, Dorinete Serejo, acompanha a relação conflituosa entre os interesses do programa espacial e os das comunidades descendentes de matriz africana há 40 anos. “Nunca tivemos de bater frente a frente, mas se enfrentando pelos caminhos legais, com audiências, reuniões, conscientizando e levando esclarecimento para as comunidades.”

Nessa peleja, organizações locais sistematizaram o Protocolo Comunitário sobre Consulta Prévia, Livre e Informada das Comunidades, um documento com o objetivo de subsidiar e orientar as tratativas com o Estado acerca do Território Quilombola de Alcântara. Assinado por 197 comunidades, o protocolo trata como cláusula “pétrea” o procedimento de consulta, estabelecido na Convenção da OIT e assegurado pela lei brasileira.

Por que a localização interessa

Estrutura do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão (14/09/2018) - Pedro Ladeira / Folhapress
Estrutura do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão (14/09/2018)Imagem: Pedro Ladeira / Folhapress

O Centro de Lançamento de Alcântara é cobiçado pela engenharia aeroespacial pela localização geográfica próxima à linha do Equador, proporcionando economia de combustível do foguete, pelas boas condições climáticas, pela estabilidade geológica e pelo suporte logístico com acesso a São Luís.

Analistas políticos veem ainda a motivação dos Estados Unidos para controlar uma base espacial de posição estratégica na América do Sul, com o acordo comercial firmado entre os países e o consequente apoio dos EUA para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Entre os 18 integrantes da Câmara Federal e os três senadores do Maranhão consultados para o acordo, apenas o deputado Bira do Pindaré (PSB) votou contra. Presidente da Frente em Defesa das Comunidades Quilombolas, o parlamentar ingressou com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) visando sustar os efeitos da Resolução nº 11, e diz que vai acionar medidas judiciais para assegurar os direitos das famílias ameaçadas de remoção.

“Não havia nenhuma garantia diante daquela decisão da Câmara Federal [com o AST] de que as pessoas teriam a preservação dos seus territórios – Bira do Pindaré, deputado federal (PSB-MA)”

Embora a bancada federal tenha avalizado o acordo, o Governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, divulgou no dia seguinte à publicação da resolução, 28 de março uma nota repudiando o remanejamento.

“É inaceitável repetir equívocos do passado recente, em eventual novo remanejamento, quando sequer foram solucionados os passivos de implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Instamos o Governo Federal a reconhecer e respeitar o direito das comunidades quilombolas ao seu território, investindo em tecnologias que permitam a convivência pacífica, colaborativa e contributiva entre os quilombolas e o Programa Aeroespacial Brasileiro”, assinou o secretário Francisco Gonçalves da Conceição.

Famílias e culturas em risco

A remoção pode alcançar 30 comunidades com aproximadamente 300 famílias, totalizando cerca de 1 mil pessoas — o município todo tem 22 mil habitantes. Quem afirma é o antropólogo Davi Pereira Junior. Nascido em Itamatatíua, uma das comunidades mais antigas do Maranhão, ele assessora os territórios quilombolas da região. No levantamento feito junto às organizações locais, o antropólogo estima o impacto total sobre 800 famílias, considerando a tendência de assentar os removidos em áreas já povoadas por outras comunidades no município.

A história da base de Alcântara se prolonga desde a década de 1980, com uma série de episódios. Na foto, a família de José Silva e Margarida Raimunda de Araújo na agrovila do Cajueiro, em 2002. Em 1985, o governo transferiu os moradores de um quilombo na região para a instalação da base. Em 2002, os membros da comunidade relataram que as terras para onde foram transferidos eram improdutivas - Jorge Araújo/Folhapress
A história da base de Alcântara se prolonga desde a década de 1980, com uma série de episódios. Na foto, a família de José Silva e Margarida Raimunda de Araújo na agrovila do Cajueiro, em 2002. Em 1985, o governo transferiu os moradores de um quilombo na região para a instalação da base. Em 2002, os membros da comunidade relataram que as terras para onde foram transferidos eram improdutivasImagem: Jorge Araújo/Folhapress

Em Alcântara, a presença de comunidades negras rurais, formadas por descendentes de africanos escravizados, vem de ao menos dois séculos atrás. No início da década de 1980, ainda na ditadura militar, ocorreu a primeira remoção de comunidades tradicionais para a implantação do CLA. Naquele período houve a desapropriação de 52 mil hectares e o deslocamento de 312 famílias originárias de 23 povoados do litoral, transportadas para sete agrovilas construídas pela Aeronáutica, nas proximidades da sede do município.

