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Brasil, tão longe… bem perto?

Por Frédéric Pagès 

Brasil: durante a pandemia, a crise se aprofunda. Mas, na realidade, trata-se de dois fenômenos – a turbulência política e o coronavírus – muito mais ligados do que parece. Pois é preciso repetir que o fascismo não é uma opinião como outra qualquer. É uma doença sócio-política hoje alimentada pelo fenômeno das fake news – as “notícias infectas” – que adicionam pestilência à ferida, rumores perversos que agem como vírus.

O fascismo fascina. Existe uma forma de coerência na conduta de Bolsonaro, que transgride permanentemente todos os costumes, liberta seus instintos primários de agressividade, grosseria, brutalidade… E o bom povo que não ousa, o rebanho dominado está no circo: um palhaço mal-educado cospe em seu lugar na mídia desdenhosa ou condescendente – que, diga-se, muito ajudou Bolsonaro num dado momento de sua ascensão – e manda esses intelectuais, donos de um “saber” a que ele não tem acesso, se foder e calar seus pretensiosos bicos.

Assim, ao fazer pouco caso das regras comuns e desafiar a lei – ele faz, diariamente, apologia da ditadura e da tortura, algo teoricamente proibido – Bolsonaro se apresenta como dono da situação, que ataca quando e como quer, especialmente porque, no momento, não encontra um verdadeiro interlocutor.

Porque outra característica do fascismo é que ele, muito frequentemente, paralisa seus oponentes. Eles parecem quase sempre mornos, pequenos, medíocres e um tanto insignificantes frente a tamanha arrogância.

É uma espécie de choque de energias. Bolsonaro, Trump, mas também Putin, de certa forma, e Orban, Salvini, Duterte e cia… são como que sustentados pelas pulsões obscuras que libertam e autorizam, e pouco importa o que dizem exatamente, pouco importa se mentem, uma vez que o fazem descaradamente – isto é, sem vergonha – na lata, na dinâmica dessas forças sombrias… porque seu público é, muitas vezes, formado por pessoas dominadas pela vergonha, que se consideram derrotadas e se entusiasmam pela autoconfiança inabalável de seus “heróis”.

Tudo isso torna a tarefa da oposição complicada, difícil e dura. Porque estamos deixando a esfera da racionalidade para entrar no reino das fantasias, dos arquétipos, mitos (“Mito”, como gritam os apoiadores de Bolsonaro) e impulsos arcaicos. E neste universo, a energia que liberamos tem muito mais importância e impacto do que aquilo que tentamos explicitar.

Hoje, os povos, enganados, massacrados, esmagados pelos mecanismos predatórios da globalização selvagem, tornam-se presas fáceis desses manipuladores de instintos e consciências. Pois as frustrações acumuladas, as humilhações permanentes, as vergonhas hereditárias… pesam muito na balança.

Observemos tudo isso – no Brasil, nos EUA, na Rússia – com muita atenção. Meditemos sobre o que é possível fazer aqui, imaginemos com ousadia e generosidade, saindo de nossos pequenos egoísmos rotineiros. O desafio é considerável.

E estaríamos muito enganados, na França e na Europa, se acreditássemos que estamos imunes a isso.

Frédéric Pagès é cantor e escritor. Vive, há mais de 40 anos, entre a França e o Brasil, tendo idealizado diversos projetos culturais franco-brasileiros.

* Tradução de Clarisse Meireles

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