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Carpe diem, Jorge Capadócia

Era uma daquelas noites em que tudo pode acontecer, inclusive nada, como diz a música “A natureza das coisas”, letra de Accioly Neto interpretada por Flávio José.

Numa das minhas poucas idas a Brasília, nessas militâncias da vida, certa vez fui ao bar Carpe Diem, point de gente das letras e das artes ou, como se costuma dizer no jargão, lugar de encontro dos “intelectuais”.

Estava na companhia do jornalista e parceiro de lutas Marcio Jerry, ainda no PT e no movimento de rádios comunitárias, que à época convidou o então juiz federal Flávio Dino para um encontro informal.

Acho que àquele tempo Dino não pensava em ser governador do Maranhão e nem Jerry deputado federal. Mas, isso não vem ao caso agora.

Sentamos no Carpe Diem e começamos a papear. Eis que repentinamente aparece um homem negro de voz empostada, elegância nas palavras e foi logo anunciando mais ou menos assim: “eu sou a mesma pessoa, meus cabelos e minha voz são os de sempre, mas meus livros estão renovados”.

Quando viramos para mirar o pregoeiro, deparamos com Jorge Capadócia, velho conhecido da turma do movimento estudantil dos anos 1980 e 1990 no campus do Bacanga, na Universidade Federal do Maranhão.

Capadócia era o cara das grandes sacadas musicais e foi um importante agitador da cena cultural de São Luís naquelas décadas. Entre tantos shows, ele produziu o antológico Urubu GuaraniAs sete faces da canção (1987), uma referência inicial na carreira do cantor e compositor Zeca Baleiro.

No currículo de Capadócia está ainda a produção do Fump (Festival Universitário de Música Popular), em 1986 e 1987, organizado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE).

Depois, não se sabe por qual motivo, ele partiu para Brasília, onde passou a viver e vender livros nos bares e restaurantes da capital federal. Era um misto de livreiro e sebista ambulante, sempre de bom humor e com ótimos títulos de literatura, principalmente.

Nos últimos três anos ele vinha passando por problemas de saúde e faleceu na última sexta-feira, no Hospital de Base.

O nome do bar onde encontramos Capadócia, Carpe Diem, é uma expressão originária do latim, atribuída ao poeta romano Horácio e significa “aproveite o dia”, rememorada no filme “Sociedade dos poetas mortos”.

Uma das interpretações para o texto de Horácio remete à fruição intensa da vida, sem se preocupar com o amanhã. Nosso militante da música deixou a ilha de São Luís, onde era produtor cultural, para vender livros em Brasília.

Capadócia fez a sua escolha. E viveu. Carpe diem!

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