Pautada em muito trabalho na pesca, na agricultura familiar, no extrativismo e na criação de animais, a sobrevivência de mulheres e homens do meio rural pobre está diretamente relacionada à quantidade e à qualidade dos recursos naturais. Quando uma família é deslocada do quilombo para a agrovila ocorrem várias mudanças no modo de viver, principalmente na aquisição dos alimentos, comprometendo a segurança alimentar.

Os deslocamentos compulsórios interferem ainda no desmantelamento dos laços familiares e das práticas culturais. Em várias comunidades quilombolas as religiões de matriz africana estão presentes em cultos e terreiros. A iyalorixa Jô Brandão, integrante do Fórum de Mulheres de Axé da Renafro (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde), classifica Alcântara como terra de encantarias. A Pedra de Itacolomi, exemplifica, é um lugar de oferendas de tantos terreiros do Maranhão, principalmente o tambor de mina.

Nesse contexto, a remoção de uma comunidade envolve também relações com a natureza, os meios de produção, a religiosidade, as práticas e os saberes passados em gerações. “Se os humanos não estão sendo respeitados em dizer que não querem ser deslocados, imagine você escutar ancestrais que são invisíveis, sobrenaturais e respondem de forma diferente na relação com a espiritualidade, a natureza e as pessoas”, compara.

“Nos preocupa muito a resolução porque subentende que não haverá respeito aos templos nem às práticas religiosas das comunidades de terreiro nos quilombos – lyalorixa Jô Brandão, integrante do Fórum de Mulheres de Axé da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde”

Regularização fundiária parada

Enquanto a aprovação do acordo para liberação comercial ocorreu em tempo recorde, a regularização fundiária das áreas se arrasta em um processo judicial. O advogado especialista em direitos humanos Diogo Cabral menciona quatro décadas de conflito envolvendo os quilombolas e as sucessivas gestões na Presidência da República. Entre poucos avanços e muitos recuos, ele cita um progresso em 2008, quando o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado pelo Incra assegurou ao Território Quilombola de Alcântara uma área de 78,1 mil hectares e reservou ao CLA 9,3 mil hectares.

Quando tudo parecia favorável ao andamento da titulação, em abril de 2010 a medida foi contestada pelo Ministério da Defesa e pela própria Aeronáutica. “Ambos requereram a instauração da Câmara de Conciliação da Arbitragem Federal da AGU (Advocacia Geral da União) e a suspensão do processo de titulação”, explica Cabral.

Segundo o advogado Eduardo Corrêa, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, a regularização fundiária é um passo fundamental para assegurar a permanência das comunidades tradicionais nas suas áreas de origem. Apesar das sucessivas cobranças, judicialização e lutas políticas, a titulação está parada no tempo.

Paralisada também ficou a gigantesca obra da empresa binacional Alcântara Cyclone Space, uma parceria entre o Brasil e a Ucrânia com o propósito de comercializar e lançar satélites do CLA por meio do foguete espacial Cyclone-4, de tecnologia ucraniana. Criada em 2003, a empreitada consumiu R$ 483,9 milhões do Brasil, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, mas a obra não foi concluída e nenhum lançamento chegou a ser feito, rendendo ao foguete o apelido de “sucata espacial”. Em abril do ano passado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Democratas), promulgou lei extinguindo a empresa.

No mesmo ano de 2003, uma explosão no CLA matou 21 técnicos civis que trabalhavam na operação de lançamento do Veículo Lançador de Satélite (VLS-3).

Embora não determine o prazo para a remoção dos quilombolas, a Resolução nº 11 estabelece a próxima reunião plenária do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro em 20 de agosto de 2020. Até lá, iniciativas judiciais e políticas dos movimentos sociais, no Congresso Nacional, no Ministério Público da União e de outras instituições devem ser tomadas para anular as medidas anunciadas pelo governo federal, garantindo a permanência das famílias.

Na quarta-feira (1), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal pediu que o CDPED não desloque famílias quilombolas de Alcântara, sobretudo neste momento. Em acordo firmado na quinta-feira (2) entre representantes do GSI e do MPF, o governo se comprometeu a não fazer as remoções durante a pandemia.

