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Padre com três mandatos de prefeito vai governar Alcântara, cidade espacial no Maranhão

Ed Wilson Araújo, jornalista e professor da UFMA

(parte dessa reportagem foi publicada no Uol)

Aos 78 anos de idade, o padre William Guimarães da Silva conquistou um feito inédito na historiografia política do Maranhão – ganhou a quarta eleição para prefeito, em três cidades diferentes. Teve dois mandatos no município de Guimarães e um em Santa Helena. Em 2020 ganhou a disputa em Alcântara, vencendo o atual prefeito Anderson Wilker (PCdoB), candidato à reeleição.

(A imagem aérea destacada foi capturada nesse site)

Existem dois tipos de foguetes em Alcântara: os espaciais e rojões de artifício. Estes começaram a troar no final da manhã de sexta-feira (18), quando o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) analisava o recurso do prefeito William Guimaraes da Silva (PL), eleito com 7.874 votos (60,29%). O julgamento na Corte Eleitoral era aguardado com expectativa do outro lado da baía de São Marcos, onde transitam os barcos que fazem a travessia São Luís – Alcântara. Ato contínuo à decisão do TRE, no sol a pino de meio dia, quando a terceira cidade mais antiga do Maranhão, fundada em 1648, silenciava para a sesta, o foguetório comemorava a diplomação.

Padre Wiliam agradece a Deus pela diplomação

Aos 78 anos de idade, o presbítero é um caso raro na política. Ele foi prefeito em mais duas cidades maranhenses: teve um mandato em Santa Helena (1989-1992) e dois seguidos em Guimarães (2005-2012).

Em setembro de 2020, quando registrou a candidatura em Alcântara, foi impugnado pela coligação adversária. A denúncia, acatada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), configurava o impedimento por improbidade administrativa. “No caso dos autos, o impugnado, no exercício do mandato de Prefeito Municipal de Guimarães/MA, teve suas contas – relativas a verbas do Convênio n.º 419/2007 (Siafi 611045), firmado em 31/12/2007 com o referido Município, advindas da FUNASA – julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas da União, em decisão definitiva, com trânsito em julgado no dia 24 de julho de 2020”, asseverou o MPE. A verba de R$ 130.790,00 (cento e trinta mil, setecentos e noventa reais) deveria ter sido aplicada na realização de um evento cultural na cidade.

A impugnação foi contestada e ele disputou a eleição, após decisão favorável do juiz titular da 52ª Zona de Alcântara, Rodrigo Otávio Terças Santos.

Vitorioso nas urnas, o padre foi obstruído em uma decisão TRE-MA. Por 6 votos a 0, os desembargadores declararam a candidatura indeferida, mas o mesmo tribunal reverteu a decisão uma semana depois, assegurando o deferimento, motivo do foguetório em Alcântara.

Nas duas cidades onde foi pároco e gestor, William Silva teve fama de pragmático, sempre aberto ao diálogo com distintas agremiações políticas. “Não sou propagandista das correntes partidárias. Eu recorro a quem pode me ajudar, tanto que eu não fico preso a um deputado estadual ou federal. Eu fico mais como amigo daquele agente político. Hoje, por exemplo, eu posso falar com o governador Flávio Dino (PCdoB) sem problemas”, traduziu.

Sua vitória eleitoral em Alcântara reuniu correligionários de vários naipes na coligação “Rumo a novas conquistas”: PL, PROS, Avante e o PT. O vice, Nivaldo Araújo, chegou a disputar a prefeitura em 2016 pelo PSOL, mas mudou para o PROS. Entre os apoiadores constam o ex-prefeito Domingos Arakem (PT) e o deputado federal Josimar de Maranhãozinho (PL), alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga o desvio de emendas parlamentares. “Nós somos correligionários. Eu sou filiado há seis anos no Partido Liberal. Ele [Josimar de Maranhãozinho] veio aqui no dia da convenção, fez um discurso, o povo acreditou no que ele falou e vem desde 2013 acreditando nas minhas palavras e me deu 60% de aprovação”, justificou.

Herança e quilombolas

Na troca de comando em Alcântara o religioso católico vai receber a faixa de prefeito do comunista Anderson Wilker, candidato à reeleição com 4.372 votos (33,48%). Quando tomar posse em 1º de janeiro de 2021 o padre terá problemas de toda ordem. Alcântara não tem matadouro público, rodoviária nem aeroporto. O hospital passou por obras recentemente e foi entregue sem condições ideais de funcionamento. Faltam médicos especializados, sala de cirurgia adequada, maternidade e leito de UTI.

