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Nem uma vírgula!

Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

Muito usados em quase todas as línguas, os sinais de pontuação facilitam a vida dos profissionais da escrita (escritores, jornalistas, redatores) e de todo aquele que precisa escrever textos (relatórios, cartas, e-mails). Até nossos amigos das redes sociais entram nesse grupo. Parece algo sem importância, mas, quando malcolocados ou não usados, causam sérios problemas à clareza da comunicação.

Entre eles, a nossa tão necessária “vírgula” é o mais violado. Usá-la ou não é um dilema que deixa atônitos os produtores de textos em geral. O manual de redação de um grande jornal lembra: “Quando bem-empregadas, contribuem para dar clareza, precisão e elegância às suas frases. Em excesso, provocam confusão e cansaço”. Num outro, um recado valioso: “Frase cheia de vírgulas está pedindo um ponto”.

Nunca me esqueci de um livro de bolso que ganhei de um amigo americano, intitulado COMMAS ARE OUR BEST FRIENDS (As vírgulas são as nossas melhores amigas). Foi ele (o livro) que me fez abrir os olhos e me apaixonar por esse sinalzinho tão precioso. Desde então, …

Sem dúvida, a vírgula é o sinal gráfico mais presente em nossos textos. Não se escreve bem sem se recorrer aos seus préstimos. Mas como é aviltada! Como sofre nas mãos dos que não sabem fazer uso de suas propriedades! Imagine alguém lhe pedindo para fazer algo que não é do seu ofício?! Pois é isso o que acontece com a pobrezinha. Usam e abusam de sua disponibilidade. É jogada de um lado para o outro sem o menor critério. E o pior é quando é esquecida, menosprezada, mandada para onde não gostaria de ir.

No fundo, a vírgula reclama de duas coisas: do abuso e do descaso. Essa confusão sempre me incomodou. E, assim, passei a refletir sobre o problema e decidi sair em sua defesa. Porque — verdade seja dita — ela é generosa e confiável, sempre disponível para o que der e vier. Por isso não entendo por que as pessoas a fazem de “otária” ou “burro de carga”.

Sua suposta insignificância chega ao cúmulo da insensatez gramatical quando alguém se atreve a tirar sarro com a sua cara. Um dia desses ouvi uma personagem de telenovela enfaticamente esbravejar: “E fique sabendo que eu não tiro uma vírgula do que já disse”.

Tanta coisa envolvendo uma criatura aparentemente inofensiva seria maldição ou o calcanhar-de-aquiles de muitos escritores?

Para escrever esta crônica, por exemplo, precisei fazer várias consultas e revisões. Principalmente — perdoem-me a sinceridade! —, por causa dessa “danadinha”.

Uma coisa é certa: não dá para viver sem ela. Abro o jornal, lá está ela metida com política, economia e criminalidade. Vou para os livros, encontro-a geralmente bem-comportada. Nos anúncios publicitários, esquecida. Nas redes sociais, em precário estado de lucidez. Até no “guia do estudante” da minha faculdade, fizeram-na passar vexame, sujando a beleza gráfica do livrete. E — pasmem! — notáveis figuras de nossas letras também escorregam na casca da vírgula.

Já imaginou se um dia ela se revolta e deixa de comparecer aos nossos textos? Que seria dos aficionados pela arte de escrever? Suas ideias teriam o mesmo sentido? E os leitores? Poderiam ler como se estivessem ouvindo a voz do escritor?

Nem pensar! Sem ela, nossos textos não teriam o mesmo sentido, a mesma poesia. Por isso é dever de todo escritor valorizar “a vírgula nossa de cada dia”. Preciso tanto dela que, antes de começar a escrever, sempre tenho à mão uma folha com as regras para o seu uso. E vejo-me, a todo instante, pescando as dicas para empregá-la corretamente. Vez por outra, deparo-me com erros, vaciladas. E penso: Como pude cometer esse erro? E aí descubro quanto tenho de trabalhar minha intimidade com essa figura emblemática de nossa boa e velha “flor do Lácio”.

Desencantada, a pobre vírgula, espera ser mais respeitada.

“Epa!”, minha “vírgula-da-guarda” me cutuca, mostrando que acabei de meter a coitadinha numa encrenca. Cometi o tal “erro crasso”, um gravíssimo delito gramatical. Usei-a para separar o sujeito do predicado, exatamente o cochilo que mais me incomoda.

“Tá bom, vou consertar”, prometo, decepcionado. “Não”, replica a angelical entidade gráfica. “Deixe-o aí, para alertar os desatentos e despreparados. Quem sabe um dia aprendam a evitar o mais elementar dos erros.”