Imagem destacada: Comunidade rural quilombola no Maranhão / Luís Henrique Wanderley / Agência de Notícia do Estado do MA

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Abraço mobiliza parlamentares para aprovar isenção da cobrança do Ecad nas rádios comunitárias

A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) e as entidades filiadas nos estados iniciaram uma campanha de sensibilização junto aos deputados federais e senadores para colocar em discussão a Medida Provisória nº 907/2019, incluindo a Emenda nº 17, que isenta as rádios comunitárias do pagamento da taxa mensal cobrada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

Na sua descrição, a MP nº 907/2019 tem várias medidas, entre elas “instituir a Embratur – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, como serviço social autônomo, e extingue a Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo”.

Sobre direitos autorais, a medida propõe “isentar da cobrança do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição-Ecad a execução de obras no interior de quartos de meios de hospedagem e de cabines de embarcações aquaviárias”.

Veja aqui a descrição completa da ementa da MP nº 907/201.

Várias modificações foram sugeridas à medida, entre elas a Emenda nº 17 apresentada pelo deputado Pedro Uczai (PT-SC), com o seguinte teor: “Não incidirá a arrecadação e a distribuição de direitos autorais a execução de composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas por emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária.”

O deputado Pedro Uczai, ao justificar a Emenda nº 17, argumenta que “as emissoras de radiodifusão comunitária foram instituídas pela Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, com características bastante distintas das emissoras comerciais. Duas dessas características são extremamente relevantes para o contexto da Medida Provisória nº 907/2019, quais sejam: não ter fins lucrativos; e não poder transmitir propaganda ou publicidade comercial”.

Veja aqui a justificativa da emenda.

Com o objetivo de alcançar o apoio dos parlamentares, a Abraço Brasil e as suas associações filiadas (Abraço) nos estados estão distribuindo uma carta (veja abaixo) solicitando apoio de todas as bancadas federais do país com o objetivo de sensibilizá-los a votar favorável à Emenda nº 17 na Medida Provisória de nº 907/19.

A Abraço do Maranhão está distribuindo a carta por e_mail e nas redes sociais para os parlamentares. As rádios também estão divulgando a reivindicação nas suas programações.

Além de cobrar uma taxa mensal fixa de valor elevado para a situação financeira das rádios comunitárias, o Ecad vem ingressando com ações judiciais para obrigar as rádios a pagar pela execução de músicas. Veja abaixo:

Ecad ganha ação contra rádio comunitária de Santa Catarina

Por não pagar Ecad, Justiça proíbe rádio de tocar música

O coordenador executivo da Abraço Brasil, Geremias dos Santos, afirma que a entidade não é contra o pagamento dos direitos autorais, até porque o trabalho dos artistas deve ser valorizado. “Se o Ecad aplicasse uma taxa justa para as rádios comunitárias a gente topava pagar. O problema é que o Ecad quer cobrar valores abusivos das rádios comunitárias, sendo que nossas emissoras não têm fins lucrativos e não podem veicular publicidade como as rádios comerciais”, esclareceu.

Geremias dos Santos cita como exemplo os valores mensais aplicados pelo Ecad para rádio comunitária de R$ 485,52 enquanto para uma emissora comercial de 500 watts a taxa é de R$ 234,77 e em uma estação educativa de 500 watts a cobrança mensal é de R$ 134,16. “Apesar de ter uma variação de cobrança por região, a taxação das rádios comunitárias é muito alta para a realidade financeira nossa. A maioria das emissoras tem dificuldade até para pagar a conta de luz, imagine R$ 485,52 por mês ao Ecad ”, reclamou o coordenador da Abraço Brasil.

Ecad sob investigação

Austero na cobrança dos direitos autorais, o Ecad é acusado de arrecadar dinheiro (em rádios e outras plataformas de exibição de músicas), mas não repassar os valores devidos aos artistas autores das composições.

As sucessivas denúncias contra o Ecad desembocaram na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Durante a apuração das denúncias, a CPI levantou que o Ecad cometeu crimes de apropriação indébita de valores, formação de cartel, enriquecimento ilícito e fraude na realização de auditoria.