Pelos dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES) do Governo do Maranhão, Alcântara teve 202 casos confirmados de covid19 e oito óbitos computados até 28 de dezembro de 2020.

Segundo William Silva, a cidade tem seis ambulâncias para transportar os doentes às cidades mais próximas. Além disso, o abastecimento de água potável, as condições precárias das estradas rurais, o transporte marítimo para São Luís, a iluminação e limpeza públicas, os equipamentos de segurança, a infraestrutura para o turismo e a Previdência Municipal são listados pelo prefeito diplomado como prioridades nos 100 primeiros dias de gestão.

Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão
Imagem: AEB/Divulgação

Como se não bastassem as tarefas enumeradas, ele terá de administrar uma eventual segunda onda de remoção dos quilombolas, arrolados no Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado entre o Brasil e os Estados Unidos, que prevê a expansão do complexo espacial em novas áreas do Território Quilombola de Alcântara. Em março de 2020, a Resolução nº 11, assinada pelo ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Augusto Heleno, ordenava a retirada de moradores da nova área pretendida pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB). A execução das mudanças não chegou a ser cumprida devido à reação de várias entidades de direitos humanos e parlamentares, que argumentaram, entre outros aspectos, o impacto da remoção sobre aproximadamente 300 famílias no início da pandemia covid19.

Praia no quilombo Mamuna é uma das áreas pretendidas
pela expansão da Base Espacial. Foto: Adilson Zavarize

“Estamos buscando entendimento com a Base Espacial para que não aconteça o que ocorreu há 35 anos. Na época prometeram uma remoção digna e até hoje nada vezes nada. Quanto aos que ainda permanecem nos povoados não remanejados nós queremos evitar o mínimo de choque e aplicar as condições dignas, porque ninguém vai ser remanejado à toa. Nós queremos a garantia de que a remoção aconteça em condições humanas e de desenvolvimento”, advertiu o futuro prefeito.

Expectativas, gerações e mulheres

Se na zona rural a vida é dura, na sede do município a pobreza salta aos olhos. Helena Cristina Martins, 41 anos, tem três filhos. Ela e o marido estão desempregados. “O município em geral está precisando de tudo, principalmente na saúde. Foi inaugurado o hospital, mas falta ainda muita coisa, entendeu? Eu gostaria que fosse feito um concurso público para ter oportunidade, mesmo que seja para gari. O que importa é ter um trabalho em meio a essa pandemia”, pontuou.

O orçamento geral do município em 2020 operou com receita de R$ 72.347.365,00 (Setenta e dois milhões, trezentos e quarenta e sete mil, trezentos e sessenta e cinco reais). De acordo com o Plano Plurianual (2018-2021), principal instrumento de planejamento governamental, a previsão de receita do Tesouro Municipal para o exercício financeiro de 2021 é de R$ 73.613.444,00 (Setenta e três milhões, seiscentos e treze mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais).

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estima a população de 2020 em 22.112 habitantes, distribuídos entre a sede e 204 povoados, dos quais cerca de 60 são comunidades quilombolas. Apenas 6,5% dos domicílios têm esgotamento sanitário adequado e a taxa de mortalidade infantil média na cidade é de 4.37 para 1.000 nascidos vivos.

Vinícius compara Alcântara a Ouro Preto
Foto: Ed Wilson Araújo

Enraizado em família tradicional de Alcântara, o cozinheiro Vinícius Menezes Maciel, 31 anos, vê no turismo o principal ativo da economia local. “Aqui tem o potencial de Olinda e Ouro Preto, só que a cidade está largada às traças”, resumiu. Apesar do pessimismo com as gestões anteriores, ele tem esperança na experiência administrativa do padre prefeito.

Proprietária de um pequeno restaurante na famosa “Ladeira do Jacaré”, um dos acessos ao porto principal de Alcântara, Maria do Rosário Pereira Vieira sonha com a cidade “limpa, bonita e bem organizada”, além de mais qualificação dos guias de turismo. A saúde também foi mencionada entre as suas preocupações. “Espero que mantenham o hospital inaugurado agora bem de médicos, enfermeiros, remédios e limpeza, porque isso é muito importante”, enfatizou.

Pescador e operário da construção civil, Kleber Ribeiro, 41 anos, trabalha atualmente como taxista. “Espero que o prefeito faça um bom mandato na saúde. A gente vai no hospital e não tem nada. Está construído, mas o telhado está horrível e o serviço foi mal feito”, apontou.