Que alívio! Ainda bem que a vírgula é “gente fina” e aguenta bem essas agressões. Já pensou se ela resolve reagir tal qual minha querida conterrânea Alcione Nazaré: Não sei se vou aturar esses seus abusos / Não sei se vou suportar esses seus absurdos. Felizmente, a vírgula já provou ser tolerante, paciente e compreensiva.

Muitas são as sacadas inspiradoras iluminando nossa personagem. Mas nenhuma se compara à irreverente citação do advogado e político carioca Tenório Cavalcanti (1906-1987) sobre sua inquestionável importância: Não, estou bem. Mas se tirar a vírgula eu fico mal.

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Tempo de escrever

Eloy Melonio

“Escrever não é fácil”, dizia um amigo meu quando me pedia ajuda com algum texto que estava escrevendo. E de tanto escrever e querer melhorar sua escrita, não é que já está escrevendo razoavelmente bem!

Um artigo sobre “a arte ou o ofício da escrita” não parece leitura agradável. Mas é necessária. Especialmente nestes tempos de redes sociais. Especialistas afirmam que nunca se escreveu tanto como agora. É verdade, tem muita gente escrevendo! Textos com uma, duas, e até mais de trinta palavras são comuns em suas postagens. Gente que não escrevia nada passou de repente a escrever. E nesse escreve-escreve, se aventura na poesia, na crítica política ou social, contos, crônicas. O lado sombrio disso é que, nesse espaço, alguns se acham não apenas inteligentes, mas donos da verdade. E chegam a defender a tolerância e a liberdade de expressão aos gritos, passando por cima da opinião do outro. Seja com for, estão escrevendo de verdade. E não é demais lembrar que o Português é o terceiro idioma mais usado nas redes sociais.

A prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) começa neste domingo (4-11) e prossegue no subsequente. E logo de saída, o terror de quem terá de escrever um texto. E de tão importante, a redação é matéria nos principais canais de TV. Na pauta, a dificuldade em produzir textos claros, bem redigidos, fiéis à norma culta. Isso explica o medo da prova, porque ela pode “reprovar” o candidato, se o seu texto não se enquadrar nos requisitos básicos.

“Escrever é fácil”, dizia um professor nas primeiras aulas de seu curso de Redação. E acrescentava: “Você começa com uma maiúscula e termina com um ponto final. No meio, põe as idéias”. Parece simples, mas é aí que está o problema. Entre a primeira palavra e o ponto final, você precisa escrever. Ou seja, estabelecer uma tese, defender um ponto de vista, argumentar sobre a problemática do tema. E ainda tem a produção do texto: a sintaxe, a coerência, clareza. É neste momento que entra em cena a temida “norma culta”, nome pomposo de nossa velha gramática.

Nunca esqueci o título de um anúncio da Mercedes-Benz que vi numa revista: “Quando se tem o que dizer, fica fácil se comunicar”. Esse título me inspirou a melhorar minha escrita. E me acompanha até hoje. Ter o que dizer: eis a questão! Por isso não há como fugir da necessidade de ler. Ler (quase) tudo: jornais, revistas, blogues. E, em especial, livros. Um bom leitor é geralmente um bom escritor. Todos os grandes escritores são (foram) grandes leitores. Mas é preciso saber o que se deve ler. A fruição do texto quando se lê algo que é realmente útil e interessante.

Leitores contumazes geralmente têm paixão por certos autores. E por certos livros também. Têm seus colunistas e/ou blogueiros preferidos. O importante é tirar de suas leituras conteúdo para enriquecer seu conhecimento. O que busca: informações, conhecimento, fruição. Se busca poesia, Castro Alves possui “o mais rico e colorido repertório imagístico da nossa poesia romântica” (Antônio de Pádua, Aspectos Estilísticos da Poesia de Castro Alves). Quem não gosta de Josué Montello, Machado de Assis, Mário Quintana? E de tantos outros monstros imortais da literatura universal e nacional?

Voltando ao amigo do início deste artigo, “escrever não é fácil mesmo”. Para aperfeiçoar sua produção textual, você precisar ler. E escrever. Sou observador atento de tudo o que leio. De vez em quando me aventuro a corrigir “gente grande”! (Risos!). E assim, geralmente passo a vista nos textos em busca de algum “probleminha”. E nessa busca, encontro alguns errinhos básicos. E para seu espanto, de quem se poderia esperar coisa melhor. Ou seja, de pessoas que escrevem profissional e/ou artisticamente.