CPI do Ecad apontou irregularidades no setor de direitos autorais

CPI do Ecad: relatório final sugere 21 indiciamentos e propõe nova lei

Relatório final da CPI do Ecad chega à Câmara

Limites financeiros

As rádios comunitárias são emissoras de baixa potência (25 watts) disciplinadas pela Lei 9.612/98, que impede a veiculação de publicidade e propaganda, mesmo do comércio local de bairros ou vilas, onde as emissoras estejam instaladas. Elas também são proibidas pela legislação de receber verbas publicitárias dos governos federal, estadual e municipal.

A cobrança do Ecad vem sendo um ônus excessivo no orçamento restrito em quase todas as emissoras do país.

“A nossa luta para isentar a cobrança do Ecad visa dar o mínimo fôlego financeiro para as radcom, pois a realidade delas em todo o país é de muita limitação financeira”, reiterou Geremias dos Santos.

CARTA ABERTA AOS DEPUTADOS (AS) E SENADORES (AS)

Exmo. Sr(a). Deputado (a) e Senador (a),

Nós da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – ABRAÇO Brasil, vimos muito respeitosamente perante Vossa Excelência solicitar seu empenho e o mais absoluto apoio em defesa das Rádios Comunitárias do nosso País.

Considerando a tramitação da Medida Provisória 907/19, de 26 de novembro de 2019 no Congresso Nacional, que trata da extinção da cobrança do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direito Autorais em relação a Quartos de Meios de Hospedagem e Cabines de Embarcações Aquaviárias e da instituição da Embratur – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo e extinção da Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo.

Considerando que através da edição da MP 907/19 o governo federal está extinguindo a cobrança da taxa do ECAD para a exploração de turismo nas embarcações aquaviárias.

Considerando que as rádios comunitárias são proibidas pela Lei 9.612/98 de acessar verbas públicas e privadas de mídia e por isso, passa por dificuldades financeiras. Considerando que somos quase 5 mil rádios comunitárias outorgadas em cerca de 4.100 municípios brasileiros.

Considerando que o Anexo da Lei do 9.610/98 foi revogado e desta forma o ECAD se auto regulamentou através de um dispositivo interno editado de forma unilateral.

Considerando que o Escritório de Arrecadação de Direitos Autorais – ECAD tem promovido ações milionárias na justiça comum contra as rádios comunitárias por falta de pagamento da taxa do ECAD.

Considerando que as taxas do ECAD são de valores altíssimos, o que não correspondem com a realidade das rádios comunitárias que vivem em estado de dificuldades financeiras.

Considerando que as rádios comunitárias não praticam o famoso “JABÁ”, ao contrário, promovem as obras musicais dos artistas locais.

Considerando que a maioria das emissoras comunitárias está nos municípios que tem uma população abaixo de 20 mil habitantes e que tem apenas um único meio de comunicação que são as rádios comunitárias que já provaram a sua eficiência na prestação de trabalho social e cultural perante a população.

Considerando a pandemia do coronavírus no mundo e no Brasil e desta forma, o comércio fechou as portas e a sobrevivência das rádios comunitárias está comprometida através dos apoios culturais.

Diante das considerações expostas acima e sabendo do seu compromisso social diante de nossa Nação, em especial, àqueles que tem mais dificuldade de sobrevivência, solicitamos de V. Sª, a aprovação da Emenda de nº 017, apresentada pelo Deputado Federal Pedro Uczai (PT-SC) que trata da isenção do pagamento do ECAD pelas rádios comunitárias.

Deputado (a) e Senador (a), salve as Rádios Comunitárias da situação financeira caótica que nos encontramos.

Atenciosamente,

Diretoria da ABRAÇO Brasil / Diretoria das Abraços Estaduais / Diretoria das Rádios Comunitárias

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Sistema drive-thru vacina quase 2 mil idosos em um só dia

Nesta quinta-feira (2), quarto dia de vacinação em sistema de drive-thru na área de provas práticas do Departamento Estadual de Trânsito do Maranhão (Detran-MA), no Castelinho, foi registrado o maior número de atendimentos diários da ação. Os profissionais de saúde aplicaram 1.954 doses de vacina contra Influenza e gripe H1N1.

A vacinação com atendimento drive-thru começou na segunda-feira (30) e, ao longo destes quatro primeiros dias da ação, foram vacinados 6.054 idosos, fazendo uma média de aproximadamente 1.510 vacinações por dia. A iniciativa faz parte da campanha de vacinação promovida pela Secretaria Municipal de Saúde (Semus) e Secretaria de Estado da Saúde (SES), com apoio do Detran-MA, Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão (CBMMA) e Batalhão da Polícia Militar Rodoviária (BPRv).