Maria Vieira quer a cidade limpa
Foto: Ed Wilson Araújo

Uma novidade nos próximos quatro anos é a representação feminina no parlamento de Alcântara. Das 11 cadeiras na Câmara Municipal, duas serão ocupadas por mulheres. Na legislatura anterior (2016-2020) todas as vagas foram preenchidas por homens. A vereadora eleita Maria do Nascimento França Pinho (“Menca” Pinho), 42 anos, obteve 337 votos (2,58%). Ela é originária do povoado Peru Velho e pautou a campanha no protagonismo feminino, inspirada na deputada federal Tabata Amaral (PDT). Pedagoga e estudante de Serviço Social, foca ainda na educação e computa na carreira sua experiência de gestora titular na Secretaria Municipal de Assistência Social de 2017 a abril de 2020.

Fé e política

William Silva nasceu em 21 de fevereiro de 1942, no povoado Santa Rita de Cardoso, em Guimarães, cidade onde viria a ser prefeito de 2005 a 2012. A sua relação com Alcântara remonta a 1962, quando aterrissou na cidade para ser professor, a convite de missionários canadenses. Naquela época ele já estudava em colégio católico e entrou para o seminário, obtendo a ordenação em 5 de janeiro de 1973.

Depois das passagens por Santa Helena e Guimarães, voltou ao pastoreio em terras alcantarenses, percorrendo a zona rural no trabalho das Santas Missões Populares e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Na sua formação em seminários de Fortaleza, Recife, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Roma, recebeu influência da Teologia da Libertação e chegou a ter palestras sobre espiritualidade com figuras emblemáticas da Igreja progressista, como Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Agnelo Rossi, além da convivência com os frades dominicanos.

A eleição de 2020 foi marcada também por um encontro de gerações. O vereador eleito Robson Corvelo, 39 anos, quando criança foi coroinha na igreja administrada pelo então pároco William Silva. Corelo obteve 353 votos (2,67%) e disputou na coligação de Anderson Wilker, atual prefeito derrotado na tentativa de reeleição. “Apesar das diferenças políticas, não me taxo como oposição ao padre William e vou atuar na Câmara dos Vereadores ao lado do povo”, esclareceu.

Padre exibe o diploma de prefeito com a oração
do Pai Nosso acima. Foto: Ed Wilson Araújo

As sucessivas vitórias eleitorais do padre somam fé e política. “Primeiro vem Deus. Eu faço meu trabalho de evangelização. Sou um catequista, buscando a libertação das pessoas”, detalhou, explicando que durante o mandato de prefeito não pode exercer cargos administrativos na Igreja, de acordo com o Código de Direito Canônico.

A Teologia da Libertação é fruto do Concílio Vaticano II (1962-1965), uma tendência de renovação teológico-eclesial da Igreja latino-americana, baseada na opção pelos pobres e fortalecimento dos laços entre fé e política nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que mobilizava os religiosos para o trabalho pastoral no meio popular.

Para o arcebispo de São Luís, Dom José Belisário da Silva, esta perspectiva contrastava outra orientação da Igreja, o Concílio de Trento (1545 a 1563), esteio do catolicismo tridentino, fundamentado na disciplina, rigor acadêmico, ortodoxia religiosa, celibato e obediência à hierarquia. A opção pelos pobres caracterizava uma “rebelião contra a disciplina tridentista” e via no papel do padre um militante social junto do povo, explica o escritor Kenneth Serbin, na obra “Padres, celibato e conflito social: uma História da Igreja católica no Brasil”

Embora a Teologia da Libertação tenha sido uma das inspirações na sua formação eclesial, o padre William Silva é pragmático nas campanhas eleitorais e nos mandatos. Na entrevista concedida para esta reportagem, o foguetório e o telefone não paravam de tocar, festejando os afagos de eleitores e políticos. Ao longo da sua carreira orgulha-se do trânsito junto a várias personagens influentes do Maranhão, sem discriminação. “Eu não me ative a programa de partido nem ideologias. O que primava em mim era o apoio à coletividade, através das emendas”, ressaltou.

Beirando os 80 anos, o futuro prefeito vai encarar a cidade com um passivo administrativo herdado de vários gestores, há décadas. Nesse lugar de tecnologia aeroespacial, o único hospital do município não tem UTI em plena pandemia covid19.