Com uma pequena mudança no original, selecionei algumas “pérolas” só para ilustrar esta argumentação: “Sejamos, nós escritores, os baluartes da boa escrita” (Sejamos nós, escritores, … [o vocativo junto com o sujeito]); “(…) e nada tem haver com os conflitos” (tem a ver); “(…) o nosso amigo Juvenal faleceu agora a pouco” ( pouco [tempo decorrido]); “Se trata de poesia estudada, pela mente e pela alma” (Trata-se [em texto formal]); “Depois do que vi, pré-sinto que essa situação” (pressentir); “(…) me incentivava tudo isso e…” (dar incentivo a [uma ação]). Num desses casos, não segurei minha indignação, e desabafei ironicamente: “Pobre língua portuguesa! Tão maltratada e aviltada por seus (supostos) melhores amigos! Aja paciência! (Hein?!)”.

A escrita do profissional do texto (jornalista, escritor, poeta) é coisa de grande responsabilidade. Com sua imagem e com a língua pátria. Se somos os primeiros a errar, o que esperar dos outros?

Errar é uma tarefa difícil. Isso mesmo, considerando-se que hoje se tem (ou é “tem-se”?!) à mão corretor ortográfico, dicionário online, sites com conteúdo gramatical específico. Para escrever este texto recorri a esses recursos várias vezes. Quando publico um texto, tenho um cuidado especial em ver se está bem escrito. E na revisão, descubro alguns “errinhos” também! Todo esse cuidado porque escrevo para outras pessoas. E sempre me pergunto: será que vão entender? Será que vão gostar do assunto, da forma como está exposto?

Essas perguntas me levam a revisar e ver o que realmente precisa ser mudado. Aí vou cortando a “gordura vocabular”, ou seja, as palavras desnecessárias. Verifico a colocação dos pronomes, os tempos verbais, a acentuação gráfica, a pontuação. Frei Betto ensina: “Caço literalmente todos os gerúndios do texto, tudo que termina em “ando”, “endo”, “indo” etc., pois acredito que isso ‘amolece’ a escritura” (Ofício de Escrever, Ed. Anfiteatro). Não há como duvidar que o autor está para o texto assim como o maestro está para a orquestra.

Ardorosos defensores de nossa língua reclamam da falta de paixão pelo idioma pátrio. Falta estudo, zelo, paixão! “Nossa língua é o resultado de séculos de beleza que a literatura nos legou”, defende o jornalista Sérgio Rodrigues, autor de “Viva a Língua Portuguesa!” (Companhia das Letras). Latino Coelho enfatiza: “De todas as artes a mais bela, a mais expressiva, a mais difícil, em sem dúvida a arte da palavra” (A Oração da Coroa).

O amor à escrita (e à leitura) é condição “sine qua non” para quem decide se aventurar no mundo das letras. Mesmo que não tenha objetivos elevados. Ou seja, apenas para escrever textos que possam ser lidos e, se possível, admirados. Por que quero escrever? Para quem vou escrever? Sem uma resposta coerente, fica difícil adentrar o mundo literário. Nos Estados Unidos, cursos de “creative writing” (escrita criativa) são comuns nas universidades. É uma resposta aos alunos que pensam escrever textos para revistas especializadas, ou mesmo um livro temático ou de cunho literário. Seja qual for a sua razão, não se deixe abater pelas primeiras dificuldades. E, principalmente, prepare-se para escrever. Alguém já disse: “Português não é difícil, você é que estudou pouco”. Uma observação dura, mas verdadeira, aos que apresentam uma justificativa para textos desprovidos de conteúdo, graça e beleza.

Leia este excerto do livro “O prazer da leitura”, de Rubem Alves (1933-2014): “Todo o texto é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele desliza sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza acontece. E o texto apossa-se do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se luta com as palavras, se não desliza sobre elas – a leitura não produz prazer: queremos logo que ela acabe”.

São muitas as razões para se escrever. Pode ser necessidade, prazer, paixão. E aqui faço uma intertextualidade entre Frei Betto (FB), em seu já referido livro “Ofício de escrever”, e Ruy Robson (RR), poeta maranhense, em seu poema “Escrevo”: “Escrevo para ser feliz. Bartheanamente, para ter prazer” (FB); “Escrevo por necessidade,/ pela vontade de ser feliz” (RR); “Escrevo para sublimar minha pulsão e dar forma e voz a babel que me povoa interiormente” (FB); “Escrevo para não sofrer/ escrevo para não matar/ Escrevo para não morrer!!!” (RR).

Fácil ou difícil? A resposta é sua. Só sei que a escrita é uma arte que pode informar, ensinar, entreter. E, quem sabe, “virar a vida pelo avesso”.