O Detran-MA está fornecendo a estrutura e a logística para que seja realizada a vacinação utilizando o sistema drive-thru. Além disso, servidores do órgão também estão no local auxiliando na organização do atendimento.

A vacinação prossegue nesta sexta-feira (3), no horário das 8h às 16h, quando serão atendidos somente idosos com nome iniciado pelas letras C e D, de acordo com o cronograma elaborado pela Semus e SES.

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Procon do Maranhão alerta para golpes virtuais durante a pandemia do coronavírus

A notícia de que o governo federal sancionou lei que cria o auxílio mensal de R$ 600 para trabalhadores informais é verdadeira, mas criminosos aproveitaram essa informação e a crise causada pelo novo coronavírus para aplicar golpes prometendo o auxílio e, então, roubar dados pessoais das vítimas.

Além de páginas falsas na Internet, uma das formas encontradas pelos criminosos é o uso de aplicativos como o WhatsApp. Nele, os usuários recebem uma mensagem sobre o auxílio e são direcionados para sites espiões, que solicitam o preenchimento de um formulário com seus dados pessoais para ter direito ao saque. 

A dona Lúcia Maria, 53 anos, quase foi vítima do golpe. “Eu recebi a mensagem em um grupo no WhatsApp. Como eu já tinha visto a notícia sobre o auxílio na televisão, achei que fosse verdade e cliquei no link, mas desconfiei quando vi que teria que preencher com meus dados para obter o benefício”, relata a autônoma.

De forma espontânea ou devido ao vírus que pode se instalar no celular, muitas pessoas compartilham a mesma mensagem para outros usuários do aplicativo, levando amigos ou parentes a caírem na fraude também. Por isso, o Procon/MA orienta que, ao receber esse tipo de mensagem, o usuário verifique a veracidade das informações. 

“Infelizmente, existem pessoas que aproveitam o momento de fragilidade para enganar aqueles que estão mais vulneráveis. Recomendamos que as pessoas evitem clicar em links suspeitos e não compartilhem as mensagens sem antes consultar a autenticidade das informações em fontes confiáveis”, reforça a presidente do Procon/MA, Adaltina Queiroga.

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Keynes e a OMS têm razão: crítica ao falso dilema

*Marcellus Ribeiro Alves

A crise do coronavírus atingiu o Brasil numa situação econômica já bastante debilitada. Recordemos que em 2019, conforme o IBGE, o PIB brasileiro cresceu apenas 1,1%. A Pandemia, portanto, apenas agudizará uma situação que já era ruim.

Soma-se a isso uma desvalorização brutal do real frente ao dólar, uma natural retração do comércio internacional e uma mega redução do preço do barril de petróleo (que abalarão as finanças dos entes subnacionais).

Para completar o prato indigesto, a absoluta incapacidade do Presidente da República em conduzir ações de enfrentamento da crise de saúde e econômica, impondo a todos um falso debate, sempre centrado na dicotomia Proteção à Saúde ou Proteção à Economia. Assim, para ele, se optarmos pelo isolamento social, teremos uma crise econômica que, igualmente, ceifaria vidas.

O debate é mentiroso e só interessa àqueles que possuem os instrumentos de política macroeconômica (moeda, juros, endividamento e câmbio) e não os adotam. Nenhuma das medidas a seguir propostas significa abdicar das ações de combate à propagação do vírus.

Vejo, absolutamente incrédulo, propostas de enfrentamento da situação surgindo de tristes e carcomidos manuais de economia, abandonados até por seus autores.

Em regra, as sugestões – sob argumento de equilíbrio fiscal- reduzem ainda mais o gasto do governo federal e serão bastante eficientes para gerar um nefasto e impiedoso efeito cíclico, aumentando a recessão que se avizinha.

Não nos esqueçamos que vivemos épocas de guerra e que a teoria econômica de manuais em nada se aplica. Equilíbrio fiscal é importante, mas, neste tempo extraordinário, diminuir o gasto público significa dolosamente matar parte da população de fome (pois reduz a renda agregada, a demanda, o consumo e o investimento e a oportunidade de emprego) ou à míngua, sem assistência do Estado, privando-os de serviços públicos essenciais.