Ladeira do Jacaré, principal via de acesso ao
porto de Alcântara. Foto: Ed Wilson Araújo

Mas Alcântara, apesar de tudo, tem seus encantos. É uma cidade cênica a céu aberto. Tem o charme da arquitetura colonial, ruínas de igrejas e palácios projetados para receber o imperador (Dom Pedro II) em uma visita prevista para 1870 que nunca aconteceu. É agitada nos tradicionais festejos do Divino Espírito Santo e São Benedito, pacata no visual dos sobradões, ruas e calçadas de pedra, praias exóticas, comunidades quilombolas com variados atrativos culturais e amplo potencial turístico.

Antiga vila de Tapuitapera, de ruas semidesertas, onde a vida corre lentamente, a velha cidade fundada em 1648 completou 372 anos em 22 de dezembro. Vista em panorâmica, a paisagem tem tons de ubiquidade. Passado e futuro estão no mesmo lugar. Foguetes rápidos no céu contrastam o toque lento dos sinos das igrejas na terra.

Votação dos candidatos à Prefeitura

William Guimaraes da Silva (PL) – 7.874 votos – 60,29%

Anderson Wilker de Abreu Araújo (PCdoB) – 4.372 votos – 33,48%

João Francisco Leitão (PODE) – 715 votos – 5,47%

Antonio Rosa Cruz Pereira (PSL) – 99 votos – 0,76%

Vereadores eleitos em Alcântara

Valdemir Souza Pereira (PL) – 624 votos – 4,72%

Lazaro Vivino Amorim (PDT) – 604 votos – 4,57%

Claudielson Basson Guterres (Avante) – 452 votos – 3,42%

Dyna Nathalia Silva Barbosa (PDT) – 430 votos – 3,25%

Miecio Moraes Macedo (PL) – 380 votos – 2,87%

Nilson dos Santos Pereira (PL) – 366 votos – 2,77%

Robson Mendes Corvelo (PP) – 353 votos – 2,67%

Jose Mario de Jesus Barbosa (PCdoB) – 341 votos – 2,58%

Maria do Nascimento França Pinho (PP) – 337 votos – 2,55%

Joedes Luiz Melo Dias (PROS) – 298 votos – 2,25%

Marivaldo Barbosa Soares Campos (PROS) – 266 votos – 2,01%

Votos em branco: 177 (1,29%)

Nulos: 435 (3,18%)

Abstenção: 4.050 (22,85%)

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A igreja do Desterro no Centro Histórico de São Luís

Texto e foto: Benedito Lemos Junior

A Igreja do Desterro, no “coração” de São Luís, é um dos belos monumentos históricos da capital maranhense, que integra simplicidade, rara beleza, além da fé de uma comunidade quase sempre abandonada e esquecida pelo poder público, seja em que esfera for: estadual, municipal e federal.

A Igreja de São José do Desterro, uma das mais antigas do Maranhão, cuja construção iniciou no ano de 1618, é símbolo de muitas histórias e lendas que retratam ainda a fé, a devoção e lutas da comunidade do Desterro e por não dizer dos maranhenses e do Maranhão.

O primeiro templo foi uma ermida coberta de palha dedicada à Nossa Senhora do Desterro, época em que, São Luís foi tomada pelos holandeses, que desembarcaram em frente à ermida do Desterro e saquearam a cidade e destruíram as imagens de Nossa Senhora do Desterro e de Santo Antônio.

Em 1832, a igreja desabou, época em que José Lé, que morava na região e era devoto de São José, com pouca ajuda, conseguiu reerguer as paredes mestras, antes de falecer. A obra foi concluída pelo escrivão José Antônio Furtado de Queixo, com a ajuda de esmolas, em 1839.

Assim, a Igreja do Desterro, passou ao longo de sua história por várias reformas, intervenções que integram a narrativa do bairro do Desterro, cenário do início da ocupação portuguesa em São Luís e que “guarda” várias tradições da cultura popular maranhense e de seu povo, como a tradicional “Queimação de Palhinhas”, a reza e a cura das benzedeiras e as tradicionais partidas de damas no final da tarde, de cada dia.

A dama foi popularizada pelo damista Pedro Laurindo Filho, o “Mestre Dotinha”, que tem mais de mais de cem mil jogos realizados e foi o único a vencer 400 jogadores em partida simultânea, a maior simultânea internacional do mundo.

Dotinha, que tem vários livros publicados em diversos países sobre dama internacional e suas jogadas, é campeão mundial de damas, mas hoje faz apenas partidas de exibição para a popularização do “esporte”.