Lord Keynes ensinou ao mundo como superar a crise de 1929: “O Estado devia contratar trabalhadores para enterrar garrafas de dia e desenterrar à noite”. O Governo Federal deve, portanto, aumentar o gasto público e não o reduzir, para minimizar os efeitos da retração econômica.

Uma boa linha de ação foi adotada pela Grã-Bretanha, cujo Estado suporta 80% dos salários dos trabalhadores, com o propósito de evitar demissões. Até Trump já abandonou a cartilha e anunciou um pacote inédito de 2 trilhões de dólares (13 % do PIB) para combater o coronavírus e seus efeitos econômicos.  Na Grã Bretanha e Espanha, a expansão do gasto público é da ordem de 17% do PIB; Na Alemanha, de aproximadamente 20% do seu PIB. No Brasil, não passa de 2% e se pensa em reduzir ainda mais…

Diz a convencional Teoria Quantitativa da Moeda que emiti-la sem lastro leva à inflação. Ainda que fosse realmente válida, ela não funcionaria em situação de guerra, como a que ora enfrentamos. O isolamento das pessoas tem forte efeito sobre a redução da demanda. Aliado a isso, produz, à reboque, uma diminuição na velocidade de circulação da moeda, uma vez que, em razão das incertezas futuras, as pessoas preferem entesourar, guardar seu dinheiro a gastá-lo. É intuitivo o que se afirma: basta olhar o que acontece com o nosso comércio hoje.

Assim, é possível e recomendável ao Governo Federal emitir moeda, sem que isso gere inflação de demanda, pois a procura é quase inexistente e as pessoas estão tendentes a poupar seus recursos.

Neste cenário, as medidas recentemente adotadas pelo Banco Central (como a redução da alíquota do compulsório para bancos de 31% para 25%) são importantes, mas insuficientes para enfrentar uma crise desta dimensão.

Além de emissão de moeda, também é possível reduzir ainda mais a taxa de juros, até o limite percentual da elevação do PIB, sem que isso gere inflação. Como temos um quadro de recessão, é possível chegar com a taxa de juros próxima a zero, a exemplo da medida adotada pelo FED (Banco Central americano).

Deste modo a redução da taxa de juros teria um efeito positivo sobre as contas do governo (reduzindo o valor dos serviços da dívida) e incentivaria o crédito, o investimento, o consumo, ampliando a demanda agregada e aquecendo a economia.

O efeito destas medidas seria ainda maior se viesse acompanhado de facilidades para a ampliação da dívida privada (acesso ao crédito), ainda que por meio da elevação da dívida pública, como fez recentemente a Alemanha. Isso possibilitaria o ingresso de dinheiro novo na economia, que poderia ser destinado a trabalhadores desempregados e para micro e pequenas empresas, salvando-as da falência, de quebrarem.

Em termos agregados, a elevação da dívida pública levaria a uma ampliação da demanda, do investimento e, por consequência, da própria renda, sem que isso significasse renunciar ao isolamento horizontal (ou seja, manter em quarentena todas as pessoas, exceto os profissionais dos serviços essenciais) até aqui o procedimento mais eficiente para combater a propagação do vírus. Em uma situação como a que estamos vivendo, de grave retração econômica, são mínimos os riscos de que um aumento na oferta de crédito possa causar inflação.

Nem mesmo quem devotadamente crê nos manuais de Chicago acredita que isto traria inflação. Evidente também que “o mercado” não veria com desconfiança estas medidas, pois sabe que é a única forma de salvá-lo. É por isso, igualmente, que economistas ortodoxos liberais defendem sem cerimônias algumas destas ideias.

Medidas de proteção à economia e de combate à pandemia não são opções mutuamente excludentes, mas sistemicamente complementares e que, portanto, não devem ser analisados de forma estanque, com desprezo à ciência e com o uso de vocabulário escatológico.

Até este momento – como apropriadamente comparou o Presidente da França -, estamos numa guerra em que o Capitão, por medo, negligência ou ignorância, não quer lutar.   

Felizes as nações que têm, neste momento, um líder sereno e combativo.

* Marcellus Ribeiro Alves é Bacharel em Economia e Direito. Especialista em Direito Tributário. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e atualmente Secretário de Estado da Fazenda do Maranhão.

Imagem destacada capturada no site da BBC News

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É pior que o coronavírus!

Por Emilio Azevedo*

Publicado originalmente na Agência Tambor em 27/03/2020

O assunto aqui tem relação direta com a ameaça de morte que paira sobre a cabeça de todos nós.

Recebi ontem (26/03/20) uma “notícia” aparentemente boba, veiculada em uma rede social, dando conta que os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e João Doria (São Paulo) “se aliam à ditadura do Partido Comunista Chinês contra Bolsonaro”.

Essa “notícia” poderia ser encarada apenas como uma bobagem ou piadinha inofensiva. Mas ela faz parte de uma rede de mentiras, de uma poderosa máquina de comunicação e desinformação, que vem fazendo grandes estragos no Brasil.

Essa rede faz com que pessoas sigam apoiando, incondicionalmente, Jair Bolsonaro, mesmo após ele falar absurdos e agir agressivamente contra as medidas de prevenção ao coronavirus, definidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Foi a partir dessa máquina de mentiras que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, surfando em fábulas como a ameaça de proliferação de “mamadeiras de piroca”. Essa propaganda articulou uma base social que acreditou numa tal “nova política”, viabilizando eleitoralmente uma figura abjeta e caricata, como sendo a única alternativa para combater um “inimigo comum”.

Trata-se de uma máquina milionária, com conexões internacionais, com atuação muito forte em todas as redes sociais, inclusive com a utilização de robôs. Por conta dela, ainda hoje, existem brasileiros que não entendem as ameaças do coronavirus, mas é possível que sigam acreditando nas ditas mamadeiras penianas…

É uma pandemia de ignorância! E se o vírus pode estar do seu lado, essa máquina de estupidez e falácias pode passear rotineiramente no seu celular.

Na opinião desses camicases, que seguem de modo fanático essa engrenagem de mentiras, o mundo inteiro está errado em relação ao novo coronavirus.

Hoje, um bilhão e 300 milhões de pessoas estão em isolamento social na Índia. No Brasil, todos os governadores, de todos os 26 estados, assinaram um documento público informando que estão em total sintonia com a OMS, para evitar o colapso do nosso sistema de saúde. Mas nada disso tem eco nesse universo paralelo, rebocado por forças quase medievais, para quem a Terra pode até ser plana.

E assim, nesse mundo de infindáveis mentiras, um megaempresário como João Doria e um coronel da pecuária como Ronaldo Caiado tornam-se, de súbito, aliados de um “perigoso partido marxista”. E tudo sendo parte de uma conspiração contra um dito“messias”, um “mito”.

O Coronavirus é um problema gravíssimo! E Bolsonaro também é, tendo que ser retirado da presidência do Brasil, por evidentes e sucessivos crimes de responsabilidade.

No entanto, outro problema brasileiro é essa máquina de mentiras, essa proliferação da desinformação, que hoje vem impedindo a união do país, impossibilitando que todos estejam mobilizados em uma só direção, em favor da luta pela vida, a partir da orientação da OMS.

A humanidade precisa vencer o coronavirus e nós estamos dentro dessa guerra terrível. Mas ela vai acabar! E mesmo após todo esse transtorno de hoje, os brasileiros seguirão tendo pela frente este combate fundamental contra a milícia do fake news, que vem atuando no Brasil ao longo dos últimos anos. É um processo que indicará o tipo de sociedade que nós, os brasileiros, teremos no futuro.

Vamos ter que priorizar o combate a esta máquina endinheirada, que promove e potencializa a estupidez,juntando um nacionalismo barato, um capitalismo estrábico, poderosas máfias religiosas, milícias assassinas, somados a muito ódio, preconceitos históricos, muita ignorância e, principalmente, muita, muita, mentira. Juntos, eles mentem sobre o passado, mentem sobre o presente e ameaçam o nosso futuro.

Lembrando que ontem (26/03), Carlos, um dos filhos de Bolsonaro, o mesmo que faria parte do chamado “gabinete do ódio”, se filiou ao partido de Edir Macedo, dono da Igreja Universal do  Reino de Deus. É o mesmo partido de Marcelo Crivella, bispo da Universal, sobrinho de Edir e atual prefeito do Rio de Janeiro. Trata-se da mesma Universal que trabalha contra o isolamento social…

Após a segunda guerra mundial, o mundo se uniu contra o nazismo. Após o drama do coronavirus, o Brasil vai precisar de uma articulação que também priorize o combate a essa máquina mortífera, que se alimenta da desinformação. Falo de uma onda que criminalizou um educador do nível de Paulo Freire e fez de um notório perverso, como Jair Bolsonaro – um sujeito que idolatra torturadores – o presidente do nosso país. Isso é gravíssimo e não pode ser banalizado. É muito sério, gente!

Enfim, acredito que alguns ingredientes óbvios, para as batalhas contra esse outro agente “infeccioso”, passam pela política, por organizações sociais voltadas para democracia e justiça social, por uma autêntica democratização da comunicação, por um investimento profundo em educação, aumentando bastante a aposta no conhecimento e na ciência. A educação precisa ser vista como um desafio social, como um direito de todas as pessoas, sendo pública e de muita qualidade.

Num médio e longo prazo, é o caminho que o brasileiro tem em favor da vida.  Do contrário, poderemos ser um povo dominado pelo mais absoluto obscurantismo, o mesmo que hoje já nos atrapalha na luta contra o coronavirus. Bolsonaro é a ponta do iceberg. E nós já estamos no Titanic.

*Emilio Azevedo é jornalista de São Luís (MA). Um dos fundadores do Jornal Vias de Fato, faz parta da coordenação da Agência Tambor.

**A ilustração que acompanha este texto é de Carlos Latuff, que autorizou sua utilização.

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Bolsonaro está em isolamento político

Em tempos de pandemia, existem dois tipos de seguidores de Bolsonaro: os fanáticos e os preocupados.

Os fanáticos irão com o “mito” até o cemitério ou crematório.

Os preocupados pensam nas suas famílias, nas crianças e nos idosos principalmente. Esse grupo, embora continue torcendo pelo sucesso do presidente, não vai embarcar nas irresponsabilidades do seu líder.

Hoje, nem os mais abnegados teriam coragem de mandar seus filhos para a escola.

Político inexpressivo e militar de carreira medíocre, Bolsonaro não tem sequer o senso mínimo de preservação do seu exército em campo de batalha.

Sem qualquer noção de estratégia, faz movimentos que colocam em risco os seus soldados e, simultaneamente, diverge dos próprios generais, entre eles o da linha de frente Henrique Mandetta (Saúde).

Nesse nível de irresponsabilidade, o presidente declarou guerra à Ciência, ao Jornalismo e à Política.

Ele não só contraria a própria equipe de governo como atira nas suas bases da direita e ultradireita.

Até mesmo os governadores da região mais conservadora do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) estão seguindo as recomendações científicas.

O médico Ronaldo Caiado, bolsonarista de primeira linha e governador de Goiás, fez declaração pública de rompimento com o presidente.

Caiado não faria isso sem o aval do setor ruralista, sinal de que o segmento forte do agronegócio, onde Bolsonaro tem apoio, está insatisfeito.

A cobertura técnica da pandemia covid19, os sucessivos editoriais dos jornalões e o posicionamento das Organizações Globo, alinhados às recomendações das autoridades científicas, deixam o bolsonarismo raivoso ainda mais isolado.

Entre a indústria de fakenews e as recomendações médicas, a mãe bolsonarista da categoria dos preocupados prefere manter os seus filhos e os idosos vivos.

Basta observar que a “carreata da morte”, convocada para esta segunda-feira (30 de março), foi um retumbante fracasso.

Abrindo guerra contra os governadores, inclusive os seus aliados, o presidente só preserva um tipo de isolamento – o político.

Somados todos esses fatores às sequelas da pandemia na economia, Bolsonaro espera atravessar a crise radicalizando suas posições insanas. É um jogo arriscado.

Fato concreto é o seguinte: após a tempestade ele terá a seu favor os fanáticos raivosos capazes de um suicídio político coletivo.

Isso se ele atravessar a tempestade, pois as suas posições insanas criam um ambiente hostil dentro e fora do governo. As oposições já falam em apeá-lo da Presidência da República.

Mas, Bolsonaro caindo, não significa grandes abalos no conservadorismo. Quando a pandemia passar, os fanáticos e os ex-preocupados voltarão a se reagrupar, com ou sem o “mito” no comando. Vão apenas trocar o nome, mantendo o perfil de uma candidatura à direita ou ultradireita.

Pelo menos por enquanto, o bolsonarismo respira com a ajuda de aparelhos.

Imagem destacada capturada neste site